Professores e diretores: como vencer diferenças e potencializar a parceria
Há desafios para o desenvolvimento de uma boa relação entre gestores e docentes no dia a dia, mas essa colaboração é indispensável para o sucesso da escola
24/05/2023
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Jornalismo
24/05/2023
No final de 2020, uma grande rede varejista se tornou notícia em todas as mídias do país ao desenvolver um programa de capacitação e seleção de trainees exclusivo para pessoas negras. A iniciativa – louvável diante da dívida histórica com o povo preto no Brasil –, no entanto, acabou se transformando no estopim de uma série de acusações de pessoas que se queixavam sobre a existência de um pretenso “racismo reverso” na ação.
Amiga leitora e amigo leitor, cito aqui essas denúncias absurdas não para iniciar um debate sobre algo imaginário como “racismo reverso”, mas, sim, para exemplificar como existem temas que, apesar de serem extensamente debatidos e teorizados, aparentemente não podem ser compreendidos de forma plena por qualquer um.
A filósofa Djamila Ribeiro chama de “lugar de fala” a localização e a posse de um “capital simbólico” que alguns sujeitos possuiriam em meio a variadas discussões. Isso acabaria concedendo “autoridade” a essas pessoas durante um debate permitindo-lhes ter mais propriedade em seu entendimento e sua explicação.
Partindo dessa ideia, é difícil imaginar o desenvolvimento de uma escola com sujeitos que compreendam mais suas regras, organização, currículo, a realidade dos alunos, enfim, sua estrutura em geral, do que os professores.
É fato que, para desenvolver uma escola plural e democrática, faz-se necessária a presença de diversos atores, como alunos, responsáveis, funcionários e também nós, os gestores. Mas penso que poucos terão lugar de fala no mesmo nível que os docentes. Afinal, junto com os estudantes, são eles que dão sentido a qualquer escola.
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Sei que a coluna se chama “Gestão Escolar” e que traz a visão de um diretor debatendo sobre Educação. Mas falo da docência porque, neste mês, iremos explorar a troca com os nossos maiores parceiros cotidianos: os professores.
Salvo algumas raras exceções, o gestor escolar é sempre um professor que se tornou diretor. Partindo dessa premissa, a parceria entre gestores e docentes seria algo natural, correto? Bem, a realidade não é tão simples assim.
Em primeiro lugar porque o gestor, concordando ou não com as diretrizes de suas respectivas redes – nem sempre justas e sensíveis à função e à realidade docente –, passa a ser um representante dela. Isso é inerente ao cargo, pois respondemos pela escola como um todo. Ao fim e ao cabo, é o diretor quem será cobrado diretamente pelo sucesso ou o fracasso de uma unidade escolar.
Além disso, não nos cabe ignorar os direitos e demandas de nossa equipe docente. Porém, ao nos tornarmos gestores, por vezes, precisamos de forma prática modulá-las, quando elas se chocam com os direitos de alunos, funcionários e responsáveis.
Há um ditado antigo que diz que “em casa onde falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”. Citando um exemplo prático, se há falta de professores e a necessidade do atendimento do aluno (dois problemas inversamente proporcionais), o fato concreto é que precisamos organizar a escola, e os caminhos encontrados nem sempre agradarão à equipe docente.
Assim, como em qualquer relação pessoal ou de trabalho, quanto maior a precariedade do contexto (de recursos humanos, de estrutura, de valorização ou desvalorização), maior a possibilidade de haver embates. Nesse sentido, se não nos atentarmos, podemos aos poucos perder nosso lugar de fala como professores. O que é muito ruim.
É ruim porque ninguém conhece tanto os nossos alunos quanto o docente. É ele quem está na ponta. Por isso mesmo, é o professor quem primeiro identifica as carências, as dificuldades e as potencialidades dos estudantes. Também é o professor quem terá as melhores respostas para a formulação de estratégias pedagógicas por estar imerso no cotidiano do aluno.
Estar em uma posição de “chefia” ao nos tornarmos gestores não é e nunca será fácil. E, logicamente, seria muita ingenuidade imaginar que a relação entre professores e professores poderá ser semelhante a de gestor e professores. Assim, como exemplo, em tempos de redes sociais, se houver um grupo paralelo de WhatsApp, é provável que você, diretor, não esteja nele.
Mas, se pensarmos profissionalmente, entenderemos que a escola não funcionará de forma alguma sem essa parceria. Então, o que fazer para ultrapassar as diferenças?
Amiga leitora e amigo leitor, citei a questão da organização do atendimento escolar como um possível ponto de inflexão entre gestores e professores, mas há vários outros aspectos que colocam diretores e docentes em lados contrários todos os dias, como em cobranças que podem ser mais ou menos intermediáveis vindas “de cima”, das secretarias de Educação; no (des)respeito ao um terço da jornada para o planejamento diante da carência de professores, ou até mesmo em momentos em que se faz necessário avaliar os alunos e alguns gestores tentam interferir nas decisões de aprovação ou reprovação.
Mesmo sabendo que todos, em essência, somos professores, estar por tantas vezes em “lados opostos” em discussões cotidianas pode minar um ambiente de trabalho e inviabilizar a parceria. Sabendo disso, e lembrando o quanto esse movimento é indispensável, como poderíamos fazer para tornar possível e potencializar essa relação tão necessária?
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Penso que algumas ações e posturas no dia a dia podem nos auxiliar nesse processo. Então cito cinco pilares que tenho buscado implementar desde 2019, quando me tornei gestor da EM Professora Ivone Nunes Ferreira:
1. Busca incessante pela cogestão
A parceria entre a gestão e os professores só nasce com o desejo permanente de que ela exista. Então, sempre que possível, dialogue com os professores para chegar às decisões da escola. Isso serve para várias situações, desde questões administrativas – como a melhor maneira de utilizar os recursos da unidade escolar – até definições mais simples – como a criação do cronograma de um evento.
2. Quem avalia e tem a palavra final é sempre o docente
A liberdade de cátedra e de avaliação é do professor. Como gestores, podemos e devemos ponderar e argumentar sobre métodos de avaliação de nossa equipe docente. Mas a definição de quem é aprovado ou não é sempre do professor.
3. Transparência nas decisões monocráticas
A velocidade exigida para definições da escola e algumas demandas que chegam sem margem para modificação farão com que a cogestão, por vezes, não seja possível. Quando isso acontecer, é primordial que apresentemos os nossos critérios de forma clara e transparente a todos da escola.
4. Abertura para o diálogo
A parceria entre gestores e professores só ocorre se buscarmos sempre construir coletivamente. Então, criar momentos de troca com toda a equipe torna-se necessário. Assim, se possível, organize um horário semanal de reunião em que todos os membros da equipe possam se expressar, deliberar, enfim, definir os rumos da escola.
5. Reconhecimento e incentivo das ações realizadas pelos docentes
Por fim, o mesmo gestor que é cobrado pelo insucesso da escola é provavelmente o que será lembrado pelo sucesso. Cabe-nos, portanto, sempre incentivar nossa equipe e dar crédito por seu trabalho, especialmente quando este ganha destaque. Nesse ponto, penso que deixei claro que, por melhor que seja um diretor, sua escola só terá bons resultados caso sua equipe docente esteja feliz e motivada para estar ali.
Acredito que o auge de uma gestão participativa, junto aos professores, se encontrará na autogestão. Então, imaginem minha felicidade quando os docentes da Ivone Nunes resolvem problemas, reorganizam horários, auxiliam uns aos outros no planejamento, e eu só fico sabendo depois!
Muito longe de me incomodar, quando isso dá certo, sinto que estamos bem mais próximos de uma parceria de sucesso. Até porque, se consigo compreendê-los e partilhar de suas angústias e demandas, significa que ainda tenho lugar de fala como docente.
Até a próxima. Um forte abraço.
José Couto Júnior é licenciado em História, tem mestrado em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e é doutorando em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Em 2018, foi eleito Educador do Ano pelo Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 13 anos, atua desde 2019 como diretor na EM Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro (RJ).
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