Morre Patrício Casco, formador da Nova Escola e defensor da educação indígena
Saiba quem foi o educador e conheça sua produção realizada em parceria com a Associação Nova Escola para que seu legado se multiplique
PorNOVA ESCOLA
18/09/2023
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
18/09/2023
Morreu no dia 17 de setembro o educador Patrício Casco Nhandeva. Professor de Educação Física, começou a lecionar em 1982. Patrício atuou com crianças, jovens e adultos, em todas as etapas da Educação Básica, mas tinha como foco de seus estudos e reflexões os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tendo publicado artigos em revistas acadêmicas e livros sobre o tema. Um deles é o “Tradição e Criação de Jogos, Reflexões e Propostas para uma Cultura Lúdico Corporal”, lançado em 2008, pela Editora Peirópolis.
O professor também integrava o Time de Formadores da Associação Nova Escola e já havia atuado anteriormente como professor-autor dos planos de aula de Educação Física, produzidos em alinhamento com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Neste mês, ele finalizava o planejamento de uma formação que será realizada de maneira remota com educadores das redes municipais de Marabá (PA) e Porto Velho (RO). Índigena, Patrício estava animado e orgulhoso do novo projeto, que prevê a produção de um guia de práticas educacionais antirracistas, com foco especial nas populações indígenas, tão presentes nesses territórios.
Sobre sua atuação, ele dizia: “(...) ensina e aprende, diariamente, acerca do movimento de corpos, emoções e pensamentos, tendo a História e a Cultura como paisagem e fundo das ações individuais e coletivas”.
Patrício deixa um legado para a Educação Pública brasileira por meio de planos de aulas que valorizam a cultura e a expressão humana em todas as suas dimensões e que, hoje, chegam a milhares de escolas de todo o Brasil. A seguir, leia um recente relato sobre Educação Indígena escrito por ele.
“A produção e divulgação de material educacional, que permita acessar e valorizar a cultura dos povos originários, é um dever do Estado e um direito da imensa população indígena e negra, irmanadas no processo decolonial. De posse desse conhecimento, podemos nos perceber como protagonistas de nossa história. Aprender a nos ver como indígenas, no sentido de pertencimento a este território. O oposto de alienígenas. Isso requer amplo aprendizado social, cultural e crítico, a ser desenvolvido nas escolas, principalmente, públicas. Há mais de quinhentos anos, a cultura indígena tem sido tratada como inferior, parte do processo de etnocídio, necessário à colonização. O resultado é que, ainda no século 21, a população brasileira tem dificuldade em se olhar no espelho, ver e valorizar o imenso componente indígena de sua base étnica. Mais que pardos, somos indígenas e negros, dentro dos ônibus, trens e metrôs, nas cidades, aldeias e quilombos. Nas múltiplas comunidades de riquezas culturais diversas, em todo o Brasil. Mudar esse quadro de identidade distorcida, é parte de uma profunda revolução educacional, que nos permita nos ver, e à América, com outros olhos, que não o do colonizador europeu. Em razão dessa história, ainda desconhecida, estamos no início da compreensão acerca do valor das culturas nativas. É necessário, urgentemente, até como estratégia de salvação planetária, retirar o véu do espelho, e deixar de ser América Latina, para ser América Indígena. Isso se faz com educação.”
A professora Fernanda Nunes dividia com Patrício o novo projeto de formação da Nova Escola em parceria com as redes de Marabá (PA) e Porto Velho (RO). Abaixo, o depoimento dela:
“Depois da dor do primeiro impacto, muitos pensamentos começam a passar pela nossa mente. Um deles, especialmente, diz respeito ao legado que o Patrício nos deixa. Conheci o Patrício no Programa de Formação de Formadores e naquelas idas e vindas nos grupos das salas virtuais, tive apenas uma oportunidade de estar em dupla com ele. E eu pensei: ‘como deve ser especial trabalhar com esse professor! Espero um dia fazermos uma formação juntos!’ E foi com imensa alegria que recebi a notícia de que iria trabalhar com ele em uma iniciativa em Marabá, no Pará, e em Porto Velho, em Rondônia.
Planejar com o Patrício, não parecia trabalho, era algo leve, embora estivéssemos buscando manter a precisão em cada momento formativo e tivéssemos a preocupação com a seriedade e profundidade das discussões. A serenidade, a humildade e a grandeza de seus conhecimentos se revelavam com doçura e naturalidade. Ele mantinha uma postura respeitosa e acolhedora das opiniões e contribuições que íamos trazendo, mesmo que não fossem tão profundas quanto às que ele já havia construído em sua prática pedagógica sobre a temática indígena.
Hoje consegui revisitar nosso trabalho e quero trazer aqui um trecho de um comentário do Patrício acerca de um dos momentos formativos, para que todos possam conhecer um pouquinho do imenso conhecimento que ele carregava consigo e partilhava de forma muito generosa:
‘A centralidade no aluno também é, em certos aspectos, a centralidade na territorialidade do corpo e da comunidade. O livro de Marcia Kambeba, citado no final do módulo, é bem instigante pois vê o processo educacional de comunidades indígenas como integrado ao ambiente, sem tempo e local determinado, a partir de saberes necessários à vida. O território é professor. Além dessa prática territorial, historicidade presente na oralidade, nos sonhos, nas visões, nas danças, nos grafismos e na estética, são refinados, elaborados e sensíveis. Vejo essa pedagogia das águas, ares e lugares como parte de uma tecnologia educacional futurista e sofisticada, ainda vista por alguns como ‘selvagem’ ou ‘atrasada’ por puro desconhecimento’.
Patrício parte deixando um legado de amor pela educação, pela equidade racial, pelos povos originários do Brasil, pela nossa história e pela nossa origem.
Mas ele deixa, também como legado, a humildade e a serenidade no compartilhamento de saberes (característica de quem compreende a missão do professor para transformar a humanidade) e deixa, além de tudo isso, para mim, particularmente, a importância da necessidade de estudarmos nossas origens num processo de aculturação. Uma vez que eu mesma, descendente de indígenas, muito pouco sei sobre essa parte da minha história também pelo apagamento imposto em nossa sociedade.
A Nova Escola perdeu um formador potente! Mas seu legado permanece!”
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