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Usando dados reais da produção agropecuária local, Educadora Nota 10 ensina porcentagens, médias e frações a classes de 5ª a 8ª série
08/06/2008
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Jornalismo
08/06/2008
A tradição de o ensino de Matemática ser excessivamente preocupado com a memorização de regras, a formalização de terminologias e a mecanização de algoritmos sempre incomodou a professora Vânia Horner de Almeida. Sem ligação com a realidade, a profusão de números e símbolos parecia um enigma quase impossível de ser decifrado que afastava a moçada do mundo do cálculo e das medidas. Não raro alguém perguntava: para que serve tudo isso?
No interior de Mato Grosso, numa comunidade rural de Vila Rica, a 1 200 quilômetros de Cuiabá, ela resolveu romper com essa maneira pouco eficaz de tratar a disciplina (conheça mais sobre a professora abaixo). Em vez de recorrer à teorização precoce, Vânia mostrou a Matemática como um instrumento para compreender o mundo. Em quatro turmas de 5ª a 8ª série da EMEF Procópio Faria, ela desenvolveu um projeto didático relacionando conteúdos matemáticos à produção de leite e derivados, principal fonte de renda da região. Para os alunos de 5ª e 6ª séries, os problemas ajudaram a introduzir operações básicas, noções de estatística e representações gráficas. Nas classes de 7ª e 8ª, problemas mais complexos serviram para retomar esses conteúdos - já ensinados, mas que não estavam devidamente aprendidos.
Dialogar com a vivência concreta da turma foi o maior trunfo do trabalho de Vânia, um dos vencedores do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 de 2007. "É papel do professor trazer para a sala o que chamamos de Matemática Realista, que tenha significado e proximidade com os alunos", diz Antonio José Lopes Bigode, do Centro de Educação de Matemática, em São Paulo, e um dos selecionadores de 2007 (conheça mais detalhes sobre a opinião do especialista no quadro abaixo). No caso de Vânia, o tema escolhido para ensinar os conteúdos foi, literalmente, de casa. "A pecuária não é estranha para meus alunos, já que a maioria deles tem pais que são criadores de gado leiteiro ou que trabalham no ramo", conta ela. Como essa não é a situação da maioria das cidades brasileiras, professores que desejem desenvolver seu projeto em sala precisam adaptar o assunto a ser tratado ao contexto de sua comunidade (conheça uma proposta inspirada no trabalho de Vânia com um tema mais genérico, a reciclagem).
Doce surpresa
Ao apresentar o plano de ação às turmas, a professora pediu sugestões sobre que aspectos da pecuária leiteira poderiam ser investigados por meio da Matemática. Surgiram idéias como medir o gasto anual com os animais e a receita obtida com a venda dos produtos. "Isso envolveu os alunos, fazendo-os sentir-se co-responsáveis pelo trabalho", conta. Para ampliar o entendimento da moçada, textos referentes a avaliação do rebanho, alimentação, manejo de pastagem e importância econômica da atividade foram objeto de estudo e discussões. "Depois, para saber se eles haviam entendido, pedi que produzissem textos sobre o assunto", explica Vânia.
Com o assunto contextualizado, era hora de os alunos pesquisarem em suas próprias propriedades. Durante um mês, eles construíram um verdadeiro dossiê sobre os rebanhos, anotando numa ficha quanto leite cada vaca produzia por dia e descrevendo detalhes do animal: idade, nome, quantos filhotes teve, raça e calendário de vacinação. Ao fim desse período, a professora os ensinou a construir gráficos e a encontrar a média aritmética e a moda (valor que mais aparece numa seqüência numérica) da produção.
Como cada jovem trabalhava com números diferentes, foi preciso acompanhar a interpretação dos números bem de perto, auxiliando individualmente na resolução de dúvidas e problemas. Já se podia investigar quais eram as despesas e o lucro das propriedades - oportunidade para Vânia trabalhar a tabulação de dados, a representação gráfica das grandezas por meio de barras e setores e a porcentagem para calcular a participação de cada item. "Com esse exercício até eu aprendi. Descobrimos que o doce de leite dá muito mais lucro", conta Vânia. As conclusões vieram com a apresentação de um grande mural com todas as etapas do projeto. Na produção e nas falas dos alunos, a medida da mudança com o projeto. "Eu não entendia nada e não gostava de Matemática. Com essas atividades, aprendi bem mais que fazer contas, mas a pensar em como resolver problemas", conta Queide Mara Prunzel, aluna da 7ª série.
Palavra do especialista
"Além de trabalhar conceitos e teorias da Matemática na prática, outro ponto forte do projeto de Vânia foi a clareza de objetivos para cada turma. Apesar de os conteúdos serem os mesmos, as intenções pedagógicas e as formas de trabalho eram bem distintas para 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries", afirma Antonio José Lopes Bigode, selecionador do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 de 2007. Para Bigode, Vânia transformou a visão dos alunos a respeito da disciplina, revelando seu valor utilitário e social. Por explorar um contexto comum a toda a comunidade e organizar o currículo partindo dessa situação, ela conseguiu abordar de maneira clara e coerente questões complexas aplicáveis em áreas como economia e administração. "E fez tudo isso sem isolar os tópicos, mas integrando-os ao ensino do pensar matemático", completa o especialista.
Quer saber mais?
CONTATOS
Antonio José Lopes Bigode, bigode@q10.com.br
EMEF Procópio Faria, Agrovila Caxangá, 79645-000, Vila Rica, MT, tel. (66) 3554-1309
INTERNET
Em www.cnpgl.embrapa.br, mais informações sobre a produção de gado leiteiro no Brasil
Em www.saude.gov.br,é possível encontrar recomendações do Ministério da Saúde sobre a ingestão diária mínima de leite
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