Por um currículo nacional, sem meias-palavras
Precisamos de um documento claro e detalhado, com os direitos e os objetivos de aprendizagem para toda a Educação Básica
01/08/2012
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Jornalismo
01/08/2012
Dentre os recursos disponibilizados pela escola, pela rede de ensino e pelo Ministério da Educação (MEC), o que realmente orienta seu trabalho em sala de aula? As Diretrizes Curriculares Nacionais? Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)? O currículo da Secretaria de Educação?
É fato que esses materiais existentes são destinados a organizar e orientar a prática dos docentes de todas as etapas e modalidades de ensino, com maior ou menor nível de detalhamento. No entanto, muitos deles não atendem a uma necessidade do cenário atual: deixar claro para os professores não só o que precisa ser ensinado mas também como fazê-lo. Ou seja, não cumprem a função de um currículo nacional.
Fique de olho no que vem por aí: o Plano Nacional de Educação (PNE), ainda em processo de tramitação no Congresso Nacional, prevê a elaboração de mais um documento, que pode se somar a todos os outros que já existem.
As estratégias 2.7 e 3.10 do PNE tratam da definição de "direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos", e a 7.20 propõe o "estabelecimento de diretrizes pedagógicas e parâmetros curriculares comuns" que contenham as tais aprendizagens. A que todos esses termos dizem respeito especificamente? O que se entende por direitos e objetivos? Como essas nomenclaturas podem ser traduzidas na prática?
Não há um consenso sobre nada disso. Sem uma definição clara, não é preciso ter bola de cristal para saber que há o risco de surgir uma papelada generalista, que o educador não consegue usar em sala, ficando à deriva.
Se bem elaborado, esse documento fará as vezes de um currículo nacional: esclarece quais são as capacidades e os conteúdos mínimos que as crianças e os jovens precisam aprender, como ensiná-los, as condições necessárias para isso e também quando e como avaliar a aprendizagem (leia no quadro abaixo os itens que compõem o currículo nacional ideal).
Conteúdos de um currículo nacional ideal
- O que o professor deve ensinar.
- O que se espera que todos os alunos saibam ao final do período escolar e como fazer para que isso aconteça ao longo dos anos.
- Como os conteúdos devem ser organizados no espaço (disciplinas) e no tempo (anos de ensino) para que as aprendizagens esperadas sejam alcançadas pelos estudantes.
- As estratégias das quais o educador deve lançar mão para que a turma aprenda o que é esperado e as condições necessárias para tal.
- Orientações didáticas com exemplos de atividades para a sala de aula.
- Como avaliar os estudantes.
Material para nortear a prática e proporcionar a equidade
Não é de hoje o debate sobre a elaboração de um currículo nacional.
Se por um lado quem é contrário à ideia alerta para o perigo de acabar com a autonomia das redes e deixar de fora a diversidade local, os que são a favor têm mais argumentos. O primeiro é a urgência de termos algo para garantir a equidade no sistema educacional brasileiro. Também fazem parte da lista: o impulso consistente para a formação inicial e continuada de professores (já que um documento dessa natureza define o que um educador precisa dominar para poder ensinar de verdade), o direcionamento para a elaboração de materiais didáticos variados e para a criação de uma avaliação nacional mais ampla e afinada - a atual Prova Brasil contempla somente as habilidades de leitura em Língua Portuguesa e resolução de problemas em Matemática.
A discussão segue em um impasse político e hoje a orientação é que municípios e estados elaborem ou atualizem o próprio currículo com base nas genéricas Diretrizes Curriculares Nacionais.
Deixar a tarefa nas mãos das redes é fechar os olhos para problemas, como a existência de Secretarias de Educação que não têm nenhuma condição de desenvolver um documento de qualidade, pois não possuem pessoal suficiente nem gabaritado para realizar o trabalho. Nesse caso, a intenção de garantir a autonomia local e um processo democrático e participativo corrobora, na verdade, para a manutenção da desigualdade.
Enquanto as redes com mais recursos têm condições de criar um bom material para orientar os docentes, as menores e com pouca verba os deixam sem orientações. Alguns professores bem que tentam contornar o problema: se apoiam unicamente nos livros didáticos e em apostilas, que muitas vezes não atendem às características da realidade local. Outros usam a Prova Brasil para definir os conteúdos a serem ensinados. Mas, desse modo, a avaliação assume um papel prescritivo, em vez de diagnóstico - o que é uma inversão de papéis.
Em geral, todas essas tentativas acabam resultando em um documento raso, insuficiente e que não aborda a prática do dia a dia em sala de aula. Sem contar que a tão defendida liberdade para abordar a diversidade local mal chega a ser levada em conta.
Área de alfabetização pode servir de exemplo
O PNE já foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara e ainda precisa passar pelo Senado e ser sancionado pela presidente, Dilma Rousseff. Só depois disso é que as diretrizes pedagógicas e os parâmetros curriculares nacionais comuns - com direitos e objetivos de aprendizagem - previstos no texto vão começar a ser discutidos e vão ganhar algum contorno.
Nesse meio tempo, vale ficar de olho em uma iniciativa que está sendo elaborada pelo MEC e parece esboçar um currículo - embora não tenha ganhado essa terminologia. Quem sabe essa iniciativa não tenha aspectos inspiradores?
Trata-se do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, voltado ao 1º, ao 2º e ao 3º ano do Ensino Fundamental, que inclui material para professores e coordenadores pedagógicos com orientações didáticas, conteúdos e direitos e objetivos de aprendizagens. A ideia também pressupõe a implementação de um programa de formação docente e de uma avaliação nacional a ser aplicada no final do ciclo. A adesão não é obrigatória, faz parte de um pacto a ser assinado por estados e municípios, previsto para entrar em vigor no início de 2013. A ideia visa o cumprimento da meta 5 do novo PNE, que estabelece que todas as crianças devam estar alfabetizadas até, no máximo, os 8 anos de idade.
A reunião de ingredientes do programa de alfabetização parece ser interessante e seguir um encadeamento harmônico. Mas, em se tratando de uma cruzada por um currículo nacional, é importante ter em mente que, obrigatório ou não, ele precisa contemplar toda a Educação Básica, ser reconhecido e utilizado como um farol norteador. Caso contrário, continuaremos perdidos em mar aberto. E sem colete salva-vidas.
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