Ataques a escolas: sentir-se em segurança para aprender
Vivemos em meio a um tipo de violência cujo enfrentamento demanda medidas inovadoras que ampliem a segurança, melhorem o clima escolar e promovam a cultura de paz
10/05/2023
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Jornalismo
10/05/2023
Um ambiente escolar saudável, em que as crianças se sintam acolhidas e seguras, impacta positivamente a aprendizagem. Foto: Agência Brasil
Toda criança e todo adolescente têm direito a estar e se sentir em segurança. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza que é dever da família, da sociedade e do poder público “assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Se a segurança física tem relação com o direito à vida, sentir-se seguro conecta-se à saúde emocional e à dignidade. No ambiente escolar, isso está diretamente relacionado a outro direito: o de aprender.
O aprendizado e o desenvolvimento integral demandam que os estudantes estejam em um ambiente acolhedor, no qual confiam, do qual gostam. Diversos estudos apontam a relação positiva entre o clima escolar e o aprendizado.
O clima escolar é um termo que busca sintetizar alguns aspectos que dizem respeito às percepções e relações dentro da escola. Segundo o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), da Unicamp/Unesp, o clima interfere na aprendizagem, pois influencia na dinâmica escolar – e também é afetado por ela.
Em uma publicação de 2017, o Instituto Unibanco, por exemplo, citou três pesquisas que apontam que um clima escolar positivo pode amenizar o impacto negativo das disparidades socioeconômicas no desempenho dos estudantes. Corroborando o potencial de um ambiente de relações saudáveis para a equidade, um estudo do Itaú Social mostra que os estudantes pretos e pardos apresentam mais sofrimento emocional relacionado à escola do que seus pares brancos.
Já esta coluna da NOVA ESCOLA ressalta pesquisas que “relacionam o clima escolar positivo a um melhor desempenho dos estudantes, maior participação profissional dos professores e gestores, assim como à manutenção de um ambiente saudável, promovendo o bem-estar de todos os que na escola convivem”.
De acordo com o GEPEM, entre as dimensões que afetam o clima escolar, estão a forma como a escola faz a mediação de conflitos, como é a participação das famílias e a qualidade da infraestrutura física dos estabelecimentos de ensino. Esses três aspectos foram destacados neste artigo, pois parecem ter uma relação direta com o ponto abordado inicialmente: estar e sentir-se em segurança nas escolas.
Após uma série de acontecimentos recentes de extrema violência em escolas brasileiras, que relembram casos anteriores e não menos chocantes também em nosso país, as redes de ensino se mobilizaram para dar respostas rápidas que gerassem maior sensação de segurança nas escolas. Destaque para o termo “sensação”, pois, como muitas dessas ações não tiveram embasamento em evidências, sua eficácia para de fato combater a violência não pode ser garantida.
Entre as medidas mais citadas nas semanas que se seguiram aos episódios de ataque a escolas, estão a instalação massiva de câmeras de segurança, detectores de metais, segurança armada (de empresas particulares ou policiais) e catracas com reconhecimento facial. Somam-se a isso grades, muros altos e portões com grandes cadeados e correntes, visão já corriqueira de escolas públicas – e que não as torna mais seguras.
Estudos conduzidos nos Estados Unidos apontam que o aumento ostensivo de medidas de segurança nas escolas não coibiu episódios de violência e, segundo educadores, pode impactar negativamente a aprendizagem por se afastar do que se espera de um ambiente saudável e acolhedor.
É legítimo que gestores e comunidade escolar queiram medidas urgentes. Qualquer mãe, pai ou responsável quer ter confiança para mandar seus filhos para a escola – incluo-me nesse grupo. Mas, quando pensamos em políticas públicas, é preciso se basear em duas coisas fundamentais: evidências e diálogo.
Ao fazer essa pergunta, nos depararamos com fatores que estão muito além dos muros da escola. Afinal, a escola é um pedaço da sociedade.
Vivemos tempos em que grupos se organizam pelas redes sociais para disseminar o ódio e propagar a violência, mirando especialmente jovens com baixa autoestima e vulnerabilidade emocional – o Projeto de Lei 2630/2020 (chamado popularmente de “PL das Fake News”), em debate no Congresso Nacional, é uma das ações legislativas que têm tudo a ver com isso. Vivemos o acesso facilitado às armas e também conflitos geracionais que, se antes eram complexos, agora estão muito mais aprofundados pelo rápido avanço tecnológico.
Diante disso, então, não há nada o que fazer nas escolas? Pelo contrário! As escolas são instituições essenciais no combate à violência. Já há muito material sobre como promover a cultura de paz a partir do ambiente escolar – como a cartilha “Recomendações para proteção e segurança no ambiente escolar”, do Governo Federal, e a publicação “Paz, como se faz? Semeando cultura de paz nas escolas”, da Unesco.
LEIA TAMBÉM – Caminhos para promover a cultura de paz nas escolas
Para além da comunidade escolar, as entidades públicas envolvidas com a Educação e a segurança pública também precisam estar articuladas. O enfrentamento da pandemia e o preparo das escolas para as aulas presenciais demandou que Educação e Saúde trabalhassem de mãos dadas para a construção dos protocolos sanitários. O momento, agora, requer o trabalho intersetorial entre Educação, Saúde, assistência social e segurança pública para a construção de protocolos de segurança e fortalecimento da cultura de paz.
Quando falamos de uma escola mais segura, portanto, é fundamental pensar além da questão da infraestrutura específica de vigilância – embora ela também seja importante, desde que baseada em evidências. Criação de protocolos de segurança, trabalho de inteligência policial e monitoramento de grupos de ódio, formação das equipes escolares, promoção de debates sobre violência nas escolas, trabalho voltado à cultura de paz com os estudantes, engajamento e conscientização das famílias, presença de psicólogos – como prevê a Lei nº 13.935/2019 –, por exemplo, também são pontos a serem avaliados.
É fundamental, ainda, que a rede de proteção da criança e do adolescente, que envolve escola, Conselho Tutelar, Ministério Público e Poder Judiciário, esteja integrada e trabalhe de forma conectada com os demais atores institucionais do território para prevenir e agir em momentos críticos de violência.
É essencial o diálogo entre todos esses atores a respeito de quais medidas fazem sentido, quais são viáveis, quais têm maior probabilidade de efetividade e quais podem contribuir com o clima escolar (e não deteriorá-lo).
Com isso em mente, após uma reunião exclusiva sobre esse assunto, o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política de Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) encaminhou ao Governo Federal questionamentos sobre a utilização de recursos para medidas de segurança nas escolas. Ter acesso a recursos financeiros e entender os aspectos técnicos para sua utilização é fundamental para que os gestores da Educação possam fazer investimentos com mais qualidade e participação da comunidade escolar.
Não se pode deixar de lado, ainda, que a imprensa, pilar fundamental do Estado Democrático de Direito, também tem um papel muito importante nessa pauta. Como foi explicado nessa coletiva de imprensa promovida pelo Gaepe-RO, para jornalistas de Rondônia, quem comete atos de extrema violência contra as escolas busca, em geral, notoriedade – o que acaba sendo conseguido com a exposição do agressor na mídia. Por isso, é preciso ter cautela ao comunicar esses acontecimentos, evitando-se, por exemplo, exposição do modus operandi e dos agressores e vítimas, para evitar que aumente a probabilidade de que outras pessoas se inspirem a realizar esse tipo de ataque.
O papel da imprensa no combate à propagação de falsas ameaças e fake news sobre ataques às escolas também foi ressaltado. Outras recomendações sobre a cobertura jornalística desse assunto são apontados em material da Jeduca, associação de jornalistas de Educação.
Encerro este texto com mais um trecho do ECA: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Por isso, sociedade civil, comunidade escolar, gestores e entidades diversas do poder público precisam se unir e pensar em ações de proteção e prevenção à violência nas escolas.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente executiva do Instituto Articule e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP. Foi Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).
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