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Jornalismo

O caminho para a qualidade

Sistemas de alto desempenho revelam seus segredos para avançar na Educação: selecionar os melhores professores, cuidar de sua formação, não deixar nenhum aluno para trás e preparar grandes gestores

PorRodrigo Ratier

11/09/2008

No Brasil, a divulgação dos resultados de testes internacionais de aprendizagem costuma provocar emoções contraditórias. A primeira é a tristeza. Afinal, quase invariavelmente ocupamos as últimas posições do ranking. No Pisa (sigla em inglês para o Programa Internacional de Avaliação Comparada, aplicado em 57 países), por exemplo, é gritante a diferença entre as notas de nossos estudantes em relação à média da OCDE, o grupo que reúne as 30 nações mais desenvolvidas do mundo (leia o gráfico abaixo).

Últimos da Classe
 
Os testes internacionais atestam o mau desempenho dos alunos brasileiros em todas as disciplinas avaliadas

* PISA: Programa Internacional de Avaliação Comparada. ** OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Fonte: Education at a Glance 2007. Dados de 2006. Ilustrações: Diego Loza
* PISA: Programa Internacional de Avaliação 
Comparada. ** OCDE: Organização para a Cooperação
 e Desenvolvimento Econômico. Fonte: Education 
at a Glance 2007. Dados de 2006.

Passado o choque, é possível analisar com outro olhar esses mesmos números. Os nossos, vergonhosos, nos dizem onde estamos. Os dos campeões, muito superiores, nos indicam aonde ir. É aí que a tristeza dá lugar à esperança de que avançar é possível. Para isso, é preciso entender como os líderes dos rankings chegaram ao topo da Educação.

Um recente estudo da consultoria americana McKinsey, chamado Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo, revela ótimas pistas nessa direção. Coordenado pela egípcia Mona Mourshed (leia entrevista exclusiva com ela), o relatório sintetiza mais de 200 entrevistas e visitas a 120 escolas de 20 países. O objetivo era identificar as razões do sucesso dos países mais bem posicionados no Pisa e os que subiram rápido no ranking.

As descobertas foram resumidas em quatro "lições", apresentadas a seguir e exploradas em profundidade, com explicações detalhadas e depoimentos de brasileiros e estrangeiros. Segundo Mona Mourshed, as lições funcionam independentemente do contexto cultural do país - por isso, é possível reproduzi-las e obter bons resultados. No total, foram 25 os sistemas estudados. Examinar as medidas propostas e entender como elas podem ser aplicadas no Brasil são as tarefas a que se propõe esta edição especial de NOVA ESCOLA - pensada, confeccionada e distribuída exclusivamente para Secretários Municipais e Estaduais de Educação. Nossa intenção é ampliar a ref lexão sobre a qualidade do ensino e, principalmente, encontrar alternativas para o país caminhar rumo ao topo.

As quatro lições da qualidade

1 SELECIONAR SEMPRE OS MELHORES PROFESSORES

O que diz o estudo: "A qualidade de um sistema educacional não pode ser maior que a qualidade de seus professores".

Cada vez mais estudos comprovam que o professor é o principal responsável pelo sucesso da aprendizagem. Seu conhecimento e sua atuação em sala de aula são o fator mais decisivo para o desempenho da turma, ultrapassando em importância o material didático e as metodologias de ensino (confira no gráfico abaixo os resultados de uma pesquisa sobre o tema no estado americano do Tennessee). Não por acaso, escolher bons profissionais é uma das políticas mais disseminadas entre os países de alto desempenho. Na Coréia do Sul, considerado o modelo a seguir, os futuros professores do Ensino Fundamental são recrutados entre os 5% dos alunos com melhor desempenho no Ensino Médio - as notas de corte da carreira são altíssimas. Situação bem diferente da brasileira: por aqui, boa parte do professorado vem dos 20% piores alunos. Nesse grupo, um em cada três estudantes sonha com a docência. Entre os 20% melhores alunos, a carreira atrai um contingente bem menor: só 11% das turmas.

A importância de uma boa aula 

Pesquisa nos EUA indica que a qualidade do professor tem influência direta no desempenho dos estudantes

Dados do estado do Tennessee. Fonte: Cumulative and Residual Effects on Future Student Academic Achievement.

A receita sul-coreana para seduzir os melhores é uma combinação de salário inicial atraente, possibilidade de aprimoramento profissional e chance de trabalhar numa carreira valorizada socialmente - coisas distantes da nossa realidade.

2 CUIDAR DA FORMAÇÃO DOCENTE

O que diz o estudo: "A única forma de melhorar resultados é melhorar a instrução".

Não basta recrutar os melhores. É preciso manter os professores sempre atualizados. A preocupação com a prática docente é comum aos sistemas de ponta, tanto na formação inicial como na continuada. Tutoria, trabalhos em grupo, cursos sobre as didáticas específicas... Existem várias maneiras de criar e disseminar as melhores estratégias de ensino. Em apenas três anos, o Reino Unido conseguiu um aumento de 12% nos índices de alfabetização ao apostar na formação em serviço (veja o gráfico abaixo). Já o Japão coloca professores para apoiar os iniciantes durante dois dias por semana, tudo amparado em lições-modelo.

A reforma que dá retorno 

Em 50 anos, o Reino Unido tentou de tudo para melhorar a alfabetização. A formação em serviço deu resultados em apenas três anos 


Fonte: Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do 
Mundo Chegaram ao Topo.

O desafio brasileiro começa em superar as deficiências da formação inicial. Segundo o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2007, que avalia os cursos de ensino superior, 15% das faculdades de Pedagogia tiraram conceito 1 ou 2. Apenas 2% conseguiram a nota máxima, 5.

3 NÃO DEIXAR NENHUM ALUNO PARA TRÁS

O que diz o estudo: "Alto desempenho significa que todas as crianças devem ser bem-sucedidas".

A Finlândia é o país campeão no ranking de Ciências do Pisa, além de vice em Leitura e Matemática. A receita é simples: como todos os alunos aprendem, a média do país é alta. No Brasil, onde a repetência no Ensino Fundamental beira os 19%, muitos estudantes ficam pelo caminho. E o país despenca na lista internacional.

Vários ritmos, todos aprendendo 

Na Finlândia, existe um professor de reforço para cada sete regulares. Resultado: todos aprendem


Ilustrações: Diego Loza
Fonte: Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho 
do Mundo Chegaram ao Topo.
 

O "milagre" finlandês atende pelo nome de Educação Especial - um reforço no contraturno para os estudantes com mais dificuldades (como mostra o quadro à direita). Num ano qualquer, cerca de 30% dos alunos freqüentam esse tipo de aula. Ainda nesta reportagem, você conhecerá o dia-a-dia das aulas de reforço na Finlândia e poderá conferir as dificuldades para diminuir os índices de reprovação e implantar um esquema semelhante aqui, no Brasil.

4 PREPARAR GRANDES GESTORES

O que diz o estudo: "Toda escola precisa de um grande dirigente".

A função do gestor é das mais importantes: administrar o conjunto de recursos da escola de forma a criar um ambiente de aprendizagem. Enquanto no Brasil a regra é aprender a fazer isso "na raça", com base na tentativa e erro do dia-a-dia, sistemas de alto desempenho perceberam que bons gestores conjugam características pessoais - como a liderança - e competências técnicas. Para desenvolvê-las, nações como Cingapura adotam políticas de atração de bons profissionais e fazem uma triagem rigorosa. Os candidatos passam por uma formação de seis meses, com direito até a estágio no exterior.


Toda força à gestão


Fonte: Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo.

Como adaptar os exemplos ao Brasil 

Tão importante quanto conhecer essas histórias é examinar nossa própria trajetória. Por isso, é hora de perguntar: quais características aproximam - ou afastam - o Brasil dos melhores países avaliados? O relatório da McKinsey é claro: os sistemas estudados já possuem as condições fundamentais para a qualidade, como parâmetros rigorosos de aprendizagem e um nível mínimo de investimento. Não é o caso do Brasil. No que diz respeito às expectativas de aprendizagem, nem sequer cumprimos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que determina a criação de uma base nacional comum para o currículo a ser contextualizada nos planos regional, estadual e local. "Apesar de 85% dos municípios e 76% dos estados afirmarem possuir orientações curriculares próprias, a verdade é que quase ninguém as conhece. É essencial tornar públicos os objetivos e as metas para que a qualidade da rede possa ser avaliada e cobrada", explica Maria de Salete Silva, consultora de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

O problema persiste quando o assunto é investimento. "Em todos os aspectos, os gastos são insuficientes em comparação com os sistemas de ponta", afirma José Marcelino Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e especialista em financiamento da Educação (os gráficos à direita expõem essa diferença). Enquanto investimos uma fatia de 3,2% do PIB na Educação Básica (os recursos novos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica devem agregar, no máximo, 0,2% a esse total), países desenvolvidos ficam na casa dos 4%. Com um agravante: essas nações gastam apenas na manutenção dos sistemas, enquanto no Brasil ainda é preciso ampliar a oferta para atender as 660 mil crianças de 7 a 14 anos que estão fora da escola. Sem contar a necessidade de recuperação de infra-estrutura (apenas metade das escolas públicas de Ensino Fundamental possui biblioteca, só 25% têm internet, e 15%, laboratório de Ciências) e de s alários, especialmente o inicial. Segundo o relatório McKinsey, em países em que a Educação é prioridade, um dos fatores que atraem bons docentes são os rendimentos compatíveis com os de outras profissões de formação semelhante, o que não ocorre aqui.

Os recursos que fazem a diferença 

Sob qualquer critério, estamos longe do nível de gasto em Educação dos países mais desenvolvidos


* No Ensino Fundamental. Fonte: Education at a Glance 2007. Dados de 2004. Obs: o dólar PPP (poder de paridade de compra) é um fator de conversão que considera o poder de compra da moeda no país e não o câmbio. ** OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Quanto investir para obter qualidade? Há várias respostas. Para sair de uma situação não muito diferente da nossa, a Coréia do Sul dedicou durante uma década 10% do PIB à Educação. Na realidade brasileira, o porcentual adequado e o número de anos dedicados a esse esforço permanece objeto de debates. Mas a trajetória das nações que apresentaram uma rápida evolução mostra que, para possibilitar o salto de qualidade, é necessário eleger o sistema educacional como prioridade (inclusive do ponto de vista financeiro) pelo menos por um período de tempo. O mesmo raciocínio vale se o cálculo considerar a perspectiva do gasto por aluno. Hoje, o investimento é de cerca de 1,6 mil reais por estudante do Ensino Fundamental. São 133 reais por mês, bem menos do que qualquer mensalidade de escola particular. Com esse valor, não dá para sonhar com um ensino de qualidade.

Os passos de uma longa caminhada 

O mais provável é que estados e municípios não tenham todo o dinheiro necessário para promover essa revolução. Assim, é essencial saber onde investir. Professores precisam de formação em serviço? Gestores sentem falta de noções de Administração? Diagnosticar essas necessidades é papel do secretário de Educação. "Reunindo a equipe técnica, é possível fazer rapidamente esse diagnóstico e conceber as medidas a serem tomadas", diz Salete.

Se o problema parece grande demais, uma perspectiva é somar forças com outros municípios e estados. "É uma solução eficiente sobretudo para localidades menores, que, isoladas, não têm verba nem capacidade técnica para implantar projetos ambiciosos", afirma Juca Gil, professor da USP e especialista em política e organização da Educação Básica. Outras etapas igualmente importantes são compartilhar a definição de diretrizes com a rede e elaborar um planejamento - de preferência, por um intervalo que ultrapasse o mandato vigente para blindar as ações contra a falta de continuidade das gestões públicas.

Por fim, não há como pensar em qualidade sem conceber um sistema de avaliação. "Um modelo adequado inclui tanto a auto-avaliação como a avaliação externa, em que a participação de pais e estudantes é essencial", opina José Marcelino. Se a distância ao topo da Educação é grande, um bom estímulo é saber que existem caminhos. E que uma longa caminhada começa com um primeiro passo.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Custo Aluno-Qualidade Inicial: Rumo à Educação Pública de Qualidade no Brasil,
Denise Carreira e José Marcelino Rezende Pinto, 128 págs., Ed. Global, tel. (11) 3277-7999, 23 reais 

Financiamento da Educação - Novos ou Velhos Desafios?, Nicholas Davies, 168 págs., Ed. Xamã, tel. (11) 5072-4872, 22 reais

INTERNET
Neste endereço é possível baixar a íntegra do relatório da consultoria McKinsey (em inglês)

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