Escritor Milton Hatoum fala sobre hábitos de leitura e produção de texto
06/03/2018
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Jornalismo
06/03/2018
Nesta semana decidi falar aqui no blog sobre um autor de quem gosto muito, o amazonense de sangue libanês Milton Hatoum. Meu primeiro contato com ele aconteceu em 2010, quando eu trabalhava na saudosa revista Bravo! e ganhei a missão de produzir uma reportagem sobre o que influenciava a obra dele. Na época, ele me recebeu em sua casa para uma agradável conversa sobre literatura e suas publicações.
Foi o primeiro escritor que entrevistei como jornalista. Eu ainda não conhecia o trabalho de Hatoum, mas mergulhei nele imediatamente. Comecei por Relatos de um Certo Oriente, que acompanha a volta da protagonista Emilie a Manaus, após um longo período de ausência. Lá, a matriarca de uma família libanesa reconstrói as memórias e tradições dela por meio de elementos singelos, como um odor, uma voz ou um lugar.
Esse não é o início mais óbvio para um novo leitor de Hatoum. Em geral, as pessoas se lembram da obra mais famosa, Dois Irmãos, que está sendo adaptada atualmente para a TV Globo. Aliás, essa minissérie já estava planejada na época da entrevista, mas demorou para sair do papel. As filmagens finalmente começaram no início do ano, e a previsão de estreia é para o segundo semestre. Aguardemos…
De fato, Dois Irmãos é uma narrativa maravilhosa. Mas depois de ler quatro títulos em sequência (Relato de um Certo Oriente, Dois Irmãos, Cinzas do Norte e Órfãos do Eldorado) concluí, com muito agrado, que a qualidade do escritor amazonense vai além de um sucesso pontual. Ou seja, leiam esse livro, mas leiam todos!
Infelizmente, não foi possível reencontrá-lo para um bate-papo ao vivo durante uma tarde agradável. Mas, entre um compromisso e outro, amavelmente Hatoum respondeu a algumas perguntinhas para o blog. Confira a seguir:
O livro Três contos, do francês Gustave Flaubert (1821-1880), é constantemente mencionado em suas entrevistas. Qual a sua relação com esse título?
MILTON HATOUM: Esses contos de Flaubert foram minha primeira experiência com uma literatura de língua estrangeira, orientada por uma professora de francês quando eu era muito jovem e ainda morava em Manaus. O livro me marcou porque os contos são de uma extraordinária qualidade. Um deles, Um Coração Simples, foi decisivo quando escrevi Dois Irmãos, cerca de 30 anos depois, já que a personagem central desse conto de Flaubert me inspirou na construção da personagem Domingas. Tempos depois, eu traduzi esses contos (edição da CosacNaify) com um amigo flaubertiano, o crítico e professor Samuel Titan Jr.
Em geral, cada pessoa tem um sistema para selecionar leituras. Qual é o seu?
HATOUM: Escolho em função do que estou escrevendo ou de uma palestra ou conferência sobre literatura. Mas releio livros de ficção e poesia brasileiros, como a obra de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), por exemplo. Retomei recentemente três livros que foram fundamentais para mim: Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1908-1967), Pedro Páramo, de Juan Rulfo (1917-1986) e Absalão, Absalão, de William Faulkner (1897-1962). Tinha lido esses romances nos anos 1970, e agora os reli para ministrar a conferência de abertura do 1º Festival de Literatura de Belo Horizonte, realizado em junho. São romances de primeira grandeza, verdadeiras obras-primas da literatura das Américas.
Como você se organiza para escrever? E como é seu processo de criação?
HATOUM: Escrevo todos os dias, às vezes por três ou seis horas seguidas, mas sempre corrigindo. Escrever significa reescrever. Não cultuo nenhum ritual. Só preciso estar só e com os dicionários por perto. Geralmente, faço isso durante o dia e fora de casa. Com relação ao processo, acredito ser melhor deixar que os temas nos persigam, como dizia o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Só começo a escrever quando tenho um esboço do enredo na cabeça. Fico pensando nos conflitos e personagens antes de começar a por no papel. Mas tudo o que escrevi tem alguma relação com minha vida e com as leituras. O passado é a matriz da ficção. O desafio é transformar a memória numa narrativa ficcional. E, para isso, a imaginação e a linguagem são fundamentais.
Adaptações de livros para o audiovisual sempre rendem discussões acaloradas. O que você espera da minissérie que está sendo produzida com base em Dois Irmãos?
HATOUM: O roteiro de Maria Camargo é excelente, a essência do romance está lá. Luis Fernando Carvalho é um dos melhores diretores brasileiros, já provou isso quando dirigiu o filme Lavoura Arcaica (2001) e várias minisséries. Acho que será uma belíssima adaptação. Vi fotos e sequências da filmagem e percebi que o drama familiar, Manaus e a Amazônia foram filmados sem exotismo. Dois irmãos é meu romance mais lido, e a maioria dos leitores certamente vai ver o filme. O público que assiste a uma minissérie é enorme, e isso pode atrair leitores de todo o país.
[Minha dica: não aguardem a minissérie para conhecer mais sobre Milton Hatoum!]
Enfim, espero que tenham gostado da entrevista. Se você já leu algum livro desse autor, conte um pouco de sua experiência aqui nos comentários.
Até o próximo post!
Anna Rachel
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