Os educadores, as TIC e a nova ecologia da aprendizagem
PorCésar Coll
01/05/2014
Este conteúdo é gratuito, entre na sua conta para ter acesso completo! Cadastre-se ou faça login
Compartilhe:
Jornalismo
PorCésar Coll
01/05/2014
César Coll Doutor em Psicologia, coordenador do Grupo de Investigação de Interação e Influência Educativa (Grintie) da Universidade de Barcelona, na Espanha
Em um artigo publicado em 2000, Larry Cuban, professor emérito da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, descreveu os resultados dos esforços realizados por aquele país para incorporar as tecnologias da informação e comunicação (TIC) à Educação: "Os fatos são claros. Duas décadas após a introdução do computador pessoal no país, com mais e mais escolas se conectando à rede e bilhões de dólares gastos, menos de dois em cada dez professores são usuários frequentes do computador em sala de aula (várias vezes por semana). Três ou quatro são eventuais (uma vez por mês). De quatro a cinco em dez nunca utilizam o equipamento como recurso. Quanto ao modo de utilização, essas poderosas tecnologias acabam sendo empregadas mais no processamento de textos e em atividades banais, e não transformam as práticas de ensino. Tantos computadores, dinheiro e promessas e, ainda assim, os resultados são pífios" (CUBAN, 2000).
Desde então, os investimentos feitos para intensificar o uso das TIC nas escolas continuaram a crescer (em maior ou menor medida) em todos os países.
Quanto aos resultados, os estudos realizados periodicamente em diversas instâncias mostram avanços. Mas ainda estamos longe de poder afirmar que essas tecnologias tenham revolucionado a forma de ensinar e aprender na escola. A situação atual é, a meu ver, distinta da descrita por Cuban no início do século 20.
Em primeiro lugar, deve-se mencionar a evolução das TIC. Nos últimos anos, assistimos, junto com o crescimento da internet, ao surgimento e à difusão da web social e das ferramentas e aplicações informáticas que a caracterizam (blogs, wikis, redes sociais, ambientes de compartilhamento de recursos etc.); ao auge das tecnologias móveis, onipresentes e sem fio, bem como dos dispositivos eletrônicos associados (smartphones e tablets); e ao avanço da computação em nuvem.
Em segundo lugar, incrementaram-se as propostas e os recursos educativos baseados nas TIC1. Alguns, como os Cursos Massivos Online Abertos ao Público (Massive Open Online Courses) e a Aprendizagem Integrada (Seamless Learning), surgiram no Ensino Superior e o seu eventual traslado para outros níveis educativos suscitou dúvidas. Outros, por sua vez, como a Aprendizagem Móvel (Mobile Learning) e os Ambientes Pessoais de Aprendizagem (Personal Learning Environments), podem se encaixar melhor às características e exigências do Ensino Médio ou, com os ajustes correspondentes, ao Ensino Fundamental. A esse respeito merecem menção as aplicações educativas e os repositórios dos Recursos Educativos Abertos (Open Educational Resources) e das Práticas Educativas Abertas (Open Educational Practices), que põem ao alcance de estudantes e professores um acervo de conteúdos e ferramentas de riqueza incalculável para o ensino e a aprendizagem em todos os campos do saber.
Em terceiro lugar, em parte como consequência dos esforços contínuos no estímulo da implantação das TIC nas escolas, e em parte também como resultado do desenvolvimento por que passaram essas tecnologias (e a elaboração de recursos e propostas educativas nelas baseadas), produziu-se um acúmulo de experiências e conhecimentos sobre o uso educativo das TIC. Hoje sabemos mais do que há uma década sobre os fatores e circunstâncias que facilitam e promovem ou, pelo contrário, dificultam ou impossibilitam a incorporação das TIC às aulas. E, sobretudo, sabemos mais sobre como promover usos inovadores das TIC - isto é, que não se limitam a reproduzir as práticas existentes, mas que as melhoram.
Em quarto lugar, aconteceram mudanças no papel da aprendizagem na vida das pessoas e em quase todos os parâmetros que interferem nela: onde, quando, como, com quem aprendemos e, claro, para que aprendemos. Essas mudanças, associadas ao novo cenário econômico, social, político e cultural da sociedade da informação, foram qualificadas de várias maneiras e abordadas em diferentes perspectivas. Além da diversidade de denominações e perspectivas, há, entretanto, uma unanimidade praticamente esmagadora em atribuir às TIC um papel de destaque na nova ecologia da aprendizagem (BARRON, 2006; COLL, 2013). Um dos traços mais marcantes dessa ecologia é o surgimento, graças às TIC, de novos contextos de atividades que oferecem oportunidades, recursos e ferramentas para aprender. Refiro-me, por exemplo, aos proporcionados pelas redes sociais, pelas comunidades de interesse, pela prática e aprendizagem ou jogos online. Além disso, há que se acrescentar que as TIC pressupõem a existência de um reforço dos contextos tradicionais de atividades e desenvolvimento - a família, a comunidade ou o trabalho - como potenciais nichos de aprendizagem.
1 Tome como referência os relatórios Horizon, publicados todos os anos pela New Media Corporation. Eles identificam e descrevem, com base em contribuições de especialistas, as tecnologias emergentes que provavelmente terão um impacto maior na Educação em um prazo inferior a um, dois, quatro ou cinco anos.
As ideias precedentes desenham um panorama sensivelmente diferente daquele dos últimos anos do século 20, de maneira que as propostas atuais relativas à incorporação das TIC à Educação deveriam levar em conta os quatro aspectos assinalados. Sob essa perspectiva, a segunda parte deste texto trata de onde reside o caráter inovador e transformador dos usos das TIC na Educação.
A experiência acumulada em torno da incorporação das TIC à Educação encerra lições claras. Duas delas parecem especialmente importantes no contexto dos esforços para promover os processos de inovação e melhora educativa.
A primeira: como já assinalou Cuban, os investimentos para facilitar o acesso a essas tecnologias não garantem a utilização delas, nem que o uso que se faz seja inovador e repercuta na melhora da aprendizagem e do ensino. Tanto o grau de utilização como o caráter mais ou menos inovador das TIC dependem de uma série de fatores, tais como a formação técnico-pedagógica dos educadores, o apoio tecnológico de que dispõem, suas ideias e expectativas sobre o valor educativo das TIC e, em especial, o planejamento pedagógico e a visão do que significa ensinar e aprender.
A segunda: a chave para analisar e avaliar o impacto das TIC nos processos de ensino e aprendizagem reside no seu papel mediador das relações entre alunos, professores e conteúdo. O potencial das TIC para inovar e melhorar a Educação está na capacidade de promover novas formas de ensinar e aprender a fim de implementar processos de ensino e aprendizagem que não seriam viáveis sem as possibilidades oferecidas por elas para organizar de forma diversa a atividade conjunta de professores e alunos. Não se trata de fazer com as TIC o mesmo que se vinha fazendo sem elas. Mas analisar e rever reflexiva e criticamente o que se faz com dupla finalidade: verificar se as possibilidades oferecidas permitem que o que já é realizado seja melhorado; e averiguar se viabilizam projetar e desenvolver trabalhos distintos dos realizados habitualmente.
Vistas sob a perspectiva da sua função mediadora da atividade conjunta entre professores e alunos acerca dos conteúdos de aprendizagem, as TIC oferecem um enorme leque de opções e recursos para melhorar as práticas existentes e delinear outras novas (COLL, 2009). Permitem a introdução de novas formas de mediação entre o aluno e os conteúdos de aprendizagem (materiais multimídia e hipermídias, simulações etc.); entre o professor e esses conteúdos (bancos de dados, diretórios, arquivos de práticas educativas abertas etc.); entre professor e aluno e entre os próprios estudantes (comunicação a distância, comunidades de interesse etc.); bem como entre as ações do professor e do aluno e os conteúdos e tarefas (solicitar, fornecer e trocar informações e pedir, dar e receber feedback e ajuda etc.).
A experiência acumulada, por outro lado, recomenda a revisão de alguns planejamentos habituais da incorporação das TIC aos projetos e o uso em classe. Em suma, tudo indica que a integração e o emprego das TIC não devem ser como um fim, nem um fator que necessariamente irá desencadear um processo de inovação e melhoria das práticas educativas.
As TIC são uma ferramenta a serviço de uma dinâmica que as transcende e engloba, e determina, em grande parte, a concretização e o alcance das possibilidades oferecidas aos educadores e alunos para aperfeiçoar a aprendizagem e o ensino.
As implicações práticas dessa mudança de perspectiva são muitas e de grande importância. Neste artigo, vou mencionar somente duas, a título ilustrativo. A primeira é a conveniência de situar o ponto de partida do processo da integração das TIC no projeto educativo institucional, nas práticas de ensino e nas opções psicopedagógicas e didáticas que as sustentam. A segunda é que o poder das TIC de melhorar o ensino e a aprendizagem em sala de aula torna-se real quando seus usos respondem a dinâmicas de inovação e melhoria educativa mais amplas.
Excetuando-se essas dinâmicas, tal poder acaba sendo reduzido ao de algumas tecnologias que podem até facilitar, reforçar ou tornar mais atraentes e convenientes as tarefas de professores e estudantes, mas que dificilmente podem conceder lugar a novas e potentes formas de aprender e também de ensinar.
As considerações precedentes surgem daquilo que aprendemos como resultado dos esforços realizados nas últimas décadas para incorporar as TIC à Educação escolar. O impacto desses esforços sobre o ensino e a aprendizagem continua modesto em nível geral. No entanto, sem dúvida, a presença das TIC em classe aumentou, o leque de boas práticas docentes apoiadas nas TIC foi ampliado consideravelmente e, sobretudo, dispomos de mais elementos teóricos e metodológicos para projetar, planejar e desenvolver processos de inovação e melhoria educativa que se beneficiam das possibilidades dessas tecnologias aplicadas ao ensino e à aprendizagem.
A meu ver, no entanto, o que está exigindo - e acabará provocando - uma profunda transformação na Educação não são as TIC, e sim o reposicionamento necessário e inevitável das escolas no marco da nova ecologia da aprendizagem, que mencionei anteriormente.
Contudo, é verdade que as TIC desempenham um papel de destaque nessa nova ecologia, de modo que seu impacto sobre a Educação pode acabar sendo, indiretamente, muito maior que o impacto direto alcançado com sua incorporação na escola e na sala de aula.
Internet, tablet, celular, Facebook, cursos online... Cada vez mais o mundo tecnológico adentra as escolas, encantando alguns e despertando a desconfiança de outros. É evidente que a Educação terá de se reposicionar a esse respeito. Por isso, é preciso que os educadores compreendam que mais do que impactar no dia a dia, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) vão transformar a ecologia da aprendizagem, reconfigurando o jeito de ensinar e de aprender.
Últimas notícias