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Jornalismo

Avaliação diagnóstica: como realizá-la no 4º e 5º ano

Conhecer a turma e identificar suas defasagens e potencialidades é essencial para planejar o trabalho pedagógico e possibilitar o avanço de todos os estudantes

PorIngrid Yurie

08/02/2023

Foto: Getty Images

No início deste ano letivo, no contexto da recomposição de aprendizagens, os alunos do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental merecem atenção especial. Isso porque são crianças que podem ter tido o processo de alfabetização interrompido pela pandemia, com condições desiguais de desenvolvimento. Para conhecer a turma que chega e identificar suas defasagens e potencialidades, é central que cada professor realize uma avaliação diagnóstica

Ainda que a Secretaria de Educação execute um diagnóstico, ele capta um cenário mais amplo, importante para planejar políticas públicas e outras ações. No entanto, não oferece dados detalhados para o educador estruturar o trabalho pedagógico para o ano, o que demanda que cada um investigue a sua própria turma. 

Glória Maria Silva Hamelak, que leciona para o 5º ano na EM Professora Fernanda Maria de Alencar Colares, em Fortaleza (CE), aproveita a avaliação da rede para compreender quais são as dificuldades gerais da turma. “Já na avaliação que faço, que acontece no dia a dia, eu me concentro em descobrir a raiz dessas questões”, afirma. 

Esse trabalho diagnóstico se faz ainda mais necessário considerando que, durante a pandemia, as desigualdades nos níveis de desenvolvimento dos estudantes de uma mesma turma foram ainda mais aprofundadas. 

Para a professora Kerly Mariano, que no ano passado lecionava para uma turma do 4º ano na EMEB Professor Carlos Foot Guimarães, em Jundiaí (SP), não bastou avaliar as habilidades do 3º ano. Ela precisou retroceder até o 2º ano para compreender a fundo o desenvolvimento dos alunos. 

“No contexto atual, a primeira preocupação dos professores de 4º e 5º anos deve ser a de entender quantos estudantes não alcançaram a autonomia na leitura e na escrita, bem como os conceitos fundamentais de números, quantificações e operações básicas”, explica Priscila Mello Almeida, educadora que faz parte do Time de Formadores da NOVA ESCOLA. “Essas habilidades serão necessárias para que continuem aprendendo.”

Planejamento da avaliação diagnóstica

Na EMEB Professor Carlos Foot Guimarães, para a realização da avaliação diagnóstica, há uma reunião de planejamento coletivo na qual professores de diferentes anos conversam sobre o desenvolvimento de todos os estudantes. Eles também trazem informações específicas para casos que requerem atenção especial em termos de aprendizagem, comportamento e situação social. 

Com esses dados básicos, o professor já sabe o que precisa avaliar e pode dar concretude à proposta. Fernanda Nicolau Nunes, pedagoga, especialista em alfabetização e membro do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, recomenda que os professores comecem com as habilidades que querem avaliar. A partir daí, eles devem criar perguntas, desafios, projetos ou discussões que permitam ao estudante aprender e, ao mesmo tempo, mostrar sua forma de pensar e agir. 

Para obter resultados que expressem a realidade da aprendizagem dos estudantes, vale evitar questões de múltipla escolha. É preciso dar oportunidade para que eles apliquem seus conhecimentos em diferentes contextos e tenham autonomia para mobilizar habilidades e competências para resolver um problema. “Essa construção deve ficar evidente para que o professor possa compreender as razões dos erros e dos acertos dos alunos”, diz Fernanda. 

Além de analisar o desenvolvimento das habilidades, a avaliação diagnóstica também é uma oportunidade para o professor observar as competências socioemocionais dos estudantes. “Projetos que envolvem problemas reais, debates ligados à vida cotidiana, trabalhos em grupo, jogos e autoavaliações são algumas das melhores formas que encontrei para avaliar as turmas, tanto em relação ao currículo quanto ao comportamento”, destaca a professora Katiene Santos Paes. Até o ano passado, ela lecionava para os Anos Iniciais na EMEB Santa Terezinha, em Coruripe (AL), onde hoje atua como diretora. 

Para a professora Kerly, olhar para os alunos de forma integral, desde as avaliações diagnósticas, transformou sua forma de trabalhar. Ela conta que antes o processo de conhecer individualmente cada um ocorria ao longo do ano, mas que as angústias e o luto que surgiram na pandemia demandam acolhimento desde o primeiro momento. “Se o aluno não estiver bem, não tem como aprender”, reforça.

5 orientações para começar a avaliação diagnóstica

Educadoras entrevistadas nesta reportagem sugerem um passo a passo

1. Saiba o que avaliar

Se precisar de ajuda para identificar o que considerar, o Instituto Reúna disponibiliza gratuitamente os Mapas de Foco. Eles trazem as habilidades prioritárias para os estudantes desenvolverem no ano e os pré-requisitos para trabalhá-las.

2. Garanta mais de um dia para a avaliação

Se ela ocorrer apenas uma vez, pode ser que naquele dia o estudante não esteja bem ou não compareça à escola. O aumento da frequência também ajuda a observar os alunos mais atentamente em cenários diversos e a reduzir a pressão por desempenho.

3. Crie diferentes modalidades de avaliação.

Apenas uma prova escrita não é capaz de reportar as variadas potencialidades e dificuldades dos estudantes, além de não considerar a diversidade de formas de aprender e de se expressar da turma. Alguém pode se sair melhor em um debate oral do que escrevendo, por exemplo.

4. Planeje como os registros serão feitos

Podem ser anotações, fotos, vídeos e as próprias produções dos alunos. Esse material servirá de consulta no momento de planejar o ano letivo.

5. Explique para a turma que as atividades diagnósticas não valem nota

O objetivo não é classificar ou julgar, mas oferecer informações para o professor planejar o ano letivo de forma personalizada para atender às demandas de todos. Essas atividades também possibilitam criar momentos de aprendizado e integração.

Avaliação diagnóstica na prática

Na escola onde Kerly lecionou para o 4º ano em 2022, foram dedicadas duas semanas para a avaliação diagnóstica. No período, a educadora investiu na leitura de fábulas, gênero que todos da turma conheciam. Os alunos fizeram uma leitura com a professora, depois uma leitura compartilhada e então uma silenciosa, bem como ditados e rodas de conversa. Também trabalharam com materiais concretos, ábaco, números, contas e jogos.
Com essas atividades, ela notou que mais de 90% da turma não sabia usar parágrafos nem fazer subtração com reserva. Assim, dedicou uma semana inteira só para trabalhar esses conteúdos e, ao final, fez uma nova avaliação. “Conseguimos avançar bastante ao longo do ano, mas faltou trabalhar os diferentes tipos de fração, por exemplo, o que agora fica para o próximo professor”, afirma. “Fiz questão de garantir que as aprendizagens que eles tiveram fossem significativas. Isso conta mais do que correr com os conteúdos.”

Priscila Mello Almeida, que foi professora do 4º ano em 2022, organizou o registro de sua avaliação diagnóstica em uma planilha – que pode ser acessada no botão abaixo.

Baixe modelo de planilha de avaliação

Ela contém um campo para as habilidades essenciais para o ano e os pré-requisitos que cada questão ou atividade proposta buscou trabalhar e outro para a avaliação de cada estudante. Em vermelho, marca quem ainda não domina a habilidade; em amarelo, quem ainda precisa consolidá-la e, em verde, quem já atingiu o desenvolvimento esperado. 

“Essa forma de organização facilita a visualização do desenvolvimento de todos e de cada um. Também sei quais habilidades estão mais defasadas na turma e, assim, consigo priorizá-las. Conforme avanço e faço novas avaliações, a planilha vai ficando verde e vejo que o trabalho está fluindo”, relata Priscila.

Como usar os resultados da avaliação diagnóstica

Os resultados da primeira avaliação diagnóstica do ano vão oferecer ao professor um retrato da turma e os conteúdos que precisam ser trabalhados prioritariamente. A formadora Fernanda salienta que compartilhar essas informações com os estudantes – longe de um lugar de estigmatização, mas como um plano norteador de desenvolvimento – pode ajudá-los a fazer uma autoavaliação e compreender suas potencialidades e no que precisam avançar. 

A forma de planejar as intervenções vai depender do projeto pedagógico de cada escola e das demandas que surgirem. Podem ser atividades para casa no contraturno, projetos especiais no período letivo ou integrados ao currículo do ano. Promover diferentes agrupamentos produtivos, usando a heterogeneidade da turma a favor da aprendizagem, também pode ser especialmente produtivo. 

“É possível agrupar quem domina uma habilidade com quem está perto de desenvolvê-la, ou agrupar por habilidade a ser desenvolvida, e então propor atividades variadas. O importante é que esses grupos mudem, [que os alunos] se misturem e que não se perca o olhar para cada um dos alunos”, indica Priscila. Ela ressalta a necessidade de os professores trabalharem em grupo para planejar essas atividades e intervenções e contarem com formações e apoio para isso. 

O trabalho colaborativo também pode ajudar na implementação ou no avanço do trabalho com metodologias ativas. Por enfatizarem o protagonismo dos estudantes, elas costumam engajar a turma e promover aprendizagens mais significativas e complexas. 

“É possível desenvolver metodologias ativas mesmo sem recursos tecnológicos. Elas permitem que a turma aprenda algo enquanto fornecem dados para o professor avaliar continuamente o desenvolvimento de todos e planejar as próximas intervenções”, finaliza Fernanda.

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