Solução na medida
Desafios reais com unidades de comprimento, massa, capacidade e tempo colaboram para explicar equivalências e relações entre grandezas
01/05/2009
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Jornalismo
01/05/2009
Suponhamos que você, professor de Matemática, chegou ao ponto do currículo em que precisa ensinar quantos mililitros cabem em 1 litro. Qual estratégia é a mais eficaz: anotar no quadro a equivalência "1 l = 1.000 ml" e pedir que os alunos a memorizem? Ou levá-los a perceber qual é a relação entre as unidades por meio de uma atividade que envolva, digamos, copos de 250 militros e uma jarra de 1 litro? Nunca é demais lembrar que a melhor alternativa é aquela em que o aluno tem a oportunidade de testar hipóteses para construir o conhecimento. Só mostrar as regras sem considerar o raciocínio que levou à sua construção não ajuda a aplicar o que foi aprendido em outras situações.
Foi pensando na necessidade de mostrar como o conhecimento pode ser generalizado que a professora Elaine Terezinha Mattioli Coviello, da EE Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, em Pirangi, a 390 quilômetros de São Paulo, desenvolveu uma sequência didática sobre grandezas e medidas para alunos de 3ª série (leia o quadro abaixo). Baseando-se em problemas concretos, relacionados ao consumo de água, ela envolveu a turma em atividades que exigiam a comparação das unidades de medidas mais usuais - comprimento (metros, centímetros e quilômetros), massa (gramas e quilogramas) e capacidade (mililitros e litros) - e a análise de diversos procedimentos de cálculo - área, perímetro e vazão.
O projeto, que mobilizou a classe e rendeu avanços no aprendizado do conteúdo, foi um dos vencedores do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. "O trabalho indica que é interessante abordar um problema específico e depois propor outros usos para ampliar a abrangência do que foi aprendido", explica Priscila Monteiro, coordenadora da formação em Matemática da prefeitura de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, e formadora do projeto Matemática É D+, da Fundação Victor Civita. "Nesse sentido, ele pode ser replicado em outras salas de aula por todo o Brasil."
Um projeto que não fez água
Elaine Terezinha Mattioli Coviello nasceu em Vista Alegre do Alto, a 385 quilômetros de São Paulo. Casada e mãe de um filho, é docente há 20 anos. Formada em Pedagogia, atua como professora polivalente na EE Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, mas aprofundou-se em matemática depois de cursar uma especialização na área. "Os conhecimentos que aprendi no curso e apliquei em minha prática certamente me ajudaram a conceber o projeto premiado", afirma.
Objetivo
A meta principal era fazer com que as crianças, em vez de apenas montar algoritmos e aplicar fórmulas sem compreender a questão, resolvessem problemas de grandezas e medidas entendendo o porquê dos cálculos. Um desafio impulsionou a investigação da turma de 3ª série: "Quanta água gastamos para lavar o pátio da escola?"
Passo-a-passo
Na primeira etapa, Elaine propôs que as crianças comparassem a quantidade de água presente em diversos recipientes, com e sem graduação de mililitros, e percebessem as relações de equivalência existentes entre eles. Na fase seguinte, incentivou que a turma usasse o mesmo processo para entender outras unidades de medida, como as de tempo e as de comprimento. O terceiro passo já envolvia cálculos que juntavam duas grandezas diferentes. Com relógio, baldes, mangueiras e canecas graduadas, os estudantes anotaram quanta água era despejada durante um minuto. Também aprenderam que, para encontrar a quantidade de litros acumulados em 3 minutos, precisariam multiplicar o valor encontrado por 3. Por fim, aplicaram os conhecimentos para avaliar a forma mais econômica de lavar o pátio. Enquanto um grupo media a quantidade de água usada com uma mangueira para lavar uma área de 4 metros quadrados, outro usava a mesma estratégia para aferir o gasto de água em baldes em uma área semelhante. No fim, todos perceberam que gastam mais com a mangueira, o que significa desperdício, e puderam mudar o comportamento no uso da água na escola e em casa.
Avaliação
Elaine acompanhou o desempenho de cada aluno tendo em mãos vários registros, o que permitiu a mudança de rumos nas propostas e a retomada de temas pouco compreendidos. Ao fim de cada etapa, as crianças produziram textos que formaram portfólios, cartazes que resumiram o aprendido, e gráficos construídos no computador para organizar os novos conhecimentos.
Copos, calendários e metros para apresentar as medidas
Para a turma entender que é possível usar uma situação particular de estudo para generalizar e extrapolar o mesmo raciocínio para outros casos, a intervenção do professor é essencial (leia a sequência didática). No bloco de conteúdo de grandezas e medidas, para introduzir o conceito de equivalência, por exemplo, uma opção é pedir que os estudantes levem diversos tipos de recipiente: copos de lanchonete, potinhos de supermercado, vasilhames com graduação de mililitros, baldes grandes e garrafas de refrigerante. Medir quantas garrafas cabem em um balde já permite a primeira aproximação com a ideia de comparação de capacidades. A familiaridade aumenta se a garrafa tiver, por exemplo, um rótulo que indique o conteúdo que suporta: a garotada descobre que é preciso examinar bem os recipientes para encontrar informações que possibilitem a comparação numérica.
O mesmo processo vale para apresentar as unidades de tempo: trabalhar o uso do calendário e ensinar a ver horas são maneiras de entender as equivalências entre minutos, horas e segundos. Entre as atividades possíveis estão, por exemplo, localizar datas importantes dentro de um mês específico e calcular quanto tempo falta para chegar lá.
Já para pensar nas medidas de comprimento, o professor contrapõe formas de estimar as distâncias até a escola. Enquanto um aluno pode ter a noção de que percorre 1 quilômetro, outro diz que são dez quadras, enquanto um terceiro dá a resposta em metros. Essa pode ser uma excelente ocasião para explicar a diferença entre medidas convencionais (nesse caso, metros ou quilômetros) e não convencionais (quadras).
Mais que apenas fórmulas, a generalização exige desafios
A partir desse ponto, você já pode estimular o desenvolvimento de outra competência bastante importante: identificar qual medida utilizar para estimar uma grandeza. Será quilograma? Metro? Litro? Minutos? Mostre que a resposta depende do que se deseja medir - massa, comprimento (ou cálculos como área e distância), volume ou tempo. Para cada uma dessas características, existe um instrumento adequado. É essencial deixar isso claro porque nem sempre é evidente para as crianças dessa faixa etária a maneira de usar cada instrumento de medida. Por outras palavras, não se trata apenas de saber que a quantidade de líquido se mede em litros, mas também que medir a capacidade de uma caixa- d?água, por exemplo, com baldes e não com xícaras, vai deixar o cálculo menos trabalhoso, embora menos preciso.
Finalmente, chega a hora de generalizar a explicação, trazendo para um contexto mais amplo os exemplos particulares. Nesse ponto, é importante, sim, mostrar as relações de equivalência (coisas como 1 l = 1.000 ml, para voltar ao exemplo do início do texto) e os algoritmos que colocam as unidades em relação, caso das regras para o cálculo de área, perímetro, volume e vazão. Mas o que se espera, pelo próprio caminho de pesquisa propiciado pela sequência didática, é que esse conhecimento faça sentido e não seja apenas mais uma frase para decorar. A tarefa, agora, é abastecer a turma com novas situações problema para aplicar as fórmulas, mostrando sua vantagem principal: facilitar o cálculo, levando ao resultado correto independentemente dos números envolvidos e da questão proposta.
Como último lembrete, vale dizer que, nesse percurso do particular ao geral, é preciso ficar atento para não cair na armadilha de que tudo que se ensina precisa ser aplicável no cotidiano. A verdade é que o conhecimento matemático não pode ser reduzido meramente a fins instrumentais - conteúdos como números primos e equações de 2º grau têm, em tese, pouca relação com a realidade concreta. Nem por isso devem ser abandonados: ao contrário, são essenciais ao desenvolvimento do pensamento matemático e lógico. Mas o caminho para trabalhar tanto as questões ligadas ao dia-a-dia como as abstratas é o mesmo: desafiar o aluno com situações problema, deixando-o pensar e encaminhando seu raciocínio de modo que ele possa encontrar a melhor solução.
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CONTATOS
EE Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, R. Prudente de Moraes, 993, 15820-000, Pirangi, SP, tel. (17) 3386-3332
Elaine Terezinha Mattioli Coviello
BIBLIOGRAFIA
Introdução ao Estudo das Situações Didáticas - Conteúdos e Métodos de Ensino, Guy Brousseau, 128 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152, 32,90 reais
INTERNET
Sequências didáticas sobre grandezas e medidas (em espanhol)
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