Luis Camnitzer: "Todos deveriam ser artistas"
O curador da Bienal do Mercosul afirma que os professores podem se inspirar na curadoria pedagógica da mostra para preparar aulas mais criativas
06/03/2018
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Jornalismo
06/03/2018
Em 1995, na primeira Bienal de Arte do Mercosul, o uruguaio Luis Camnitzer era um dos expositores. Este ano, ele vem a Porto Alegre como curador pedagógico do evento, que reúne os principais nomes da arte contemporânea dos países do Cone Sul.Nesse posto, se impôs uma missão: fazer da mostra - que vai de 1o de setembro a 18 de novembro - a primeira a levar os freqüentadores a serem também artistas, em vez de apenas espectadores passivos. A proposta vai além da interatividade: "Não queremos que o público brinque com a instalação. Nossa proposta é estimular cada um a pensar em soluções próprias para os desafios colocados pelo autor. Depois disso, o visitante vai decidir se vai admirar a obra, melhorá-la ou ignorá-la".
Professor aposentado do Drawing Center de Nova York, onde foi curador de artistas emergentes, Camnitzer afirma que teve a sorte de nunca fazer o que não lhe agradava. Por isso, férias e trabalho, para ele, são a mesma coisa. Enquanto cuida dos detalhes finais da última exposição que organizará na galeria americana, viaja para a Costa Rica - onde participa de uma mostra antológica no Museu de Arte e Desenho - e vai ao Uruguai organizar uma exposição sobre arte e violência marcada para outubro. "Isso enlouquece a minha mulher, mas não a mim!" Desde o ano passado, ele visita Porto Alegre com freqüência, cuidando de perto da parte educativa da Bienal. Durante essas viagens, participou da formação de monitores e de um curso de formação de 1,5 mil professores da rede estadual que levarão seus alunos à exposição.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail antes de chegar à capital gaúcha para os últimos preparativos antes da abertura da Bienal, Camnitzer explica como será a participação do público na exposição e o que essa experiência pode deixar como "herança" para o ensino de Arte no Brasil.
O que a curadoria pedagógica dessa bienal tem de diferente das anteriores?
Luis Camnitzer A ênfase está nos aspectos de comunicação da obra com o público e não na apreciação. Os visitantes são convidados a criar como os artistas nas 20 estações pedagógicas, que são espaços diferenciados ao lado da obra: numa parede há um parágrafo com a formulação do problema que o artista está tentando resolver, e num balcão ficam a literatura relacionada ao artista e os formulários nos quais o visitante pode deixar seus comentários e as soluções que daria para o mesmo problema. Essas observações são compartilhadas com outros visitantes, que podem vê-las projetadas em outra parede. Tudo para evitar que as pessoas fiquem somente no "gostei" ou "não gostei". Queremos o envolvimento de todos com a especulação do artista, até mesmo de quem não gostou do resultado mostrado.
Que outros espaços podem ser usados pelos professores?
Camnitzer É possível reunir a turma para debater tanto em assentos colocados próximos às obras como em salas de aula especialmente montadas. Temos também um lugar onde os jovens podem produzir e expor trabalhos como resposta ao que viram. Durante o evento, queremos montar uma biblioteca especializada em planos de aula e metodologias deixados pelos professores que queiram compartilhar idéias inovadoras com os colegas. Esperamos que esse banco de dados acabe se transformando num espaço internacional de intercâmbio via internet.
Todas as exposições deveriam ter curadoria pedagógica?
Camnitzer Sendo exposição, de arte ou não, deveria ter curadoria. Normalmente é o artista que se incumbe de divulgar sua obra, mas às vezes fica tão absorto em si mesmo que esquece o público. Já o curador artístico seria o encarregado de apresentar as obras, mas se concentra tanto na aparência da mostra que esquece o público. Oferecer curadoria pedagógica não significa ser paternalista com o visitante, mas ter controle sobre a clareza da apresentação e a necessidade de preencher as lacunas que atrapalham a comunicação.
O que é mais importante para os alunos e seus professores ao visitar uma exposição como a Bienal? Entender o processo criativo do artista, desenvolver a criatividade ou aprender a apreciar a arte contemporânea?
Camnitzer Para mim é mais importante FALA,MESTRE! desenvolver a capacidade criativa. Porém, para chegar a isso, ele tem de tomar contato com o processo criativo do artista e a conseqüência é que ele apura o olhar para a arte contemporânea. Acho que o artista é um intermediário entre o Universo e o público. Se a arte atingisse seu propósito, todo mundo teria seu próprio acesso ao Universo e, assim, todos seríamos artistas e essa especialização deixaria de existir.
Os espectadores não devem ser somente receptores passivos, mas seres criativos?
Camnitzer Acredito que os males contemporâneos estão baseados no consumo passivo de informação, fruto de um controle que leva à anulação da capacidade de resistência. Nossas habilidades a esse respeito estão se atrofiando. A arte, no melhor sentido da palavra, é um antídoto que ajuda a resistir e a recuperar a saúde mental.
Como criar no Brasil uma cultura como a que existe na Europa, onde as crianças são levadas desde pequenas a museus por seus pais?
Camnitzer Temos culturas diferentes, o que não significa que uma seja melhor ou pior que a outra. A relação de um jovem europeu com a arte pode ser (ou é) mais mitificada do que a de um brasileiro que nunca foi a um museu. Em muitos casos, a diferença está em que o primeiro necessita de uma Educação que desmitifique a arte, enquanto o outro deve ter uma que o leve a não mitificá-la quando começar a se relacionar com ela.
Por que é importante levar as crianças a ver obras de arte e não somente mostrá-las em livros ou gravuras?
Camnitzer A presença material da obra é muito importante. É preciso ver a escala, a sutileza da cor, a textura, as mudanças causadas pela circulação ao redor dela, os ecos entre uma obra e outra - e nada disso um livro consegue reproduzir. Isso é muito importante, principalmente quando não existe uma experiência prévia.
Existem muitos lugares no Brasil onde não há museus, galerias ou espaços para ver arte. Como os professores que vivem ali podem desenvolver a própria formação artística e a dos alunos?
Camnitzer A distância pode ser física ou mental. Pessoas que estão ao lado da Bienal podem estar mais afastadas do que outras que vivem a milhares de quilômetros, mas escutaram o rumor e procuraram saber o que está acontecendo. A Bienal não vai mudar o Brasil, nem o Rio Grande do Sul, nem mesmo Porto Alegre. Espero que um modelo bem-sucedido sirva de inspiração para outras insitituições e para alguns professores. Logo, esses estimularão outros e é assim que chegaremos a pontos distantes.
Qualquer obra de arte serve para estabelecer a comunicação com as crianças?
Camnitzer O artista muitas vezes se dirige a seus colegas e a especialistas, que têm conhecimentos complexos, inacessíveis até para adultos formados. Portanto,muita coisa escapa da possibilidade de apreciação escolar. Não tem sentido explicar a Teoria da Relatividade para turmas de 7 a 10 anos usando fórmulas que só um físico entende.Mas é possível despertar o interesse sobre o tema para, em algum momento, o aluno pedir para entender os princípios. É nessa atividade intermediária que o professor de Arte deve se colocar.
Todas as exposições deveriam ter curadoria pedagógica?
Camnitzer Sendo exposição, de arte ou não, deveria ter curadoria. Normalmente é o artista que se incumbe de divulgar sua obra, mas às vezes fica tão absorto em si mesmo que esquece o público. Já o curador artístico seria o encarregado de apresentar as obras, mas se concentra tanto na aparência da mostra que esquece o público. Oferecer curadoria pedagógica não significa ser paternalista com o visitante, mas ter controle sobre a clareza da apresentação e a necessidade de preencher as lacunas que atrapalham a comunicação.
O que é mais importante para os alunos e seus professores ao visitar uma exposição como a Bienal? Entender o processo criativo do artista, desenvolver a criatividade ou aprender a apreciar a arte contemporânea?
Camnitzer Para mim é mais importante FALA,MESTRE! desenvolver a capacidade criativa. Porém, para chegar a isso, ele tem de tomar contato com o processo criativo do artista e a conseqüência é que ele apura o olhar para a arte contemporânea. Acho que o artista é um intermediário entre o Universo e o público. Se a arte atingisse seu propósito, todo mundo teria seu próprio acesso ao Universo e, assim, todos seríamos artistas e essa especialização deixaria de existir.
Os espectadores não devem ser somente receptores passivos, mas seres criativos?
Camnitzer Acredito que os males contemporâneos estão baseados no consumo passivo de informação, fruto de um controle que leva à anulação da capacidade de resistência. Nossas habilidades a esse respeito estão se atrofiando. A arte, no melhor sentido da palavra, é um antídoto que ajuda a resistir e a recuperar a saúde mental.
Como criar no Brasil uma cultura como a que existe na Europa, onde as crianças são levadas desde pequenas a museus por seus pais?
Camnitzer Temos culturas diferentes, o que não significa que uma seja melhor ou pior que a outra. A relação de um jovem europeu com a arte pode ser (ou é) mais mitificada do que a de um brasileiro que nunca foi a um museu. Em muitos casos, a diferença está em que o primeiro necessita de uma Educação que desmitifique a arte, enquanto o outro deve ter uma que o leve a não mitificá-la quando começar a se relacionar com ela.
Por que é importante levar as crianças a ver obras de arte e não somente mostrá-las em livros ou gravuras?
Camnitzer A presença material da obra é muito importante. É preciso ver a escala, a sutileza da cor, a textura, as mudanças causadas pela circulação ao redor dela, os ecos entre uma obra e outra - e nada disso um livro consegue reproduzir. Isso é muito importante, principalmente quando não existe uma experiência prévia.
Existem muitos lugares no Brasil onde não há museus, galerias ou espaços para ver arte. Como os professores que vivem ali podem desenvolver a própria formação artística e a dos alunos?
Camnitzer A distância pode ser física ou mental. Pessoas que estão ao lado da Bienal podem estar mais afastadas do que outras que vivem a milhares de quilômetros, mas escutaram o rumor e procuraram saber o que está acontecendo. A Bienal não vai mudar o Brasil, nem o Rio Grande do Sul, nem mesmo Porto Alegre. Espero que um modelo bem-sucedido sirva de inspiração para outras insitituições e para alguns professores. Logo, esses estimularão outros e é assim que chegaremos a pontos distantes.
Qualquer obra de arte serve para estabelecer a comunicação com as crianças?
Camnitzer O artista muitas vezes se dirige a seus colegas e a especialistas, que têm conhecimentos complexos, inacessíveis até para adultos formados. Portanto,muita coisa escapa da possibilidade de apreciação escolar. Não tem sentido explicar a Teoria da Relatividade para turmas de 7 a 10 anos usando fórmulas que só um físico entende.Mas é possível despertar o interesse sobre o tema para, em algum momento, o aluno pedir para entender os princípios. É nessa atividade intermediária que o professor de Arte deve se colocar.
Qual a relação entre arte e Educação?
Camnitzer Quando damos importância à comunicação entre o artista e o público por meio da obra, a peça deixa de ser objeto de contemplação e a atividade artística nivela-se à Educação. Isso quando se entende que essa última não se limita a transferir dados, mas a gerar especulações por parte dos estudantes. Nesse sentido, as informações e os exercícios dados pelo professor deveriam equivaler à obra do artista. Quem vai a uma exposição ou quem freqüenta uma sala de aula deveria ter sempre a sensação de ter participado de um processo criativo memorável e sair dali se sentindo preparado para inventar os próprios meios. Quero que os visitantes da Bienal tenham contato com essa idéia e se proponham, a partir daquele momento, a fazer de cada uma de suas aulas uma peça artística, na qual os alunos possam descobrir a si mesmos, reinventar e reordenar o Universo e assumir o papel de criadores, e isso vale para todas as disciplinas.
Quais são os erros mais comuns que os professores cometem em suas aulas?
Camnitzer Confundir arte com artesanato e priorizar o "como fazer". Em uma classe com muitos alunos, é compreensível que o professor não tenha tempo de interagir com cada um e que tudo termine em forma de conferência e exercícios de comparação relativa. Mas os professores devem lutar contra os obstáculos que lhes impõe o sistema escolar. Supõe-se que é mais importante saber ler e escrever do que fazer arte. É hora de convencer as autoridades de que essa percepção é reacionária. A arte é uma forma de conhecer, de especular, de propor e de resolver problemas. Ainda que escrever e ler sejam exemplos de codificar e decodificar, a arte também é uma forma de criar códigos. Portanto, ler e escrever deveria aparecer como uma subcategoria artística. Temos ainda outro equívoco: pensar a arte como uma forma de auto-expressão. Ainda que seja isso também, ela é antes de tudo um instrumento de comunicação. Se nos limitarmos à auto-expressão, o rigor desaparece. E a arte necessita dele tanto quanto a ciência, cada uma dentro dos critérios.
Qual deveria ser o principal objetivo do ensino de Arte nas séries iniciais?
Camnitzer Ajudar o estudante a elaborar problemas e buscar soluções, fazendo com que ele pense e analise o desafio. Se a proposta é um desenho de natureza-morta, a utilidade da atividade não está em fazer cópia, mas em como os pontos do modelo serão transferidos para o papel, quais serão usados e quais serão descartados, como passar do tridimensional para o bidimensional. Ainda que o resultado já esteja determinado, há muito a especular e entender. Ou seja, o problema é ver o que acontece com a informação quando passa de um estado a outro e o que se perde e o que se ganha com esse processo. Assim, esse desenho da natureza-morta se torna um processo mais interessante e fértil.
Internet
No site www.bienalmercosul.art.br você encontra as palestras de Luis Camnitzer nos cursos de formação de professores e monitores.
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