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Jornalismo

Como ser um professor mais criativo?

Introduzir alguns hábitos na rotina e repensar o planejamento das aulas são ações que ajudam a potencializar a criatividade, além de estimular o pensamento inovador da turma

PorTatiane Calixto

19/01/2023

Foto: Getty Images

Atrair a atenção da garotada acostumada aos estímulos da internet e formar estudantes que consigam inovar ao resolver problemas têm desafiado diariamente o professor a pensar fora da caixa. Mas dá para ir além das aulas tradicionais utilizando poucos recursos? E ter novas ideias na correria do dia a dia? Afinal, dá para desenvolver a criatividade?

Para a professora Adriana Souza, a resposta é sim. Ela dá aulas de Matemática no Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista (BA). A unidade integra a rede estadual de ensino da Bahia e é focada na formação complementar de estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental até a 3ª série do Ensino Médio. 

Adriana explica que as turmas são multisseriadas, e o objetivo da instituição é proporcionar atividades atreladas ao currículo escolar com linguagens e abordagens diferentes das aulas regulares, o que exige uma boa dose de criatividade por parte dos professores. 

O que faz diferença na hora de organizar as aulas, segundo ela, é escutar o aluno antes do planejamento das atividades. Isso possibilita ao professor se aproximar do universo do estudante, ampliando seu repertório e alimentando novas ideias. 

Criatividade para engajar a turma

Um exemplo disso foi o planejamento de uma das suas atividades de Matemática. “Percebemos que os alunos tinham dificuldade com os conceitos básicos de Geometria. Então, pensamos em um projeto para produzir roupas e utilizar esses conceitos geométricos”, conta a professora. A princípio, os estudantes iriam vestir os modelos, mas essa ideia foi descartada por eles mesmos, que preferiram confeccionar looks para bonecas.

Sem linha e agulha, a proposta era criar modelos a partir de figuras geométricas recortadas em malha. Essa foi uma oportunidade de a turma trabalhar temas como formas geométricas planas, simetria, perspectiva e outros conceitos que a professora havia identificado que ainda precisavam de reforço. 

Mas o projeto foi além. “Ao separar as bonecas para a atividade, percebemos que a maioria era loira, de olhos claros e magra”, lembra Adriana. A constatação, feita pelos alunos, serviu de deixa para integrar ao projeto um debate sobre diversidade e padrões de beleza. O assunto rendeu tanto que mais uma etapa foi adicionada para abordar uma discussão sobre bulimia e anorexia, contando com o envolvimento de professores de Ciências. 

Com os looks finalizados, a turma realizou uma sessão de fotos e produziu vídeos curtos de cada produção para compartilhar, via QR code, com todos os alunos do Centro. 

Rotina que incentiva a imaginação

A proposta desenvolvida pela professora Adriana surtiu efeito. A forma diferente de ensinar Geometria, por meio da confecção das roupas para as bonecas, além de reforçar um conteúdo, possibilitou que os alunos debatessem temas que eram de interesse deles, produzissem seus próprios modelos e compartilhassem conhecimento. 

Porém, para chegar a esse resultado, ela diz que foi e continua sendo importante se permitir a liberdade de criar e, ao mesmo tempo, dar a mesma possibilidade para os alunos. “Para ser mais criativo, é bom ter um olhar curioso, perguntar, pesquisar, vivenciar experiências novas e tentar mudar a rotina. Isso porque, tenho certeza, a criatividade se desenvolve também nessas pequenas coisas.” 

Luciane Bonamigo Valls, psicóloga, professora e consultora educacional na área de criatividade, também compartilha dessa ideia. Ela afirma que ser criativo não é um dom, mas uma habilidade que pode ser desenvolvida e potencializada. 

Autora do livro Criatividade contagiante – Como a escola pode nutrir o pensamento criativo, publicado pela Editora Voo, ela explica que, quando estimulamos o cérebro a pensar em múltiplas opções e a gerar alternativas mais incomuns, estamos favorecendo a criação de novas conexões cerebrais e fortalecendo a flexibilidade mental. 

Mas existe um porém. “Pensar e agir de forma criativa exige muita energia mental. Portanto, nosso cérebro vai preferir repetir padrões e seguir caminhos neurais já conhecidos, agindo de forma mais automatizada”, detalha. O segredo, aponta ela, é exigir mais do que o cérebro está disposto a entregar espontaneamente. “Precisamos ir além e seguir pensando: de que outra forma eu posso fazer isso? E se eu fizer algumas modificações nessa ideia? E se eu usar uma alternativa que eu já conheço, mas que nunca foi utilizada nesse contexto?”

5 estratégias para ser mais criativo

Não existe receita de bolo, muito menos quando se fala em criatividade, mas a psicóloga Luciane Valls dá algumas dicas para potencializar essa habilidade:

1. Não se contente com a primeira alternativa que surgir. A criatividade se beneficia da quantidade de ideias. Desafie-se a seguir buscando mais e mais opções.

2. Use sua capacidade de observação e sua curiosidade para adquirir informações variadas, aprender novas habilidades, explorar locais desconhecidos, conhecer pessoas diversas. Esteja aberto a novas experiências e amplie seu repertório. Para ser criativo, a gente precisa ter “matéria-prima” para criar.

3. Experimente fazer coisas já conhecidas, mas de um jeito novo. Você não precisa fazer tudo totalmente diferente do que fazia antes, mas pode criar pequenas modificações. Que tal pegar o planejamento de uma aula que você já deu e mudar 20% dele?

4. Aprenda a tolerar algumas incertezas. Sempre que tentamos algo pela primeira vez, não temos o controle do que acontecerá. Para ser realmente criativo, você precisa aceitar correr alguns riscos.

5. Brinque. Divirta-se. Nossa criatividade se beneficia de momentos em que estamos mais leves e descontraídos.

Caminhos para uma aprendizagem criativa

Levar aulas criativas, além de engajar a turma, também é uma forma de estimular e desenvolver a imaginação dos alunos. Essa é uma habilidade importante, principalmente em uma sociedade que lida com um número cada vez maior de informações e passa por rápidas mudanças. Tanto que, no ano passado, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) trouxe, pela primeira vez, um teste cognitivo de pensamento criativo para identificar a capacidade dos estudantes de 15 anos nessa área. 

Nesse contexto, a professora e especialista em Educação Débora Garofalo ressalta a importância de ajudar o aluno a trabalhar de forma colaborativa, incentivando a inovação e estimulando que ele pense diferente. “O professor precisa olhar para seu planejamento e pensar em oportunidades para envolver a criatividade. Para isso, ele pode usar uma abordagem diferenciada de ensino, as metodologias ativas.” 

Assim, o trabalho deve girar em torno do protagonismo dos estudantes com propostas baseadas na resolução de problemas, que estimulem a aprendizagem entre pares e por meio de projetos. Outra forma é pensar em filosofias diferenciadas, como a cultura maker, que incentiva a criatividade por meio de projetos mão na massa, que podem ser analógicos ou com recursos digitais. “Precisamos fomentar essas soluções criativas dentro do processo de ensino-aprendizagem dando a oportunidade de ressignificar esse currículo que temos hoje, que ainda é muito pautado no método tradicional, e oferecer possibilidades para que se aprenda de maneira significativa, com qualidade e equidade”, orienta Débora. 

Verônica Gomes dos Santos, coordenadora da área de adoção sistêmica da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC), alerta que trazer uma aula criativa não garante que os alunos tenham uma aprendizagem criativa. “Quando o professor pensa em uma atividade diferente, dinâmica, é ótimo porque ele está indo além da aula tradicional. Mas, para trabalhar uma aprendizagem criativa, ele precisa pensar no espaço que o aluno tem para construir, criar”, destaca. Essa criação pode ser o resultado de diversos trabalhos. “Pode ser algo mão na massa ou a construção de uma poesia. O importante é que o estudante tenha o momento de produzir algo autoral, de ter voz.” 

Experiência antes da explicação

Segundo Verônica, pensar momentos para o aluno criar, levantar hipóteses, errar e inovar é o centro do processo de aprendizagem criativa. E mais: uma forma de potencializá-lo é inverter uma sequência comum na sala de aula. 

“Em vez de iniciar a aula apresentando o conceito, estimule a turma a criar algo. Repense o espaço físico para permitir trocas, e não impeça que elas aconteçam”, sugere a coordenadora. É isso que abre portas para que o estudante possa pensar por ele mesmo e buscar caminhos diferentes para encontrar soluções. Depois, a explicação vai ajudar a consolidar e organizar os aprendizados. De forma simplista, pontua Verônica, a aprendizagem criativa provoca o aluno a construir algo para internalizar o conhecimento. 

É claro que bons e diversos materiais ajudam a alcançar esse objetivo. Mas, sem planejamento e o aluno como protagonista, eles não são suficientes. E mesmo as ferramentas digitais precisam estar integradas a esse propósito. “É interessante que o professor não precisa exatamente saber usar o TikTok, por exemplo. Mas tem de conduzir o processo com intencionalidade pedagógica, aprendendo, aliás, o funcionamento do aplicativo com o próprio aluno, permitindo, mais uma vez, que o estudante seja protagonista”, reforça. 

Boas perguntas e problematizações são trunfos para a criação de experiências de aprendizagem engajadoras, conectadas à vida e que incentivam o desenvolvimento da criatividade dos estudantes. O professor pode se lembrar de uma atividade que iniciou pela explicação e pensar em como ela ficaria se tivesse começado pela parte prática. “E uma pergunta que sempre deve ser feita é: como é possível desenhar uma prática docente para potencializar oportunidades de criação por parte dos alunos?”, conclui a coordenadora.

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