Manifesto por uma Educação Antirracista
Professores, entidades e a Nova Escola uniram forças para construir um texto, em conjunto. Conheça nosso posicionamento e apoie a causa.
PorNOVA ESCOLA
29/05/2023
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
29/05/2023
1. Escola Pública é o lugar da DIVERSIDADE e onde todo o estudante deve ter a oportunidade de aprender. A EQUIDADE é o nosso horizonte.
Desde 1988, a Constituição Brasileira prevê: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa (...)”. O desenvolvimento pleno, na escola pública, passa por entendê-la como um espaço em que todos os estudantes, sem exceção, tenham a oportunidade de conviver e aprender com as diferenças.
2. A Educação Antirracista precisa ser um compromisso institucional do estado brasileiro, com investimento público sério e continuado em políticas de formação de todo profissional da educação.
Municípios, estados e a União têm o dever de promover uma política pública sistêmica para o enfrentamento do racismo na Educação, amparada nos marcos legais, garantindo que eles não fiquem no papel. É necessário institucionalizar (1) o engajamento da gestão pública e de seus principais órgãos (como o Ministério da Educação e as secretarias estaduais e municipais); (2) a formação e o acompanhamento de gestores escolares e professores; (3) a coleta e o tratamento de dados e evidências com recortes de cor e raça, a fim de constituir uma base segura para o debate público e a tomada de decisões; (4) o investimento em ações afirmativas; (5) as mudanças curriculares que contemplem as leis 10.639/2003 e 11.645/2008; e (7) recursos orçamentários suficientes para financiar todas essas medidas.
3. A promoção da Educação Antirracista não pode se constituir apenas da responsabilidade individual de cada educador. Ela deve ser essencialmente um trabalho colaborativo e coletivo.
Embora seja necessário reconhecer o trabalho valoroso, feito de forma individual por educadores comprometidos com a Educação Antirracista, o peso desta tarefa não pode recair apenas sobre os indivíduos. Além disso, o trabalho perde potência e qualidade quando é feito de maneira isolada. É importante construirmos a escola como espaço de formação coletiva, conectada ao seu território e à identidade dos docentes, da comunidade escolar, dos estudantes. Uma escola capaz de buscar soluções coletivas e personalizadas.
4. Retomar os marcos legais é fundamental para sustentar a atuação antirracista nas escolas e remodelar as práticas pedagógicas.
Nos últimos 20 anos, três marcos legais têm contribuído para que a Educação Antirracista esteja presente na escola. São eles, a Lei 10.639/2003 (que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira), a Lei 11.645/2008 (que torna obrigatório o ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais (2004). Retomar esses marcos significa discutir e reconstruir as práticas pedagógicas à luz de seus conteúdos.
5. A formação continuada dos professores precisa integrar a reflexão sobre o racismo - sua formação histórica, formas de manifestação e como afeta a atuação de indivíduos e instituições - e oferecer subsídios para a superação das resistências a este enfrentamento.
Educar para a equidade racial significa admitir que o racismo estrutura nossa sociedade e nossas instituições e é parte da construção da personalidade de cada um de nós. Portanto, significa também a busca pela ruptura de uma estrutura que está cristalizada, sedimentada há mais de 500 anos e que mantém diversos privilégios ativos. É fundamental que a formação continuada de professores esteja atenta a essa realidade para que possa superar uma postura ingênua, que aposta apenas na boa vontade para a promoção de uma Educação Antirracista. Educadores, gestores e a escola para lidar com as resistências e superá-las, a fim de promover avanços em suas comunidades escolares.
6. É preciso repensar os currículos para introduzir e valorizar o ensino de conteúdos sobre a história da África e afro-brasileira e a história indígena.
A escola precisa abrir as portas para que as riquezas e complexidades dos povos negros e indígenas sejam conhecidas e valorizadas por todos os estudantes, e para que as injustiças históricas cometidas contra negros, bem como o etnocídio, epistemicídio e o racismo contra indígenas, não sejam esquecidos. O mote é reformular o currículo para transformar práticas e romper com a desigualdade. Lembremos do mestre Paulo Freire (1921-1997): “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”.
7. A promoção de uma Educação Antirracista requer a participação de todas as pessoas da comunidade escolar.
Há um ditado africano que diz: "é preciso toda uma aldeia para educar uma criança". Portanto, toda a comunidade escolar - gestores, funcionários, educadores, estudantes e familiares - é corresponsável pela promoção de uma Educação Antirracista. Além disso, ações isoladas ou individuais não terão a potência e a qualidade necessárias para esse processo. É importante construirmos a escola como espaço de formação coletiva, conectada ao seu território e à identidade dos docentes, da comunidade escolar, dos estudantes. Uma escola capaz de buscar soluções coletivas e personalizadas.
8. Para tratar, institucionalmente, os desafios em relação ao racismo na escola, é fundamental que a gestão escolar adote medidas para o acolhimento e o encaminhamento pedagógico em caso de racismo, responsabilizando adequadamente os envolvidos.
A gestão escolar assume um papel fundamental na luta antirracista na Educação ao definir protocolos e procedimentos tanto para acolher as vítimas quanto para responsabilizar os agentes que reproduzam o racismo no ambiente escolar. Protocolos e procedimentos precisam assumir a dimensão educativa para que as relações de convívio sejam restauradas e haja oportunidades de superação dos desafios. Além disso, faz parte da gestão escolar uma atuação ampliada e pontes na comunidade escolar e rede de ensino a fim de constituir uma rede antirracista.
9. Os esforços para a construção de uma política antirracista precisam repercutir e tranformar a prática pedagógica cotidiana em sala de aula.
Propor uma Educação Antirracista é um compromisso com transformação social. Neste sentido, é importante que todo o processo de constituição de uma política com esse foco possa envolver todos os atores da educação: desde a alta gestão até toda a comunidade escolar. Mas, sobretudo, é fundamental que as ações e políticas propostas encontrem na sala de aula seu lugar de realização. Por essa razão é tão importante que a proposta de uma ambiência racial para a diversidade passa por olhar para cada conteúdo e ver sob que perspectiva ele pode ser abordado. Cabe se perguntar: essa abordagem reforça algum preconceito ou estereótipo?
10. É fundamental respeitar e promover a autonomia de professores e professoras e das unidades de ensino.
A Nova Escola acredita que o professor e a professora é quem melhor conhece a comunidade escolar em que está inserida. Por isso, apoiamos e confiamos na autonomia docente como um caminho para construir soluções adequadas à realidade local para combater o racismo e garantir a equidade. Assim, cada estudante, visto em sua singularidade, poderá encontrar espaço para desenvolver todas as suas potencialidades.
Contribuíram com a redação desse manifesto:
Professora Gina Vieira Ponte, Distrito Federal, autora do Projeto Mulheres Inspiradoras
Professora Lavini Castro, Rio de Janeiro, idealizadora e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas
Professora Carolina Chagas Schneider, Rio Grande do Sul, fundadora do grupo Canjerê e autora do livro e curso homônimos "Escola para Todos: promovendo uma educação antirracista"
Professora Márcia Mura, Rondônia, escritora e educadora, atua nas comunidades de contexto ribeirinho no processo de recuperação de memória do Povo Mura e de outros povos indígenas
Tatiane Santos, São Paulo, pedagoga e consultora antirracista, especialista em Educação Racial Infantil
Assine o manifesto e apoie a causa.
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