Direito à Educação: a promessa do presidente eleito
Garantir a articulação e a cooperação da União com os estados e municípios será fundamental para o enfrentamento dos desafios e desigualdades educacionais, sociais e econômicas
17/11/2022
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Jornalismo
17/11/2022
Uma das promessas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, ao longo de sua campanha e no discurso de posse, é que já em janeiro de 2023 irá se reunir com os governadores para ouvir quais as prioridades para Saúde e Educação em seus respectivos estados.
Esse diálogo é mais do que necessário, e seu anúncio gera grandes e positivas expectativas em relação ao apoio técnico e financeiro da União aos entes federados – como prevê a Constituição Federal, mas que, durante a última gestão, faltou. A disposição em retomar a participação da sociedade civil organizada também é necessária e bem-vinda.
Não há espaço, tempo ou recursos para trabalhar com visões parciais do que precisa ser feito. Dentre os entraves que têm de ser enfrentados, temos questões que envolvem todos os Poderes, órgãos fiscalizadores e a sociedade civil. Na última coluna, abordei alguns desses desafios e citei exemplos de como eles envolvem diferentes setores.
A articulação e a cooperação entre esses atores será fundamental para o enfrentamento desses problemas e para a redução da desigualdade social – que foi ampliada pela pandemia e pela crise socioeconômica atual.
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgados em setembro de 2022, 2 milhões de crianças e jovens de 11 a 19 anos deixaram a escola antes de terminar a Educação Básica. Desses, entre os mais ricos, o percentual de abandono é de apenas 4%, enquanto, entre mais pobres, 17%.
Já no início da trajetória escolar, houve uma queda de mais 650 mil matrículas de crianças de zero a cinco anos na Educação Infantil entre 2019 e 2021 – um efeito provavelmente causado pela pandemia e que precisa ser revertido com mais investimento em busca ativa, qualidade da oferta e expansão, especialmente de creches. Ao mesmo tempo, vivemos um corte de 80% nas verbas para obras nessa etapa entre 2018 e 2021, segundo levantamento da Folha de S.Paulo.
Não faltam evidências sobre o impacto da Educação para o desenvolvimento social e econômico do país. Recentemente, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) publicou mais uma prova de como a Educação, sozinha, não é capaz de reduzir a desigualdade, mas tem papel fundamental nesse processo. O estudo mostrou que 22,5% dos casos criminais de jovens poderiam ter sido evitados com o combate à pobreza – entre os aspectos ligados à pobreza, consta a falta de acesso à Educação de qualidade.
Por isso, além dos desafios educacionais, o necessário diálogo entre os poderes públicos e a sociedade civil precisa levar em conta a situação social e econômica da população em idade escolar e suas famílias.
Quantas crianças e adolescentes estão fora da escola e qual a sua situação familiar, social e econômica em cada localidade? Qual o retrato de aprendizagem e das políticas de recomposição? Como está a infraestrutura, o transporte e a merenda escolar? Os conselhos de educação e de acompanhamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) estão alinhados, bem informados sobre as mudanças no financiamento da Educação? Quais as necessidades em relação à formação continuada dos professores? Como está sendo tratada a Educação Inclusiva e a inadiável pauta da Educação Antirracista? Essas são algumas das questões que precisam ser respondidas para que possam ser definidas as prioridades a serem trabalhadas para garantir a efetivação do direito à Educação.
Uma conversa entre União e entes federados deve ser conduzida levando em conta o repertório de cada estado – ou seja, quais foram suas experiências, o que deu certo, o que deu errado, qual o diagnóstico e quais soluções são entendidas como prioritárias. Para que haja um diagnóstico mais claro e completo a respeito do contexto de cada território, antes mesmo de se levarem as demandas ao governo federal, faz-se importante a participação das instituições e da sociedade civil.
Nos estados que contam com o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação (Gaepe), por exemplo, já há um diagnóstico sobre os principais desafios que precisam ser enfrentados. Juntos, gestores e conselhos de Educação, órgãos do Sistema de Justiça e do Controle Externo, entidades representativas de prefeitos, legislativo e a sociedade civil têm trabalhado incansavelmente para encaminhar soluções. O que se espera, agora, é que a aproximação do governo federal resulte em apoio no aprimoramento, implementação, avaliação e manutenção das políticas entendidas como necessárias – especialmente no aspecto financeiro.
Além disso, as discussões devem incluir o olhar para o futuro de novas políticas públicas. Viveremos, em 2023, o segundo ano das ações de recomposição de aprendizagens, o segundo ano da implementação do Novo Ensino Médio e a ampliação do ensino em tempo integral. O apoio do governo federal pode ajudar a potencializar e equalizar essas mudanças, para que estudantes de um estado não venham a ser prejudicados em relação aos demais.
Esperamos que o novo governo possa olhar com prioridade para a Educação e para as políticas públicas fundamentais para a redução da desigualdade social, da fome e do desamparo que acomete milhões de pessoas no Brasil. Que possa assumir o seu papel constitucional e republicano de articulador e colaborador com os estados e municípios, em prol da população. O avanço requer união de esforços, e não há tempo a perder. O futuro da nação depende disso.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente executiva do Instituto Articule e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP. Foi Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).
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