Prêmio Educador Nota 10: conheça os vencedores da categoria Direitos Humanos
Educadores desenvolveram ações que reconhecem as crianças e estudantes como sujeitos de direito, assegurando dignidade e valor a cada um deles
24/10/2023
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Jornalismo
24/10/2023
Uma das novidades da 25ª edição do Prêmio Educador Nota 10 é o alinhamento à Agenda Global 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que engloba os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para erradicar a pobreza, assegurar direitos humanos e combater as mudanças climáticas. Por isso, a premiação, que é uma correalização do Instituto Somos e da Fundação Victor Civita, com apoio da NOVA ESCOLA, destacou o trabalho de educadores em três categorias: Inovação e Tecnologia, Sustentabilidade e Direitos Humanos.
Ao todo, nove boas práticas de aprendizagem idealizadas por professores e gestores escolares foram reconhecidas. Os premiados em terceiro lugar de cada categoria receberão um vale-presente no valor de R$ 10 mil, uma bolsa integral de pós-graduação e 12 meses de acesso à plataforma Profs, de formação de educadores. Os que ficarem em segundo lugar, além desses benefícios, ganharão mais R$ 5 mil no vale-presente, totalizando R$ 15 mil. Já os vencedores de cada categoria vão receber o vale-presente no valor de R$ 25 mil, bolsa de pós-graduação e acesso a 24 meses da plataforma Profs e concorrerão à categoria Educador do Ano. Nesse caso, o ganhador do melhor projeto receberá R$ 25 mil adicionais para investimento em serviços, produtos e infraestrutura na escola em que o projeto foi realizado.
Na categoria Direitos Humanos, os três professores foram premiados por desenvolverem projetos que atendem à temática por perspectivas diferentes, desde a necessidade de inclusão, passando pela questão do brincar até o direito à cidade. Porém, apesar da diversidade, todos impactam positivamente as crianças e a comunidade escolar. Conheça a história e os detalhes dos trabalhos vencedores:
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E se, de repente, você estivesse a caminho do trabalho e, além do ônibus que sempre passa em determinado horário, adultos apressados e o trânsito de costume, se deparasse com várias crianças, entre 4 e 5 anos, andando de… triciclo pelo bairro? Para quem circula pelo centro da cidade de São Paulo (SP), nos arredores da Praça da República, essa cena não é tão incomum, já que esses passeios, a valorização do entorno e a defesa do direito à cidade são o foco do projeto Motoca na praça: andanças e aventuras de triciclo pela Praça da República e centro de São Paulo.
Idealizado pela professora Lívia Guimarães Arruda, o projeto acontece na EMEI Armando de Arruda Pereira. Há 12 anos na unidade, a educadora explica que a ação surgiu com o objetivo de integrar as crianças à Praça da República, local onde está localizada a escola.
“É uma praça muito urbana, de passagem, e não de brincar. Então, apesar da escola estar ali, eram espaços muito desvinculados. Assim, o objetivo principal era aproximar as crianças do entorno e dar visibilidade para o fato de termos uma escola ali, garantindo também o direito das crianças ocuparem o espaço público”, detalha a professora.
Por outro lado, o projeto também evidenciou o potencial de transformar o próprio entorno. “Tem muito preconceito em relação à Praça da República, dizem que é um lugar sujo, violento, nos últimos anos, tem uma população em situação de rua grande. Por isso, a ideia era ocupar e transformar um pouco esse ambiente porque ele também é das crianças que frequentam a escola e moram no Centro.”
Atualmente, a unidade escolar tem um público diverso, atendendo muitas crianças que são filhas de imigrantes, que moram no Centro e também em ocupações.
O começo de tudo é ainda dentro da escola. Lívia explica que, no pátio, os pequenos aprendem a andar de motoca. Depois, se lançam em trajetos externos curtos para reconhecer o espaço e entender as próprias dificuldades. Com o desenvolvimento das atividades, os passeios vão ficando mais longos.
“Com o tempo, também fomos estruturando melhor essas saídas que antes eram apenas para brincar. Começamos a propor um desenho de observação, por exemplo. Então, procurávamos monumentos, prédios históricos para fazer algum registro. Fizemos ações de interação com as pessoas – entrega de desenhos, flores, dobraduras. E, depois, fomos expandindo o percurso e, paralelamente em sala, fazíamos conversas sobre o tema cidade: o que é cidade? O que tem na cidade? Quais desafios existem?”.
Assim, as motocas começaram a ocupar outros espaços. Segundo Lívia, um passo importante do projeto foi incluir visitas a equipamentos culturais próximos. “São locais que, muitas vezes, as famílias não conheciam ou não levavam as crianças”.
Porém, para que tudo isso se realizasse, foi fundamental apresentar a proposta para as famílias e mobilizar a comunidade escolar. Outra questão foi pensar na segurança das crianças. “Eu sempre fazia o trajeto a pé antes, observava tudo e cronometrava o tempo para atravessar a rua, por exemplo”.
Hoje é possível perceber como a ação impactou a região. Muitas organizações culturais da região estreitaram as relações com a escola e começaram a convidá-la para ações. As crianças passaram a sentir a praça um pouco mais delas e a conhecer algumas ruas e lugares pelos nomes. Porém, tudo isso acontece com os pequenos brincando e explorando o espaço, o corpo, reconhecendo o outro, como prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para essa etapa.
Educadora: Lívia Guimarães Arruda
Escola: EMEI Armando de Arruda Pereira
Cidade: São Paulo (SP)
Por que o projeto é inovador?
Propõe, por meio de passeios de triciclo, que as crianças se reconheçam como indivíduos pertencentes à cidade e entendam que têm direito de usufruir e transformar esse espaço. O projeto cria uma relação afetiva com o bairro, mas não romântica, já que os pequenos identificam o que gostam ou não no local.
Cidade preparada para crianças
Para garantir segurança dos pequenos, foi criada uma identidade visual para o projeto. Com isso, as pessoas identificam facilmente as crianças, o projeto e a escola. Um dos desafios da professora foi ir até os equipamentos culturais para firmar parcerias e prepará-los para receber crianças pequenas e, também, as motocas.
Em Campinas (SP), alunos do 4º ano da EMEF Maria Luiza Pompeu de Camargo foram provocados pelo professor Rodrigo Tetsuo Hirai a pesquisar quais teriam sido os principais brinquedos presentes na infância dos seus familiares mais velhos. Nascia ali o projeto Os brinquedos antigos e os dias atuais: refletindo as mudanças a partir do pião de madeira, outro vencedor da categoria Direitos Humanos, do Prêmio Educador Nota 10.
Dentre os brinquedos mais registrados pela turma apareceu a bola, o carrinho e as bonecas. No entanto, foi o pião de madeira que mais despertou a atenção dos alunos. “Se colocamos uma bola ou uma boneca nas mãos dos alunos do 4º ano, eles brincam. Mas se damos a eles um pião de madeira, que, hoje, não está presente na rotina deles, é um desafio”, conta o professor Rodrigo. E para ele, onde tem desafio, tem aprendizado.
“Logo na primeira aula em que os alunos tiveram o pião nas mãos, já nos deparamos com uma dificuldade importante. O feedback que tive foi o de ter sido uma experiência frustrante. Disseram que, apesar de terem ficado uma aula inteira tentando lançar, a maior parte da turma não conseguiu”, relembra o professor que dá aulas na unidade há seis anos.
A noção do tempo foi algo que atraiu o interesse de Rodrigo. “Os alunos não disseram ‘foi apenas a primeira aula’. Disseram: ‘ficamos uma aula inteira’. A referência desse tempo do contato com o brinquedo até conseguirem aproveitar a brincadeira é a de um tempo acelerado. O pião não trouxe um prazer imediato. Enquanto os brinquedos atuais, em grande parte, trazem”.
Para fomentar as discussões, foi apresentado à turma o documentário Criança: A Alma do Negócio, de Estela Renner. “Nele encontramos a seguinte reflexão: hoje, muitas crianças pedem a seus pais que comprem um brinquedo. A família, com dificuldades, com o orçamento apertado, reluta em comprar. Mas faz um esforço e compra. A criança, quando ganha, brinca dois ou três dias e, depois, deixa o brinquedo de lado”, afirma Rodrigo.
Os momentos que eles tiveram para aprender a brincar com o pião, compará-lo com os brinquedos atuais e o debate após assistirem ao documentário levaram a turma a reflexões importantes como, por exemplo, como o consumo marca fortemente a relação das gerações atuais com suas formas de brincar. “A relação entre o indivíduo com seu brinquedo acaba ficando em segundo plano, por isso é deixado de lado tão rápido. Com o pião, eles brincaram nas aulas. Brincaram com ele até ficar gasto, encardido, marcado, rachado”.
Além de provocar uma leitura crítica do 4º ano sobre a relação brincadeira e consumo, o projeto dos professor Rodrigo também levou os alunos a se superarem. Até que eles conseguissem lançar, realizar batalhas e se arriscar em manobras com pião de madeira, foram necessárias várias aulas e muitas tentativas, levando a atividade a alcançar, também, o trabalho com competências socioemocionais.
Educador: Rodrigo Tetsuo Hirai
Escola: EMEF Maria Luiza Pompeu de Camargo
Cidade: Campinas (SP)
Por que o projeto é inovador?
A sequência didática foi baseada nas reflexões que surgiram a partir das vivências da turma com o pião de madeira, favorecendo que tivessem significado e pertinência para os alunos. Além disso, o projeto trouxe uma contextualização para os desafios que estavam sendo vivenciados nas aulas.
Aprendendo com os erros
Se, por um lado, o pião de madeira não “caiu nas graças” da turma de primeira, ele favoreceu o desenvolvimento de competências socioemocionais ao exigir perseverança e aprendizagem a partir dos erros, o que não acontece com parte dos brinquedos modernos. Até que os alunos conseguissem lançar e realizar batalhas de piões, foram necessárias muitas tentativas e o desenvolvimento de técnicas para enrolar o barbante e manipular o brinquedo.
Professora do CMEI Cecília Meireles, em Vitória (ES), há 13 anos, Priscilla Castro dos Santos é uma das vencedoras da categoria Direitos Humanos, do Prêmio Educador Nota 10, com o projeto Mini-história: um olhar poético do cotidiano das crianças com autismo.
O trabalho começou a ser desenvolvido em 2022 com o propósito de garantir o respeito à diversidade na escola e a inclusão das crianças com deficiência, na Educação Infantil.
A instituição, ao longo do tempo, passou por reformas na estrutura física, revitalizando os espaços e investindo em materiais não estruturados e estruturados para potencializar as experimentações e aprendizagens das crianças. Por outro lado, Priscilla percebeu a necessidade de pensar em práticas mais inclusivas e sensibilizar o olhar dos profissionais e da comunidade para enxergar as crianças e suas infâncias, antes do diagnóstico.
Assim surge a ideia da mini-história, uma estratégia de documentação pedagógica composta por uma breve narrativa que dialoga com imagens, com o objetivo de registrar o cotidiano e as aprendizagens dos pequenos.
“Como professora especializada da educação especial e como professora regente de uma turma com crianças com autismo, eu fazia a observação das experiências cotidianas. Depois, eu registrava e documentava essas experiências por meio de fotografias ou vídeos. Nos momentos de planejamento, revisitava esses materiais para interpretar e refletir sobre as ações e pensamentos da criança. Em seguida, transformava em uma mini-história”.
Para Priscilla, essa sequência passou a valorizar mais as aprendizagens do cotidiano. “Esse projeto é uma convocação para sair do automatismo da ação para pausar, observar e aprender sobre e com as crianças”.
Todo o trabalho, porém, exigiu esforços para organizar o quadro de profissionais e dialogar com a secretaria de Educação para acolher as especificidades das crianças. Só assim foi possível expandir o trabalho, desenvolvendo as ações em parceria com assistentes de Educação Infantil, professores regentes e a professora do AEE.
“As crianças com autismo passaram a ser vistas e respeitadas nas suas diferenças e potencializadas nos seus processos. Os profissionais ressignificaram suas práticas, pois com base na escuta e nos indícios de aprendizagem foi possível pensar em estratégias que garantem o direito de aprender e acesso ao currículo. Por sua vez, as famílias ficaram felizes, pois tinham a certeza que seus filhos estavam tendo visibilidade, sendo acolhidos e potencializados nas suas aprendizagens”.
Educadora: Priscilla Castro dos Santos
Escola: CMEI Cecília Meireles
Cidade: Vitória (ES)
Por que o projeto é inovador?
O trabalho traz, como princípio da ação educativa, a escuta ativa, que é capaz de acolher nas suas múltiplas linguagens. Tudo isso possibilita desenhar estratégias de aprendizagem para que todas as crianças sejam respeitadas, incluídas e se desenvolvam no espaço escolar.
Muita formação continuada
Para conceber o projeto, a professora Priscilla estudou bastante sobre práticas pedagógicas e direito e defesa das infâncias, entendendo a criança como um sujeito de direitos, produtora de cultura e protagonista do seu processo de aprendizagem.
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