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Jornalismo

Mostre aos alunos os conceitos de direção e dimensão

A turma vai aprender a se orientar no espaço e ainda conhecer o nome correto de figuras planas e tridimensionais

PorThais Gurgel

01/05/2008

NO RUMO CERTO - O trabalho com mapas na escola desenvolve e aprimora conhecimentos espaciais e geométricos. Foto: Rogério Albuquerque Ilustração: Carlo Giovani
NO RUMO CERTO - O trabalho com mapas na escola
desenvolve e aprimora conhecimentos espaciais e
geométricos. Foto: Rogério Albuquerque
Ilustração: Carlo Giovani

Quando ensinados a turmas do 1º ao 5º ano, os conteúdos de geometria recebem o nome de espaço e forma. A definição já esclarece os objetivos perseguidos nas séries iniciais nessa área da Matemática: trabalhar com a localização no espaço e reconhecer propriedades de figuras planas e não-planas. No primeiro item, é esperado que a garotada interprete e construa representações espaciais, localize objetos e comunique posições e deslocamentos. No segundo, o objetivo é reconhecer as diferentes figuras geométricas e usá-las como ferramentas para resolver problemas.

Ambas as abordagens, porém, correm o risco de ser tratadas com certo desdém na sala de aula. Isso porque há a percepção de que esses conhecimentos parecem intuitivos e passíveis de ser incorporados na simples vivência de situações do cotidiano. Embora errônea, a idéia tem razão de ser. Sim, é possível (e faz parte do desenvolvimento cognitivo) aprender a se localizar em uma cidade ou descobrir facilmente as formas corretas para encaixar em determinada superfície. "Mas a escola deve garantir que todas as crianças, e não apenas as que desenvolvem essas habilidades nas interações em outros contextos, saibam indicar um itinerário e seguir orientações de direção e consigam antecipar se um sólido cabe dentro do outro sem ter de experimentá-lo a cada nova situação", diz Elisabete Búrigo, professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A criança e o entorno

Trabalhar com mapas e outras propostas cartográficas é bem mais comum na área de Geografia, embora ofereça ótima oportunidade de desenvolver conhecimentos geométricos. "Para se localizar é preciso operar com formas, dimensões e representações bidimensionais do espaço tridimensional", afirma Héctor Ponce, pesquisador argentino especialista em didática da Matemática (leia mais na entrevista na página 2). Se na Geografia essa ferramenta é usada para chegar a outro conhecimento, na geometria as próprias representações são o foco do ensino.

Desde a Educação Infantil as crianças são capazes de enfrentar situações envolvendo direções e sentidos. Elas reconhecem a vizinhança, sabem indicar trajetos em locais que lhes são familiares e percebem a continuidade ou a fragmentação de espaços abertos ou fechados.

Com propostas de atividades que trabalhem dimensões menores e mais próximas da garotada (como a sala de aula), até chegar às mais amplas (a cidade), pode-se desenvolver a coordenação de diferentes pontos de vista para que todos representem graficamente um espaço determinado e descubram a melhor orientação a seguir para se movimentar dentro dele. "Faz parte do currículo ensinar a montar um itinerário ou se localizar nele, usando para isso o vocabulário correto", explica Elisabete. Assim, a criança não precisará virar um mapa ao contrário para encontrar o caminho certo a percorrer. A seleção de referências para se localizar ou para indicar uma trajetória e a interpretação de indicações são estratégias a ensinar na escola.

Figuras e sólidos
Para as crianças, esfera e círculo são bolas. Mas é preciso conhecer as diferenças

Nos primeiros anos, os estudantes devem explorar uma ampla variedade de figuras e sólidos para conhecer as semelhanças e as diferenças entre as faces, a quantidade de vértices, diagonais e lados que eles têm e também para abordar com mais profundidade as propriedades de quadrados e retângulos, cubos e paralelepípedos, círculos e esferas. A partir do 3º ano é possível começar a planificar e a construir sólidos - atividades nas quais os pequenos exploram e colocam em prática as propriedades que aos poucos vão descobrindo. Selecionar informações para descrever uma forma ou interpretar uma descrição para representá-la são atividades a ser trabalhadas progressivamente entre o 1º e o 5º ano.

A memorização dos nomes corretos é importante, mas está longe de ser o único objetivo no ensino dessa área do conhecimento. Antes - ou concomitantemente - é preciso dar lugar a situações que exijam que as crianças utilizem seus saberes prévios para construir novos saberes. Uma das sugestões é lançar mão de atividades que as levem a identificar uma figura entre várias outras, utilizando para isso apenas a descrição do colega, pois tanto quem descreve quanto quem ouve a instrução deve conhecer bem as características das formas para cumprir o objetivo. Uma proposta como essa rompe com uma tradição do ensino da geometria: "O professor não deve propor que o aluno repita uma série de passos já estabelecidos para resolver um problema, mas favorecer a discussão de procedimentos que permitam chegar à resolução partindo das propriedades que a criança conhece", diz o argentino Héctor Ponce.

Antecipação e dedução

Um dos objetivos principais do trabalho com geometria nas séries iniciais do Ensino Fundamental é a possibilidade de prever transformações. No estudo de figuras e sólidos dá para calcular quantas hastes são necessárias para construir o esqueleto de um icosaedro (20 faces). No desenvolvimento de estratégias de orientação espacial, o desafio é imaginar um deslocamento sem ter de percorrê-lo. "Isso se chama inferir relações que não estão explícitas e que levarão aos resultados independentemente da experimentação, usando apenas dados e propriedades", diz Ponce. A possibilidade de deduzir e antecipar é a essência do pensamento matemático e deve ser desenvolvida fundamentalmente na escola.

Outro aspecto comum aos dois estudos é a importância de adquirir o vocabulário específico. "Cabe ao professor ensinar a criança a diferenciar um círculo de uma esfera para se comunicar em relação a um problema geométrico, embora na linguagem cotidiana ambas sejam nomeadas ‘bolas’", explica Saddo Ag Almouloud, coordenador do curso de pós-graduação em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Sem dominar as propriedades de formas e sólidos (em contextos em que elas possam ser utilizadas) nem compreender as representações bidimensionais como produto das "perspectivas de olhar" não há como chegar aos passos seguintes da geometria, definir e demonstrar teoremas e colocá-los em prática, desenvolvendo a geometria abstrata.

Formação deficitária

É muito comum que a geometria seja deixada para o final do planejamento anual dos professores, que não raro terminam o ano sem tratar do assunto. Segundo Almouloud, a formação deficiente e a conseqüente insegurança em relação à maneira de ensinar fazem com que se adie o máximo possível a apresentação desses conteúdos aos estudantes. E, quando há a chance de trabalhar com eles em sala de aula, geralmente as práticas não são as mais adequadas: "A proposta deve ir além da manipulação de sólidos e da observação de figuras para acabar de vez com a ruptura que existe entre a aprendizagem de representações planas e de sólidos tridimensionais, como se ambos não estivessem presentes simultaneamente na vida da criança."

5 perguntas - Héctor Ponce

Héctor Ponce. Foto: Arquivo pessoal

Héctor Ponce. Foto: Arquivo pessoal

Nas pesquisas que o senhor faz sobre didática da Matemática, na Argentina, como estão relacionados o ensino de localização espacial e a geometria?
É fácil perceber a correspondência entre os conteúdos quando se trabalha com representações espaciais. A planificação do espaço físico usa algumas formas geométricas para antecipar percursos, prever a localização de certos elementos referenciais e perceber as dimensões relativas de determinado lugar. Existem outras possibilidades, mas é justamente na de antecipar conclusões que se podem associar os domínios geométrico e espacial.

De que forma o resultado com o trabalho sobre localização na escola é diferente do que se aprende na vida cotidiana?
Conseguir ir da sala de aula ao pátio não significa que a criança desenvolveu conceitos de orientação espacial. É necessário oferecer a ela uma proposta que a faça refletir sobre um conjunto de relações e, além disso, que a proposta seja sistemática. Se você pedir aos pequenos que façam um mapa da classe, discutam sobre a produção e façam uma segunda representação, verá que nessa última o resultado estará bem diferente e mais completo, pois eles vão levar em consideração os comentários surgidos no debate com os colegas. O conjunto de reflexões elaboradas a partir de um espaço conceitualizado é muito rico.

Localização, formas e sólidos geométricos devem ser trabalhados ao mesmo tempo ou é melhor apresentar um antes do outro?
Não há estudos que estabeleçam que a manipulação de objetos tridimensionais deve preceder o estudo de figuras planas, ainda que essa seja uma prática de ensino bastante comum. No entanto, há uma certa concepção empirista desse processo de aprendizagem, na ilusão de que se aprende vendo e que, além disso, todos vêem da mesma forma, independentemente do que se conhece dos conteúdos.

Que tipos de problemas exigem o uso das propriedades e das características das formas e dos sólidos geométricos?
Existe uma grande variedade de situações que podem ser exploradas. As mais comuns envolvem a identificação de uma figura com base em informações pré-selecionadas e a construção de formas levando em consideração dados estabelecidos.

É fundamental que as crianças adquiram o vocabulário específico da geometria já nos primeiros anos de escolaridade?
Os alunos precisam usar os nomes corretos, mas a aquisição desse saber não deve ser mais importante do que o conhecimento das características e das propriedades dos objetos geométricos com que se quer trabalhar na sala de aula. É comum nas escolas que o vocabulário em si seja o objeto de estudo, e não uma ferramenta a serviço dessa comunicação.

A geometria no tempo

Ilustrações: Carlo Giovani
Ilustrações: Carlo Giovani

No Egito antigo, na época das cheias, as demarcações nos terrenos à margem do rio Nilo se perdiam. Por causa disso, desenvolveu-se lá uma maneira prática de medir os lotes. Ao cobrir um piso retangular ou quadrado com peças de barro, bastava saber quantas delas eram usadas por fileira e fazer algumas contas para chegar ao tamanho da área. Para calcular espaços triangulares, multiplicava-se a metragem da base pela altura, chegando ao retângulo, e dividia-se o resultado ao meio. Então os terrenos foram fragmentados em retângulos e triângulos e as áreas, facilmente determinadas. E assim começou a geometria. 


Tales de Mileto

Tales de Mileto

TALES DE MILETO
(Grécia, século 7 a.C.)

O primeiro personagem de peso foi responsável por um feito hercúleo para a época. Conhecendo o conceito pelo qual, sob um determinado ângulo de iluminação, a altura de um objeto é igual à sua sombra, ele conseguiu calcular a altura das pirâmides. Nessa fase, a geometria ainda era utilizada empiricamente.


Tales de Mileto

Tales de Mileto

PITÁGORAS
(Grécia, século 6 a.C.)

Ele ficou conhecido pelo teorema que leva seu nome: em um triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos (a² = b² + c²). Para demonstrá-lo, basta construir quadrados com cada um dos lados. A soma da área dos quadrados pequenos será igual à área do grande.
 

Euclides

Euclides

EUCLIDES
(Grécia, século 3 a.C.)
Foi o autor de Os Elementos, obra de 13 volumes que registrou quase todo o conhecimento matemático da época. O trabalho demonstra uma série de proposições geométricas, fazendo com que esse campo se constituísse em um sistema lógico. A geometria euclidiana (que lida com pontos, retas e planos) é a base dessa ciência até hoje.


Pitolomeu

Pitolomeu

PTOLOMEU
(Egito, século 3)

Provou que a Geografia e a geometria estão relacionadas: se uma propõe maneiras de descrever o mundo, a outra indica como representá-lo. Partindo da hipótese de que nosso planeta era um globo, Ptolomeu propôs dimensioná-lo usando as propriedades da esfera. Na época, acreditava-se que o Sol girava em torno da Terra, mas as descobertas posteriores não fizeram diferença em sua proposta: dividindo os 360º da circunferência traçada pelo Sol em volta do planeta pelo tempo do percurso (24 horas), ele conclui que a estrela se desloca 60 milhas por grau. O estudo criou os conceitos de latitude e longitude e revolucionou a maneira de fazer mapas, eliminando a necessidade de novo desenho a cada descoberta de terras.

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CONTATOS

Elisabete Búrigo

Héctor Ponce

Saddo Ag Almouloud

BIBLIOGRAFIA

Didática da Matemática
, Cecilia Parra e Irma Saiz (orgs.), 258 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 38 reais

Ensinar Matemática na Educação Infantil e nas Séries Iniciais - Análise e Propostas, Mabel Panizza e outros, 188 págs., Ed. Artmed, 40 reais 

Tudo sobre Matemática do 1º ao 5º ano

 

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