Cálculo pensado
Explorar e compartilhar estratégias de resolução e eleger a mais adequada é uma maneira eficiente de refletir sobre o trabalho com os números
01/04/2009
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Jornalismo
01/04/2009
No início, os alunos estranharam um pouco. Buscavam na memória, em silêncio, os resultados que as operações registradas no quadro-negro pediam. Perceberam que teriam de desenvolver uma maneira particular de calcular. E começaram a fazer isso com a sequência didática organizada por Ademir - que lhe rendeu o troféu de Educador Nota 10 no Prêmio Victor Civita de 2008 (leia quadro abaixo na página 5). "A maior qualidade do trabalho dele foi acompanhar os estudantes individualmente", diz Priscila.
Cálculo mental, de memória e algoritmo: eixos diferentes
Isso significa que a palavra "mental" não sugere que a conta seja feita "de cabeça": indica a necessidade de elaboração. E, diferentemente do que muitos imaginam, o cálculo mental e o de memória também não são a mesma coisa, embora o primeiro se apoie muitas vezes no segundo para ser realizado. O que sabemos de cor e acessamos rapidamente - como o dobro, a soma de dois números com um único algarismo e os múltiplos de 5 e 10 - é, na verdade, uma condição usada para desenvolver qualquer procedimento, seja ele mental ou de conta armada. Um exemplo concreto: para resolver mentalmente 13 x 25, saber de memória que o dobro de 25 é 50 auxilia na resolução de parte da questão. Vejamos: primeiro, pode-se aplicar a propriedade distributiva (10 x 25 + 3 x 25). Nesse caso, a conta memorizada entra em ação para resolver o segundo cálculo (3 x 25 = 50 + 25), que deve ser somado ao primeiro (10 x 25 = 250) para obter o resultado final (250 + 75 = 325).
Como o repertório memorizado pode ser ampliado com a prática do cálculo mental, é importante apresentar, pouco a pouco, um conjunto de cálculos com números redondos. Algumas atividades favorecem essa elaboração:
Uma tabela, em que na primeira linha de cada coluna estejam diretrizes (somas que resultam 10, 100 e 1.000) e, nos espaços vazios, cálculos como 6 + 4, 30 + 70 e 500 + 500, respectivamente.
Um quadro para registrar cálculos que resultam contas com resultados redondos (como 452 - 52 = 400) ou números pequenos (como 8 - 3 = 5).
As contas a serem exploradas precisam ser escolhidas com critério. Elas devem envolver números favoráveis para que as operações provoquem o desenvolvimento de estratégias que, por sua vez, alavanquem discussões sobre propriedades matemáticas. É vital sempre ter isso em mente, afinal, a atividade não pode ter como objetivo somente a obtenção dos resultados certos. "A riqueza está no caminho percorrido pelos estudantes e nos equívocos cometidos. É isso o que tem de ser explorado", ressalta Priscila.
Outro momento essencial é socializar a aprendizagem. "Explique aos colegas como você fez esse cálculo." Com esse pedido simples e eficiente, Ademir dava início a essa etapa. Foi nela que um menino revelou ter entendido "finalmente", segundo as palavras dele mesmo, a regra de "emprestar 1" da subtração. "Para resolver 56 - 49, eu separei 50 e 6, 40 e 9. Daí, percebi que não dá para tirar 9 de 6. Então, peguei emprestado 10 do 50 e somei com 6. Então, ficou 16 - 9, que é igual a 7. E depois, com o 50 que virou 40, fiz 40 - 40, que deu zero."
Ademir destacou-se, ainda, pelo acompanhamento dos registros feitos pelos alunos. Depois de executar os cálculos mentalmente, todos escreviam as estratégias que tinham aplicado. Nos fins de semana, o educador analisava os portfólios de todos, avaliando e comentando os caminhos percorridos. Nesse processo, um cuidado é garantir que seus comentários forneçam pistas para ajudar o estudante a avançar a partir do ponto em que parou, analisando cada etapa do raciocínio apresentado. Suponhamos, por exemplo, que um aluno resolva a conta 23 x 14 aplicando apenas parcialmente a propriedade distributiva (4 x 3 + 4 x 20 = 92), esquecendo-se de multiplicar 23 por 10. "Nesse caso, em vez de simplesmente pedir para o aluno refazer a tarefa, é mais produtivo indicar onde pode estar o erro. Alguns comentários possíveis são ‘confira se o uso da propriedade distributiva está correto’ ou ainda ‘se você sabe que 20 x 10 = 200, reflita se é possível que 23 x 14 tenha uma resultado menor do que isso’", sugere Priscila.
Ao vivenciar todas as etapas percorridas nas sessões semanais - a resolução individual, as trocas em dupla e em grupos maiores, os registros e as intervenções do educador, a turma ganha autonomia para construir regras e analisar os algoritmos. As regras de multiplicação e divisibilidade, por exemplo, terão razão de ser porque serão descobertas e comprovadas durante a resolução de contas. Como mostra o trabalho de Ademir, conquistar conhecimentos desse tipo não é pouca coisa: com essa aquisição, a sistematização da Matemática passa a fazer sentido para os alunos.
Traçar percursos para aprender
Foi o desejo de ser professor de Matemática que levou Ademir Pereira Junior e sua família para Maringá. Natural de Ivaiporã, a 384 quilômetros da capital do Paraná, em 1998 ele resolveu se mudar para a cidade planejada a fim de estudar na Universidade Estadual de Maringá. Logo no primeiro ano, começou a lecionar como estagiário de uma escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). "Foi nessa época que tive certeza de que queria seguir a carreira". Hoje, aos 32 anos, é especialista em Educação Matemática e leciona no Colégio Estadual Adaile Maria Leite.
Objetivos O projeto vencedor do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 começou a ser desenvolvido no início do ano letivo, quando Ademir diagnosticou dificuldades para resolver cálculos numa de suas turmas de 6ª série. "Percebi a deficiência quando propus algumas sessões de cálculo mental e as crianças não sabiam resolver as contas sem os algoritmos. Elas tinham de aprender a desenvolver estratégias próprias", diz. Com o passar do tempo, a turma passou a socializar as ideias que desenvolviam, ajudando os colegas. "Meu propósito era que todos compreendessem o porquê dos resultados obtidos na calculadora e gerados pelos algoritmos e passassem a valorizar uma habilidade que é fundamental para a vida, usada no dia a dia", afirma o professor.
Passo a passo Depois de propor algumas contas, Ademir deixava os alunos trabalharem e registrava algumas resoluções criadas por eles no quadro. Depois, organizava a socialização, com a troca de ideias e discussões sobre as estratégias, para permitir que todos aprendessem e descobrissem novas maneiras de pensar. Assim, também era aberto o espaço para a reflexão de propriedades matemáticas.
Avaliação Segundo Daniela Padovan, coordenadora pedagógica da prefeitura de São Paulo e selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, os registros individuais que os alunos tinham de fazer depois de resolver os cálculos colaboraram para a compreensão de conceitos e, reunidos em portfólio, funcionaram como um instrumento avaliativo para o educador.
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CONTATOS
Ademir Pereira Junior
Colégio Estadual Adaile Maria Leite, R. Armando Crippa, 735, 87047-140, Maringá, PR, tel. (44) 3228-5633
Daniela Padovan
Priscila Monteiro
BIBLIOGRAFIA
Didática da Matemática - Reflexões Psicopedagógicas, Cecília Parra e Irma Saiz (orgs.), 258 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 48 reais
Na Vida Dez, na Escola Zero, Terezinha Carraher, David Carraher e Analúcia Schliemann, 184 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616, 27 reais
INTERNET
Apostilas sobre cálculo mental com números naturais e racionais (em espanhol)
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