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Jornalismo

Alfabetização: como analisar a escrita da turma para planejar as atividades

Confira sugestão de atividade de leitura por ajuste para avançar com as crianças que não leem convencionalmente

PorCaroline Rezende

30/01/2023

Foto: Getty Images

O primeiro passo após qualquer sondagem é analisar os registros e a escrita das crianças. Esse é o momento de aprofundar sua percepção e identificar em qual etapa do processo de alfabetização aquele estudante se encontra. Essas informações são fundamentais, e devem ser utilizadas, para planejar as atividades e organizar agrupamentos produtivos.

É importante ter fácil acesso a esses resultados para que em todas as decisões diárias eles possam pautar as escolhas didáticas.

Análise da escrita das crianças em processo de alfabetização

A experiência me ensinou algumas coisas que me auxiliam no momento de investigar e identificar qual foi o pensamento da criança na hora da sondagem.

  • As escritas pré-silábicas podem revelar diferentes saberes, por isso esteja atento aos detalhes. Afinal, entre um grafismo primitivo e uma escrita com letras do próprio nome, muitos saberes foram constituídos, não é verdade?
  • Quando as crianças estão em uma hipótese silábica, geralmente começam a representar cada sílaba com uma vogal, mas é importante saber que o fato de “preferirem” as vogais nem sempre significa que não conhecem as consoantes.
  • No momento da leitura da escrita que a própria criança produziu, as crianças silábicas podem perceber que é possível colocar outras letras. Eles demonstram isso quando param de ler e ficam pensativas com aquilo que acabaram de escrever. Você, professora e professor, pode perguntar se ela quer escrever novamente, por exemplo. Lembre-se: é uma investigação de saberes, e não uma prova.
  • Quem já está em uma escrita alfabética pode escrever em uma mesma lista: “kmizeta”, “jaqeta”, “sapatu”. A compreensão do princípio alfabético não deve ser avaliada pela análise de uma única palavra – é sempre importante analisar a “natureza do erro”. Nesse exemplo, o nome da letra influencia a escrita de CAMISETA (“kmizeta”), até mesmo pelo fato de que as crianças tendem a pensar que a letra C e A juntas representam o som de SA.
  • Leia também: Estratégias para avançar na aquisição da escrita

Leitura por ajuste: sugestão de atividade para crianças que não leem convencionalmente

Cantigas, parlendas, marchinhas de carnaval, poemas, ou seja, textos da tradição oral, que as crianças conhecem de cor, são grandes aliados para trabalhar com crianças que ainda não sabem ler convencionalmente.

Esses gêneros textuais, ao mesmo tempo que asseguram a condição de um desafio no nível de seus saberes, garante “bons problemas para resolver”, a necessidade de “tomar decisões” e de “pôr em jogo tudo que sabem” sobre a escrita, como aponta Telma Weisz no livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem.

Para começar, escolha um texto que as crianças sabem de cor. Dessa forma, elas conseguem dizer ou cantar o que está escrito e fazer essa leitura por ajuste. Você pode tanto imprimir o material quanto escrever o texto na lousa. Depois, solicite que as crianças cantem, no caso de uma cantiga, apontando o que está escrito. Nesse momento, quando as crianças precisarem, valide ou dê pistas para que ajustem a leitura. Por fim, selecione uma ou mais palavras presentes no texto para que localizem.

Se é a primeira vez que faz esse tipo de atividade, é possível que as crianças não consigam ajustar perfeitamente o que se fala com o que está escrito – e está tudo bem! Você pode fazer isso algumas vezes no coletivo, mostrar as partes do texto lendo com eles, modelizando essa ação. Depois, lance o desafio.

Durante a leitura, é possível organizar a turma de diferentes maneiras. Elas podem ficar em duplas, e, enquanto estão na lousa, os demais acompanham. Também pode distribuir uma cópia do texto para os agrupamentos ou trabalhar de forma individual. O importante é que a tomada de decisão esteja vinculada à observação da progressão da aprendizagem da turma, pois é importante lembrar que os diferentes agrupamentos também servem como fator de ajuste de desafios.

Como isso se traduz na prática

Para exemplificar essa sugestão, compartilho uma experiência que tive com minha turma de 1º ano do Fundamental utilizando a marchinha de carnaval Chiquita Bacana.

Comecei escrevendo na lousa um trecho da música e os convidei para cantar. Em seguida, chamei duas crianças para irem até a lousa e ler apontando utilizando um bastão. Em determinado momento, uma das crianças não conseguiu fazer o ajuste da leitura entre o que sabia (oral) e o que estava escrito. Eu sugeri que eles se ajudassem, e, assim, conseguiram seguir em frente.

Cantamos mais uma vez e perguntei onde estava escrito BANANA na letra da cantiga e qual a letra inicial. A dupla respondeu que era no trecho “banana nanica”, e outro colega que acompanhava disse:

Criança: Lá no final! Começa com A, BAAA... igual a primeira letra do alfabeto!

Eu: Olha, alguém está dizendo que começa com A, e parece que é uma das primeiras letras da palavra mesmo. Mas será que não teríamos outra letra boa para esse começo? Será que não teríamos outra que pode ajudar a fazer esse som de BA que escutamos no começo de BANANA?

Como a letra da música estava na lousa, foi um momento em que todos puderam participar e pensar juntos para chegar à resposta. Essa circulação de informação é muito rica e importante para que todos aprendam. Porém, também considero importante que a dupla que está na lousa tenha a oportunidade de refletir antes de os demais “darem as respostas”.

Tanto a dupla quanto o restante da sala ainda estavam com dificuldade, então propus que cantássemos mais uma vez para encontrar a palavra. Ao chegar ao trecho, um deles apontou para BANANA e o outro mostrou NANICA. Nesse momento, eu disse que precisávamos agora decidir em qual das duas estava escrito o que estávamos procurando.

Apesar das minhas intervenções, uma das crianças continuou insistindo em NANICA. Então, quis entender como ela estava pensando para poder ajudá-la a avançar.

Eu: Por que você acredita que aqui está escrito BANANA?

Criança 1: Porque termina com A, BANANAAA.

Eu: Ah, você tem razão, realmente a palavra BANANA termina com a letra A. Mas vamos olhar melhor! As duas palavras terminam com A, não é verdade? (Apontando para BANANA e NANICA.)

Nesse momento, a criança não fala nada, mas comunica com gestos que percebeu que sua justificativa não é suficiente. A dupla conversa sem que eu precise sequer fazer mais nenhuma pergunta. Então, elas respondem:

Criança 1: BANANA começa com B, então tem que ser esta. (Apontando para a palavra certa.)

Criança 2: Ah, é mesmo! Tem outra coisa: esta daqui termina igual começa o nome da professora Caroline. Olhem lá no cartaz. CA, CA… NANICAAA. Aqui está a palavra NANICA, então ali é BANANA!

Parabenizei a dupla e toda a turma vibrou pelo sucesso dos colegas. Dei continuidade à atividade chamando outros estudantes.

Note como foi importante, mesmo em um contexto fora da sondagem, continuar com um olhar investigativo para as atividades do dia a dia. À medida que os estudantes experimentam diferentes situações de leitura e escrita, avançam em suas hipóteses, e essas evoluções devem estar refletidas no planejamento docente.

Agora é sua vez de analisar os conhecimentos dos alunos para preparar atividades e intervenções que os permitam avançar. Até a próxima!

Caroline Rezende é professora alfabetizadora na EE Prudente de Morais, na capital paulista, e mestranda em Escrita e Alfabetização pela Universidade Nacional de La Plata. Também atua como formadora de educadores.

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