Carreira docente: 5 aspectos para debater os desafios da profissão
Saúde mental, inadequação docente, formação continuada, atratividade e ingresso na carreira são temas-chaves para compreender a realidade dos professores
20/07/2023
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Jornalismo
20/07/2023
A profissão de professor envolve muitos desafios, como as lacunas na formação inicial, a falta de valorização profissional, a sobrecarga de trabalho, os baixos salários e, muitas vezes, as condições precárias das escolas. Dois estudos lançados no primeiro semestre deste ano buscam entender a percepção dos educadores em relação a diversos aspectos da carreira docente, jogando luz nessas questões.
A “Pesquisa de opinião com professores e professoras de escolas públicas brasileiras”, parceria entre Todos Pela Educação, Itaú Social, Instituto Península e Profissão Docente, ouviu mais de 6,7 mil docentes da rede pública de todo o Brasil sobre temas como satisfação e valorização profissional, progressão de carreira e o papel das Secretarias de Educação.
Na mesma linha, o estudo “O futuro da docência: desafios e percepções atuais sobre a carreira de professor”, da Rede Conectando Saberes, abordou tópicos como rotina e motivação, prática pedagógica, concursos, contratações e estágios. Cerca de 6,4 mil educadores, entre professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escolas públicas e privadas, além de profissionais das Secretarias de Educação, participaram do levantamento.
Com base nesses documentos, a NOVA ESCOLA selecionou cinco assuntos fundamentais – saúde mental, atratividade da carreira, inadequação docente, formação continuada e ingresso na profissão – que estão no centro do debate sobre a carreira docente. Na sequência, professores da Rede Conectando Saberes que estiveram presentes no evento organizado pelo Todos Pela Educação, no dia 1º de junho de 2023, que reuniu organizações do terceiro setor e docentes da Conectando Saberes, para discutir os resultados das pesquisas, comentaram esses temas. Confira a seguir.
Nos últimos anos, sobretudo após o período pandêmico, a preocupação com a saúde mental da população tornou-se um ponto de atenção. Com os professores não seria diferente, principalmente considerando as longas jornadas de trabalho, acúmulo de tarefas, pouco tempo para planejamento e a remuneração muitas vezes insuficiente. Situações como essas, que já faziam parte da rotina dos docentes e foram agravadas pela crise da Covid 19, influenciam a motivação de estar em sala de aula e de continuar exercendo a profissão.
Cerca de 75% dos entrevistados na pesquisa “O futuro da docência", da Rede Conectando Saberes, acreditam que um dos principais fatores que fazem os professores desistirem ou pensarem em desistir da carreira docente está relacionado a questões psicológicas. E número semelhante (71%) admite se sentir estressado no trabalho devido à cobrança excessiva por resultados, segundo o levantamento do Todos pela Educação.
“Hoje, estamos com uma pressão muito grande devido ao déficit de aprendizagem que foi agravado, a (re)aprendizagem de socialização e as cobranças já históricas na carreira docente”, pontua Gláucio Ramos, professor na rede municipal e membro do núcleo de Paulista (PE) da Conectando Saberes.
De acordo com ele, o ambiente de trabalho do professor é insalubre por uma série de fatores, como falta de estrutura e de recursos e problemas de aprendizagem e de comportamento dos estudantes. “Tudo isso colabora para que o professor se sinta sobrecarregado. Antes, essa questão não era olhada, mas a pandemia permitiu que fosse aberto espaço para falar sobre o tema.”
Nesse contexto, o reconhecimento e o suporte emocional por parte da gestão podem ser a chave para prevenir o esgotamento e lidar com a sobrecarga. A “Pesquisa de opinião com professores e professoras de escolas públicas brasileiras” aponta que a principal ação que as Secretarias de Educação devem priorizar nos próximos anos é a oferta de apoio psicológico a professores e estudantes.
“Se o professor não tiver uma válvula de escape, ele surta, ele adoece. Na minha rede, tem docentes pedindo afastamento por adoecimento. A mente é algo muito frágil e, quando você adoece, é complicado o processo de retorno à sala de aula”, completa o educador.
A questão da saúde mental mostra-se fundamental, pois, além de afetar a qualidade de vida do professor, a sua motivação profissional e o próprio processo de ensino e aprendizagem, ela também influencia outros aspectos, como a atratividade da carreira – o desejo dos estudantes de se tornarem professores.
No Brasil, não é uma situação incomum chegar em uma sala de aula da Educação Básica, perguntar aos estudantes quem deseja ser professor e poucos levantarem a mão – ou mesmo nenhum. Como tornar a carreira docente mais atrativa para os ingressantes do Ensino Superior é uma questão que preocupa especialistas e profissionais da área. Os motivos do desinteresse são diversos, como a falta de reconhecimento profissional, os baixos salários e a sobrecarga na jornada de trabalho.
No relatório “O futuro da docência”, 77,6% dos respondentes concordam total ou parcialmente que um dos principais fatores que fazem os professores desistirem ou pensarem em desistir da carreira docente está relacionado aos salários e planos de carreira.
“O incentivo financeiro no começo da carreira é muito importante. Mas, além disso, para atrair bons estudantes – levando em conta que os alunos de licenciatura, em geral, fazem parte das camadas mais populares – é necessário uma bolsa robusta que garanta a permanência e a conclusão do curso”, comenta a professora Rebeca Simões, do núcleo de Recife (PE) da Rede Conectando Saberes.
Em relação à falta de prestígio social e de valorização profissional, a pesquisa do Todos pela Educação mostra que apenas 7% dos docentes consideram que, no Brasil, os professores são tão valorizados quanto médicos, engenheiros e advogados.
Aproximar mais os professores da elaboração de políticas públicas e programas educacionais das redes de ensino pode ser uma forma de desenhar melhor a carreira docente e torná-la mais interessante. É nisso que acreditam 92% dos professores que responderam a mesma pesquisa e sinalizaram interesse nesse tipo de ação. Ao escutar quem está no chão da escola, as necessidades e os gargalos da carreira docente ficam mais claros e facilitam o processo de elaboração de soluções para a reestruturação da profissão.
“Garantir a presença de sujeitos que vivem o ambiente escolar no debate de dados e política públicas é significativo para sabermos quais caminhos devem ser tomados para mediar conflitos e solucionar demandas”, afirma a professora Lília Melo, coordenadora do núcleo de Belém (PA) da Rede Conectando Saberes. “A escuta de nossas vozes é essencial para amenizar nossas angústias e anseios”, reforça.
O comprometimento da saúde mental dos professores e a baixa atratividade da carreira docente levam a um terceiro desafio, que é a falta de educadores em sala de aula. Seja pela inexistência de professores especialistas em determinados componentes curriculares – a chamada inadequação docente – ou pela lacuna na assiduidade de docentes (absenteísmo), esse tem sido um problema enfrentado pelas gestões escolares. Do total de educadores entrevistados na pesquisa da Rede Conectando Saberes, 70,5% declararam que a inadequação docente é frequente na sua escola. Ou seja, há professores alocados em componentes para os quais não possuem formação, pois não tem em seu quadro um docente com aquela graduação.
Isso acende um alerta para um cenário de escassez de professores. O baixo número de formados em licenciaturas compromete o quadro de professores em determinados componentes curriculares, sobretudo da área de exatas e ciências, como Física e Biologia. Quanto menos atrativa a carreira, menos estudantes se mostram interessados em se graduar e, consequentemente, não são supridas as demandas de componentes específicos nas escolas.
Um dos caminhos apresentados na pesquisa “O futuro da docência” seria as Secretarias de Educação contribuírem por meio da melhoria dos mecanismos de alocação dos professores nas escolas. Um exemplo é o uso de sistemas que cruzam dados, de modo que um professor tenha o máximo de turmas na mesma escola ou região e não seja designado para disciplinas para as quais não recebeu formação.
“Sem dúvida, a carência de professores vai ser um problema grave na docência. É mais do que urgente ressignificar esse profissional perante a sociedade para atrair mais profissionais à área”, avalia o professor Gláucio Ramos.
Mesmo depois de o professor já ter passado pela graduação, continuar estudando e buscando novos saberes e atualização profissional é fundamental. Cerca de 94% dos professores concordam que o aperfeiçoamento na prática pedagógica impacta na oferta de melhores condições de aprendizagem para os estudantes e deve contar para a progressão na carreira, de acordo com a “Pesquisa de opinião com professores e professoras de escolas públicas brasileiras”.
A participação em espaços formativos oferecidos pelas Secretarias de Educação e pelas escolas ou em cursos de interesse do próprio profissional contribui para a formação docente e, consequentemente, para a prática pedagógica e a melhoria do processo de ensino e aprendizagem.
Além disso, essas oportunidades são muito valiosas ao permitirem a troca de experiências entre os educadores. Em média, 77% dos professores que responderam à pesquisa do Todos pela Educação dizem ter mais satisfação profissional quando podem dividir com lideranças e colegas as vivências e os desafios da sua prática.
O levantamento “O futuro da docência” traz um ponto positivo sobre esse assunto. Mais de dois terços dos profissionais (72%) concordam que as formações continuadas oferecidas pelas Secretarias de Educação estão relacionadas aos problemas práticos enfrentados pelos professores no dia a dia e costumam ser frequentes (71,0%).
Para a professora Caroline Laino, do núcleo do Rio de Janeiro (RJ) da Rede Conectando Saberes, a construção de uma jornada de formação continuada deve passar pela escuta ativa e a busca coletiva de soluções junto aos professores.
“O docente se percebe devidamente preparado para as várias demandas e adversidades de seu cotidiano por meio da formação continuada. Ao se sentir seguro para administrar uma sala de aula, aumenta seu grau de satisfação com a profissão, o que pode inspirar novos jovens a serem professores”, assinala.
Sair da universidade e iniciar uma carreira não costuma ser uma tarefa fácil. Na docência, é preciso que o profissional se sinta apto e com as ferramentas adequadas, como menciona a professora Caroline, para compartilhar os conhecimentos com os seus estudantes.
No entanto, segundo a pesquisa realizada pelo Todos pela Educação, somente 19% dos professores concordam totalmente que os atuais cursos de pedagogia e licenciaturas estão preparando bem os professores para o início da profissão.
Uma das principais percepções de quem já está em sala de aula é que o contato dos graduandos com a realidade escolar durante a formação é insuficiente. Essa distância prejudica o ganho de experiência durante a graduação e o próprio desenvolvimento profissional.
Além disso, quando esses professores chegam às escolas, muitas vezes eles não recebem o apoio necessário – 56% dos professores afirmam que não tiveram orientação específica em seu primeiro ano de docência, de acordo com o mesmo estudo.
“Precisamos pensar como a prática será desenvolvida por quem está iniciando a carreira, levando em consideração que são necessários convivência e tempo de experiência. E aí está um enorme desafio em alinhar teoria e prática”, conclui a professora Lília Melo.
De modo geral, mesmo diante dessas questões, as pesquisas mostraram que os professores acreditam no poder da Educação e continuam se dedicando e se empenhando para melhorar o processo de ensino e aprendizagem. A pesquisa do Todos pela Educação aponta que oito em cada dez entrevistados concordam que, se pudessem decidir novamente, ainda escolheriam ser professor. E 91% afirmam que perceber que os alunos estão aprendendo é o que traz mais satisfação na profissão.
A percepção dos educadores sobre alguns temas que envolvem a profissão de professor
1. Oferecer apoio psicológico os professores e estudantes.
2. Aumentar o salário dos professores.
3. Promover programas de reforço e recuperação para os alunos.
4. Promover o envolvimento das famílias na vida escolar dos filhos.
5. Melhorar as condições de infraestrutura das escolas.
6. Oferecer mais oportunidades de formação para os professores.
7. Ampliar o uso de tecnologia.
8. Implementar metodologias de ensino inovadoras.
9. Aumentar o tempo que os estudantes passam nas escolas.
10. Aprimorar o processo de seleção, formação e acompanhamento dos diretores.
Fontes: O futuro da docência: desafios e percepções atuais sobre a carreira de professor e Pesquisa de opinião com professores e professoras de escolas públicas brasileiras
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