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Jornalismo

Ensino em tempo integral: por um Brasil com mais Educação, de verdade

A ampliação da jornada é a oportunidade ideal para repensar o ensino. Mas por que esse debate não ocorre?

PorWellington Soares

01/12/2014

Por um Brasil com mais Educação, de verdade. Ilustração: Benett

Nos últimos anos, a ampliação da oferta de Educação em período integral se tornou uma pauta importante. Candidatos aos governos estaduais e à Presidência da República enfatizaram na campanha eleitoral a necessidade de ampliar a modalidade, fizeram promessas a esse respeito e utilizaram programas já em andamento como propaganda. O desafio também foi contemplado no Plano Nacional de Educação (PNE): até 2024, a quantidade de alunos matriculados em período estendido deve representar 25% do total.

Hoje, o ensino em tempo integral alcança apenas 13,2% das crianças e dos jovens brasileiros. Os 86,8% restantes frequentam a escola de manhã, à tarde ou à noite, em um período de quatro ou cinco horas. A proposta discutida atualmente é criar um único turno com duração mínima de sete horas. Aumentar o tempo, no entanto, não deve ser o objetivo principal das políticas públicas. O debate tem de se centrar na utilização dessa carga horária para melhorar a qualidade do ensino e ampliar a formação dada aos estudantes.

No mundo ideal, as horas ganhas com a extensão do período precisam ser integradas à rotina da escola, ocupadas de maneira coerente, com base em uma proposta coesa de Educação. Para isso, é necessário pensar um projeto político- pedagógico (PPP) que considere essa nova realidade e esteja alinhado com as políticas geridas pelas redes.

Na prática, nem sempre é isso que acontece. Muitos dos programas propostos pelas secretarias estaduais e municipais e até o Mais Educação, criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, estimulam a criação de dois turnos separados ou que dificultam a unidade pedagógica entre eles. A proposta federal, por exemplo, pede que as escolas planejem oficinas diversas oferecidas antes ou depois do tempo regular. Ocorre, então, uma divisão clara entre o período de aulas e o contraturno, das "atividades extras".

Se por um lado é importante acabar com essa divisão, por outro não se pode replicar a lógica do turno regular ao período estendido e simplesmente aumentar a carga horária das disciplinas existentes. Em um modelo de ensino integral, todo o currículo e as abordagens do conteúdo precisam ser planejados de acordo com uma nova realidade, garantindo uma formação plural do estudante. No artigo Alguns Parâmetros para a Educação Integral Que Se Quer no Brasil, as pesquisadoras Maria Alice Setúbal e Maria do Carmo Brant de Carvalho defendem: "a Educação não deve cultivar apenas conhecimentos mas também o exercício de valores, a afetividade e a subjetividade humana necessários para negociar sentidos, além de estimular os alunos a relacionarem-se consigo e com os outros e a moverem-se no mundo atual com maior autonomia e proatividade".

Em termos práticos, isso significa repensar não apenas o PPP mas também a prática dos professores e a organização do tempo. Valorizar o trabalho com projetos, incentivar a interação entre escola e comunidade, permitir que os alunos escolham parte das atividades de acordo com seu interesse, aumentar o uso das tecnologias e relacionar de maneira profunda e significativa as aprendizagens escolares ao cotidiano dos estudantes são vitais para garantir que o período integral ofereça mais oportunidades de aprendizagem.

Pré-requisitos para a qualidade

Para que esses princípios pedagógicos sejam de fato aplicados, condições ideais de aprendizagem são fundamentais. E elas requerem investimentos pesados. O primeiro item da planilha de custos é o dinheiro para fornecer a infraestrutura adequada. As instituições que possuímos hoje estão preparadas - em sua maioria - para atender a alunos em dois ou três turnos. Com a passagem para um único período, é necessário espaço suficiente para que todos estejam ali ao mesmo tempo, desenvolvendo atividades que não se restrinjam à sala de aula. Isso significa ampliar as unidades já existentes, criando classes, bibliotecas, quadras e salas de informática, entre outros. Para as instituições que possuem equipamentos públicos nos arredores - infelizmente uma parcela pequena -, parte desses recursos pode ser reduzida com a articulação de parcerias. Isso não quer dizer que a opção seja isenta de custos. Ela exige investimentos em transporte e na manutenção dos espaços.

Feitas essas adaptações iniciais, é preciso recursos para manter os estudantes por um período de tempo maior no ambiente escolar e viabilizar as atividades. O programa Mais Educação, por exemplo, disponibiliza apenas 4 mil reais por ano para uma escola com 500 alunos custear a aquisição de materiais permanentes e de consumo e contratar os serviços necessários (veja a tabela abaixo).

Recursos recebidos
Valores repassados à escola para custeio de materiais e contratação de serviços

Por um Brasil com mais Educação, de verdade

Fonte FNDE

Além desses valores, há um ponto fundamental: o investimento nos profissionais responsáveis pelas atividades. Segundo a resolução número 14 de 2014 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), os tutores e monitores do Mais Educação são voluntários que têm direito somente a um ressarcimento de despesas com transporte e alimentação no valor de 80 reais mensais para cada turma monitorada em escolas urbanas e 120 em escolas rurais. Os profissionais não têm necessariamente a formação adequada, nem sempre fazem parte da equipe da escola e não recebem remuneração correspondente à dos professores regulares. Educar pressupõe boas condições de trabalho e conhecimentos, habilidades e práticas próprias de um profissional formado.

Temos um desafio gigantesco pela frente e é preciso encará-lo com seriedade e atenção. Ao implantar a Educação integral, temos a oportunidade de repensar a maneira como vemos a escola no Brasil, promovendo um ensino cada vez mais justo e com mais equidade. Para que atinjamos a meta prevista pelo PNE, não basta mantermos o ritmo de expansão atual. É preciso reavaliar os modelos existentes, valorizar os pontos fortes e rever os fracos. Há três décadas, o Brasil começou a universalização do Ensino Fundamental. A expansão na oferta foi rápida, mas sacrificou a qualidade. Esse acontecimento precisa ser o exemplo para a revolução que queremos fazer de agora em diante. Sem Educação de qualidade, não adianta oferecer mais tempo na escola.

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