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Educação Financeira: utilize planilhas, tabelas e gráficos para recompor as aprendizagens

Entenda como instigar os alunos a pensar em ganhos e gastos da família para estudar as quatro operações, porcentagem, regra de três e outros temas da Matemática

PorBeatriz Vichessi

23/03/2023

Alunos desenhando gráficos.
Crédito: Américo Nunes/Nova Escola

“Meu sonho é comprar um celular, todo mundo da escola já tem um.” “Quero um tênis novo.” “Gostaria de juntar dinheiro e comprar um videogame.” Eram comentários assim que Núbia Soares dos Santos, professora de Matemática da Escola Brígida de Alencar, da rede municipal de Cabrobó (PE), ouvia – e ainda ouve – em sala de aula. Pensando no trabalho que as escolas do município já desenvolvem com Educação Financeira, ela enxergou nas vontades dos estudantes boas oportunidades para aprofundar o estudo de alguns conteúdos matemáticos e ensinar a turma a cuidar da própria saúde financeira – e da familiar também. 

Grande parte dos alunos da turma de Núbia ajudam os pais a compor a renda familiar de alguma maneira, informalmente – alguns recolhendo latinhas e garrafas usadas nos bairros da cidade, outros colaborando na preparação de bolos para venda na rua. Há ainda aqueles que recebem um pouco de dinheiro da família para gastar como desejarem. E, assim, o verbo “comprar” é conjugado nas classes de 6º e 7º ano com frequência e desperta sonhos na meninada. “Já explorei o conceito de Educação Financeira, a ideia de poder de compra. Quando começamos a falar dos desejos de cada um, propus pesquisar o valor de cada objeto que queriam ter”, conta Núbia. A turma ficou surpresa com as cifras, consideradas altas pelos estudantes. “Expliquei que, fazendo um bom planejamento, a vontade de comprar tem mais possibilidade de se concretizar”, fala a professora. 

Realmente, planejar é preciso. Não só para concretizar desejos como para evitar dívidas. Dados do Banco Central mostram que, em novembro, 19,13% dos clientes que usam o chamado crédito rotativo (a parte da conta que não é paga no mês e é empurrada para a fatura seguinte) tinham atraso nos pagamentos entre 15 e 90 dias – praticamente o dobro do que foi visto um ano antes (9,68%). Com esse crescimento expressivo, o rotativo já tem o segundo maior índice de atrasos da série histórica. Só é inferior a maio de 2015, quando 19,18% dos clientes estavam atrasados.

A boa notícia é que fazer o próprio planejamento de finanças, o famoso orçamento pessoal, é um hábito que vem crescendo, ainda que discretamente, entre os brasileiros. Uma pesquisa da Associação Planejar, com pessoas de 16 a 60 anos das regiões Sul e Sudeste do país, além do Distrito Federal, revela que organização financeira, quitação de dívidas, preparação para a aposentadoria, investimentos e compras de bens são as razões pelas quais as pessoas fazem planejamento financeiro. Dos 600 entrevistados em maio de 2022, 64,6% afirmaram fazer planejamento financeiro. Na faixa etária de 45 a 59 anos, 73,3%. Dentre o total dos que planejam, 28,9% recebem alguma orientação – os jovens de 16 a 24 anos são o maior grupo que recebe auxílio (32,3%). Entre as pessoas ouvidas, a maioria planeja com o intuito de organizar suas finanças. Outros objetivos apontados são: evitar fazer dívidas, sair de endividamentos, preparar-se para a aposentadoria (18,6%), investir em renda fixa ou variável, comprar um imóvel e comprar um veículo. 

Mas e quem não planeja? Por que não o faz? A pesquisa da Associação Planejar mostra que 25,2% afirmaram ser por falta de disposição; 14,4%, porque dizem não ter renda suficiente; 13,4% afirmam não saber como fazer; 12,9% por não ter tempo; 9,9% porque não têm dívidas (e 18,3% optaram pela alternativa “não sabe/não respondeu”). 

“Esses números nos mostram que a escola pode ajudar, e muito, os alunos a pensar em dinheiro com consciência, tomando decisões com as quais podem arcar depois. O planejamento, mesmo feito de maneira simples e envolvendo pequenas quantias pelas crianças e os adolescentes, é bem-vindo porque ajuda a desenvolver o hábito de planejar. Conforme o tempo passa e o montante de dinheiro cresce, fica fácil continuar”, explica Fernando Barnabé, professor de Matemática, integrante do Time de Autores e do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, autor e editor de materiais didáticos.

Thiago Viana, professor de Matemática e Tecnologia da EE Luiza Maria Bernardes Nory, em Penápolis (SP), completa: “A organização financeira é uma base para o aluno pensar no Projeto de Vida, no Ensino Médio”.

Professora Núbia explicando a tarefa para os alunos.
Crédito: Américo Nunes/Nova Escola

Gráficos ajudam a acompanhar as metas

Para incentivar os estudantes a se organizar financeiramente, a professora Núbia, de Cabrobó, propôs que cada um registrasse semanalmente no caderno o quanto tinha em dinheiro. E, mensalmente, traçasse um gráfico de barras para comparar o valor guardado com a meta definida para comprar o objeto de desejo. “Por três meses, acompanhei como os alunos calculavam quanto já tinham, quanto tinham ganhado e como representavam isso com os gráficos”, conta Núbia. 

Outra questão importante da professora foi observar como a turma interpretava a representação gráfica. “Eu ficava de olho para entender se eles compreendiam o quanto precisavam ter a mais para chegar à meta e que essa diferença fica aparente se comparamos as barras do gráfico, mês a mês”, conta. A prática de Núbia segue as orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): a leitura, a interpretação e a construção de tabelas e gráficos têm papel fundamental. Ainda é possível (e necessário) ir além, estimulando a turma a produzir textos para comunicar os dados, sintetizando ou justificando as conclusões. 

Muitas vezes, os alunos torcem o nariz para gráficos – isso porque têm dificuldade para decifrá-los e elaborá-los. Conversar com a classe sobre o papel desse tipo de ferramenta, convidando todos para conhecerem e observarem as informações que os acompanham (como título, fonte dos dados e escala), é uma abordagem mais instigante. O professor Thiago, de Penápolis, ainda recomenda romper com os muros da escola e apresentar aos estudantes gráficos e tabelas publicados em portais de notícias e jornais, além de folhetos de vendas de empreendimentos imobiliários e veículos. “A turma passa a entender como a Matemática funciona nas ruas, na vida real, e se interessa em analisar, para além dos dados, outras questões, como a escolha de um tipo específico de gráfico para apresentar determinado tipo de informação”, diz ele.

Organizar um trabalho em parceria com os docentes de Língua Portuguesa potencializa ainda mais a aprendizagem. Os alunos podem ser convidados a analisar a estrutura do texto: quais as informações principais? O que o título do gráfico comunica? As informações estão apresentadas com clareza? Se fosse preciso reescrever o material, como cada um o faria?

Fotografia em ângulo superior mostrando os alunos desenhando gráficos com lápis e cartolina.
Crédito: Américo Nunes/Nova Escola

No computador, fórmulas por trás dos resultados

Estão ficando cada vez mais populares as planilhas para controle de orçamento pessoal e familiar oferecidas gratuitamente por sites e aplicativos de bancos, portais de economia e consultorias financeiras. Por mais sofisticadas que pareçam, elas não deixam de ser planilhas elaboradas no computador, programadas com fórmulas para calcular o valor de entradas e saídas de dinheiro, apontando um saldo final. 

Conversar com os estudantes sobre esses recursos vale a pena para mostrar a eles que algo que parece “funcionar sozinho” tem muita matemática básica por trás, como as quatro operações. Mais do que convidá-los a testar as ferramentas, que tal propor que desvendem os cálculos feitos automaticamente? “Temos o saldo quando fazemos o total em conta menos os gastos, por exemplo”, diz Thiago. A função de primeiro grau e o conceito de porcentagem podem ser discutidos também quando alguém, com saldo negativo, passa a pagar juros ao banco. Quais as contas e fórmulas escondidas nos números apresentados? 

Vamos analisar uma situação: se o saldo devedor de uma pessoa é de R$ 5 mil, e a taxa de juros, de 3% ao mês, a cada mês é cobrado 0,03 sobre o saldo, ou seja, R$ 150 (0,03 x 5.000 = 150). Então, no primeiro mês, o saldo fica negativo em R$ 5.150 (5.000 + 150). No segundo, em R$ 5.300 (5.150 + 150). E assim progressivamente – 150 a mais por mês. Ao representar o saldo no gráfico a seguir, temos uma função de primeiro grau (no eixo Y, vertical, o valor em dinheiro e, no eixo X, horizontal, os meses), com a expressão algébrica que assim pode ser escrita: M = 5000 + 150x (M para montante em dinheiro e x para os meses). Essa é a fórmula que faz a planilha funcionar.

O gráfico representa a expressão algébrica M = 5000 + 150x, demonstrando o quanto o saldo (positivo ou devedor) aumenta por mês, se 3% de juros forem aplicados ao montante de R$ 5 mil.
O gráfico representa a expressão algébrica M = 5000 + 150x, demonstrando o quanto o saldo (positivo ou devedor) aumenta por mês, se 3% de juros forem aplicados ao montante de R$ 5 mil.

Em um cenário positivo, quando as pessoas conseguem guardar dinheiro de maneira fixa, como em uma poupança ou no velho cofrinho, a equação de primeiro grau mostra o quanto vai sendo somado ao que já se tem. Em ambos os casos, é válido pedir que os alunos analisem como será a situação em um futuro a curto, médio e longo prazo: qual o saldo, se a pessoa continuar devedora em seis, 12 e 36 meses? E quanto ela vai conseguir juntar nesses mesmos intervalos, se continuar poupando? “Fazer previsões é muito importante quando falamos em planejamento financeiro. Ajuda a traçar metas viáveis”, diz Fernanda Saeme, professora de Matemática e Tecnologia da EE Professora Ester Eunice de Almeida Faria Oliveira, em Penápolis (SP).

Planilha para calcular e prever gastos para colecionar o álbum de figurinhas do Brasileirão 

A planilha, desenvolvida por Alessandra Hendi dos Santos, formadora de professores do departamento de currículo de Matemática da rede municipal de Curitiba (PR), dá um panorama da compra de figurinhas do álbum do Brasileirão. Os cálculos mostram a probabilidade de gastar mais ou menos, de acordo com as trocas realizadas. O material é interessante para identificar qual é a chance de completar o álbum só comprando as figurinhas e entender que, quanto mais pessoas forem acionadas para fazer a troca das repetidas, melhor, porque gasta-se menos. “A análise é importante para o dono do álbum colecionar de forma consciente, sabendo que é preciso investir muito mais dinheiro para completar a coleção se ele não se empenhar em trocar”, diz Fernando Barnabé. Em sala, ainda vale conversar com os alunos sobre o valor a ser investido e necessidades e vontades deles e das famílias: vale a pena investir no álbum ou em outra coisa mais urgente?

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Planilha para controle de orçamento pessoal 

Refletir sobre o orçamento pessoal vai além de um controle das entradas e saídas de dinheiro. É preciso fazer uma análise mínima dos tipos de despesa que a pessoa tem e identificar os momentos do mês em que a entrada de capital e as despesas acontecem. Lançar mão de uma planilha como a sugerida permite a organização pessoal ou familiar. “A falta de controle orçamentário é um dos primeiros passos para o endividamento crônico, no qual a pessoa faz um empréstimo sem saber bem por que está tão endividada”, diz Fernando Barnabé. Em sala, é possível sugerir que os próprios estudantes criem modelos de planilha para controle e análise do orçamento pessoal e percebam quais são os comandos necessários para uma planilha eletrônica funcionar bem, além das operações envolvidas para verificação de juros e descontos, por exemplo.

BAIXE AQUI A PLANILHA

Alessandra Hendi dos Santos, formadora de professores do departamento de currículo de Matemática da rede municipal de Curitiba, e Fernanda e Thiago, professores em Penápolis, dão sete sugestões para potencializar o uso de planilhas, gráficos e tabelas para controle do orçamento pessoal e familiar na recomposição das aprendizagens:

  1. Apresente aos alunos extratos bancários, daqueles solicitados nos caixas eletrônicos dos bancos, e peça que “desvendem” os cálculos por trás dos números. Como o saldo final é obtido? 
  2. Proponha que os estudantes organizem uma “minipoupança” para ser usada no futuro. Combine um depósito constante (mensal, semanal ou quinzenal) e oriente-os a anotar tudo em uma planilha e projetar, matematicamente, o quanto cada um terá reunido em dinheiro em um mês e até o fim do ano. 
  3. Proponha que cada um investigue em casa, junto à família, os gastos básicos mês a mês: água, luz, gás, celular, aluguel e alimentação. Para que analisem o cenário, oriente a confecção de gráficos para saber: quais os maiores gastos (usando o gráfico de barras ou de setor) e como o orçamento familiar se comporta mês a mês, no decorrer de um período (trimestre, quadrimestre, semestre etc., usando o gráfico de linha). 
  4. Convide a turma a experimentar sites e aplicativos de compras de eletrodomésticos para investigar: como funcionam as compras parceladas? O que acontece se o consumidor paga à vista? E quando opta pelo parcelamento? O que é mais barato? Por quê? Quando se compra em parcelas, por que o preço aumenta? 
  5. Organize os estudantes para pesquisarem sobre o lanche que consomem na hora do recreio escolar: quais são os produtos? Quanto custam na cantina da escola? E no mercado? O que vale mais a pena? Quanto é mais caro comprar na cantina? Converse sobre o uso da regra de três para fazer os cálculos e sobre a possibilidade de economizarem dinheiro caso se organizem e comprem o lanche para levar à escola com antecedência. 
  6. Selecione reportagens que apresentem dados no próprio texto ou em tabelas e peça que os alunos representem as informações em gráficos. Questione-os sobre o tipo escolhido. Faça o contrário também: selecione reportagens com gráficos e peça que a turma transfira os dados para uma tabela. Quais colunas serão necessárias?

Consultor pedagógico: Fernando Barnabé, professor de Matemática, integrante do Time de Autores e do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, autor e editor de materiais didáticos.

Acesse aqui a página especial do projeto Educação Financeira Transforma e conheça todos os conteúdos da parceria entre a NOVA ESCOLA e o Instituto XP.

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