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Jornalismo

Como integrar a Educação climática ao projeto pedagógico das escolas?

A obrigatoriedade do tema no currículo a partir de 2025 requer contextualização à realidade dos estudantes e formação docente para que seja uma prática transformadora

PorCarol Firmino

21/02/2025

Eventos extremos estão se tornando cada vez mais comuns e o debate escolar precisa levar em conta os impactos vividos pela comunidade do entorno. Foto Getty Images

A crise climática, que se manifesta por meio de eventos extremos, como enchentes, secas e variações drásticas de temperatura, é um dos maiores desafios do século 21. Diante desse cenário, é urgente que as escolas abordem as mudanças climáticas e promovam ações sustentáveis em seu currículo. 

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já destaca a importância de temas relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade, incentivando a formação de cidadãos conscientes e responsáveis. Além disso, a Lei 14.926/2024, estabelece que, a partir de 2025, as instituições de ensino reforcem obrigatoriamente as abordagens sobre mudanças climáticas e proteção da biodiversidade.

Celso Sánchez, biólogo, doutor em Educação, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coordenador do Grupo de Estudos em Educação Ambiental desde el Sur, explica que já existe um histórico de 50 anos de Educação ambiental. Ela envolve programas e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, além de importantes documentos de referência. Um exemplo é o Tratado da Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, elaborado em 1992 por educadores ambientais e pessoas ligadas ao meio ambiente de vários países do mundo. 

Segundo o especialista, a Lei 14.926/2024 chega com atrasos, principalmente por incluir só agora a exigência dos temas mudanças climáticas e biodiversidade na Educação ambiental: “Embora temperatura e clima não fossem assuntos que uniam o debate naquela época, eles já estavam presentes. A lei, objetivamente, está atrasada, mas é uma contribuição trazer a discussão sobre biodiversidade como eixo central e sobre o clima como um aglutinador”, diz. 

Atualização do projeto pedagógico e currículo

Para cumprir as diretrizes dessa legislação, é essencial que as escolas atualizem seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e currículo, integrando a atenção às mudanças  climáticas, à proteção da biodiversidade e aos riscos e vulnerabilidades a desastres socioambientais de forma transversal e contínua. Isso não apenas garante conformidade legal, mas também prepara os alunos para compreenderem os impactos ambientais, sociais e econômicos das alterações no clima, capacitando-os a tomar decisões futuras mais sustentáveis. 

Sánchez destaca, porém, que a inclusão da Educação climática deve vir acompanhada de algumas preocupações, como não reduzir esse termo nem fazer disso só mais uma tarefa para os professores: “Creio que precisamos trabalhar a questão climática nas escolas como grande tema de atuação, em um processo de Educação ambiental mais amplo, que vise à transformação rumo à construção de uma sociedade sustentável”. 

Para ele, os maiores desafios nesse momento da implementação são a formação continuada de professores e a gestão escolar, já que podem sobrecarregar uma escola sem recursos e sem infraestrutura para ter atenção à dimensão ambiental. “É possível, mas é um esforço a mais”, aponta.

Compromisso institucional

O PPP expressa a identidade da escola, suas diretrizes educacionais e seu compromisso com a formação integral dos estudantes. Já o currículo define o que será ensinado e aprendido em cada disciplina. Por isso, quando o tema está presente nesses documentos, a abordagem não depende apenas de iniciativas individuais dos professores, pois passa a fazer parte de uma estratégia pedagógica de longo prazo.

Raimunda Farias de Souza, professora de Ciências Biológicas dos Anos Finais da EMEF Manoel Barbosa de Moraes, em Tucuruí (PA), afirma que as questões relacionadas ao clima já são abordadas de maneira transdisciplinar, mas que agora isso acontecerá de forma mais efetiva. 

“Ter determinado objeto de conhecimento, habilidade ou tema inserido no PPP faz com que o assunto seja efetivamente cobrado, se torna uma ação organizada, planejada e pensada não só pelos professores, mas pela equipe técnica junto com a equipe docente. Então, a ação se torna assertiva”, ressalta. Ela acredita que, logo, a criança vai poder observar essa temática de uma forma mais prática: “Ela vai entender como podemos, no coletivo e também no individual, adotar medidas para favorecer as questões climáticas.”

Diante disso, a escola assume uma posição clara sobre a importância do tema, estabelecendo princípios orientadores para sua abordagem em todas as etapas de ensino. Isso significa que a sustentabilidade se torna um eixo estruturante da prática pedagógica, influenciando a cultura escolar, os projetos interdisciplinares e as políticas institucionais. E fazer isso de maneira estruturada e contínua pode facilitar o trabalho dos professores em sala de aula e assegurar que os estudantes estejam aptos a contribuir positivamente para a sociedade e o meio ambiente.

A EMEF Manoel Barbosa de Moraes já realizava algumas ações nesse sentido mesmo antes da implementação da Lei 14.926/2024. “[Na sala de aula], nós trabalhamos com textos, vídeos e rodas de conversa sobre resíduos sólidos. Mas, na prática, fizemos germinação de sementes com o 1º ano do Fundamental e, no 2º ano, passeios no bosque para vivenciar a relação com a natureza e observar a importância de preservar [o meio ambiente], e como isso influencia na temperatura e nas mudanças do clima”, conta Raimunda. De acordo com a professora, mesmo a escola atuando a nível local, o que ela está abordando também será trabalhado de outra forma em outros lugares e países. “As pessoas envolvidas em fazer isso acontecer se sentem parte de um todo.”

Conexão com a realidade local e formação de professores

Sánchez considera que já há excelentes profissionais fazendo um trabalho qualitativo de altíssimo nível no contexto da Educação ambiental, mas que, muitas vezes, eles ficam limitados a índices internacionais de desmatamento ou de emissão de poluentes. Essa dimensão mais quantitativa, segundo ele, se torna um problema, porque desloca o debate ambiental para um lugar muito distante do aluno. “Vamos para um lugar etéreo, [que fala] do mundo, da Amazônia, do Pantanal, dos grandes biomas. E, de repente, estamos mais preocupados com a savana africana [em vez de olhar para] o rio que passa em frente à sua casa, para a desigualdade distributiva da água, para o racismo ambiental e para outros problemas do dia a dia”, argumenta o professor. 

Assim, é muito importante contextualizar a Educação ambiental à realidade local e contar com a participação ativa de alunos, pais e outros membros da comunidade escolar na revisão do PPP e do currículo, a fim de fortalecer o compromisso coletivo com a sustentabilidade. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio de rodas de conversa para ouvir diferentes perspectivas sobre como a escola pode abordar a crise climática e incentivar os alunos a identificarem impactos ambientais na região.

Isso porque cada lugar do Brasil enfrenta desafios climáticos específicos. Uma escola localizada no Nordeste pode precisar abordar os impactos das secas e desertificação, enquanto uma escola na região Sul pode trabalhar com enchentes e eventos extremos de temperatura. Compreender os impactos climáticos vividos pela comunidade escolar ajuda a tornar o ensino mais próximo da realidade dos estudantes, favorecendo o engajamento e o desenvolvimento de soluções concretas.

Sanchez pontua também que, além de uma escuta sensível de toda a comunidade escolar, a implementação da lei precisa vir acompanhada de um programa de formação continuada dos professores para não correr o risco de ser apenas mais um conteúdo a ser trabalhado nas disciplinas. “A gente precisa entender que com uma legislação desacompanhada de ações que deem suporte para que ela aconteça, não iremos muito além.”

Essa reflexão vai ao encontro do que diz Fabiane Castilho Oliveira, coordenadora pedagógica da Educação Infantil e Anos Iniciais na EMEF Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS). “ Acredito que a lei venha para contribuir. Mas não podemos renunciar à formação continuada, porque os professores estão sendo questionados o tempo todo e colocados à prova. É preciso que tenham formações para se apropriarem desses assuntos de relevância, se capacitarem, terem espaço de troca e conseguirem levar isso para a sala de aula”.

Como integrar a sustentabilidade na escola

Para que a abordagem climática na Educação ambiental seja mais do que um conceito teórico no PPP e no currículo, a gestão precisa adotar práticas sustentáveis no dia a dia. A EMEF Adolfina J. M. Diefenthäler, além de ser uma escola conveniada à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), realiza ações para desenvolver na comunidade escolar o senso de responsabilidade e comprometimento com o meio em que se vive. A partir do Projeto Escola Sustentável, o objetivo é levar alunos, pais, professores e funcionários a refletirem sobre suas práticas cotidianas, criando estratégias para amenizar os impactos ambientais causados pelas pessoas. Separação do lixo, destinação correta dos resíduos, cuidados com o jardim, cultivo de ervas aromáticas, compostagem e campanhas para evitar desperdícios e consumismos são exemplos dessas ações.

Segundo Joice Maria Lamb ex-coordenadora e atualmente professora na EMEF Adolfina J. M. Diefenthäler, a Lei 14.926/2024 não deveria ser o motivo para se discutir assuntos tão importantes como as mudanças climáticas e a biodiversidade. Ela acredita que o tema já é debatido entre os alunos e as instituições deveriam aproveitar esse interesse para ampliar o espaço democrático de escuta sobre os anseios dos estudantes. “Garantir que a Educação climática seja uma diretriz permanente na escola, que não dependa de interesses individuais dos professores, tem a ver com esse espaço de fala e de escuta.”

Ela conta que a escola tem uma comissão de sustentabilidade formada pelos próprios estudantes. “Eles têm ideias maravilhosas, se preocupam muito com o mundo, mas, em geral, não são ouvidos”, alerta. Joice lembra que há atividades em que o assunto também já se evidencia naturalmente entre as turmas: “Na feira científica anual, eles tratam exatamente dessas discussões atuais e acabam escolhendo os temas [presentes] em suas vidas, como deslizamentos motivados por chuvas excessivas na região”. 

Exemplos de ações sustentáveis

A professora Claudia Sobral Ferreira, que leciona Ciências para os Anos Finais na mesma escola, comenta que após os desastres causados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, o tema ganhou destaque em todos os espaços, inclusive entre os alunos. Com isso, a sensibilização sobre o impacto das ações humanas no meio ambiente vem sendo intensificada nas escolas, e isso pode servir de exemplo. “Sempre pergunto para os meus alunos: que marcas tu queres deixar no planeta?”. 

Ela relata que, na escola, há o gerenciamento de resíduos sólidos, como plástico, papelão, papel, alumínio e esponjas, dando o destino correto.Mas há materiais que são difíceis de reciclar e acabam indo direto para o aterro sanitário. Então, se não tem a destinação correta, vamos substituir por outros. Deixamos de usar o isopor, o TNT, o EVA, balões de aniversário e glitter, entre outros. Isso faz parte do consumo consciente.”

A EMEF Adolfina também realiza a compostagem dos resíduos orgânicos, o recolhimento de óleo de cozinha usado, plantios de árvores no entorno da escola e  feiras de trocas de brinquedos, livros e acessórios, entre outras ações. “Nosso desafio, sem dúvida, é o envolvimento e a conscientização. Mas essas mudanças simples fazem com que os alunos se enxerguem como integrantes do meio ambiente e vejam a importância de cada um fazer a sua parte e ser multiplicador [dessas ações] também fora do portão da escola”, conclui Claudia. 

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