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Jornalismo

Interpretação de texto: intervenções para garantir o avanço da turma

O cuidado metodológico ao organizar essas ações deve dialogar com as diversas áreas do conhecimento, abrindo, inclusive, oportunidade para um trabalho interdisciplinar

PorAna Cláudia Santos

20/09/2022

Foto: Getty Images

Nesta época do ano letivo, começamos a perceber os sinais de que nosso caminho trilhado em sala de aula já vai alto, não é? Ainda assim, há tempo para avaliar avanços ou retrocessos e realizar intervenções a partir dos resultados das provas diagnósticas, tão comuns neste momento.

É a oportunidade para observarmos se nossos alunos são capazes de cumprir seus objetivos comunicativos e suas intenções interlocutórias, sendo nosso ponto de intersecção a compreensão e a produção de textos diversos, assim como a análise linguística a partir da utilização eficiente dos recursos expressivos da língua.

Assim, ao pensarmos e planejarmos as aulas de Língua Portuguesa, passamos a ver o texto como nosso ponto de partida e de chegada em um constante intercâmbio entre nossos alunos e suas capacidades de uso dos recursos linguísticos adequados às situações do cotidiano.

Nesse contexto, se descortina para eles a necessidade de apropriação de forma consciente dos ditos e dos não ditos pelos interlocutores. Avaliar como se saem nos orienta sobre possíveis problemas, permitindo-nos redefinir estratégias para mais eficiência na interação entre o estudante e os saberes necessários à constituição de sua competência discursiva. E é aqui que podemos nos deparar com habilidades que não foram consolidadas e que precisam de uma intervenção pedagógica.

A capacidade, por exemplo, de inferir uma informação implícita ou identificar o tema ou o assunto global do texto e até mesmo reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra muitas vezes não é consolidada. Isso dificulta os procedimentos de leitura, a compreensão das relações entre os textos de suportes e gêneros distintos e até as intenções do enunciador.

Interpretação e contexto linguístico

Entendemos que a leitura e a produção de textos abarcam uma diversidade de possibilidades de outras composições nos mais diversos campos de atuação de nosso aluno. Partimos, então, da ideia de que o cuidado metodológico ao planejarmos nossa intervenção pedagógica deve dialogar com as diversas áreas do conhecimento. Já parou para observar o comportamento dos alunos diante de novas palavras? Como eles atribuem sentido a elas considerando suas vivências?

Assim, que tal provocar sua turma e conduzi-la a uma reflexão sobre os sentidos possíveis de palavras do poema O Jaguadarte? Escrito por Lewis Carroll, o texto está no livro Alice no País das Maravilhas, publicado em 1865. Fale um pouco sobre o poema e evidencie o desconcerto que esse texto provoca porque, apesar de criar palavras – pintalouvas, por exemplo –, preserva um sentido que conseguimos entender no contexto. Discuta como os termos podem ser categorizados e que, mesmo desconhecendo seu significado, conseguimos fazer analogias quanto aos critérios semânticos, morfológicos e sintáticos. Peça que atribuam sentido ao texto lido, socialize as possibilidades de interpretação e reforce, por fim, o valor que as palavras têm conforme o contexto em que são usadas.

A consulta ao dicionário é uma estratégia que nos permite confrontar as acepções apresentadas em um verbete com elementos textuais que possibilitam a compreensão de termos e expressões, promovendo mudanças no trabalho com os contextos linguístico e situacional. Intervenções intencionais contribuirão para que o aluno desenvolva sua capacidade leitora, construindo sentido a partir das informações contextualizadas. A exemplo do que podemos ler no Dicionário de humor infantil, de Pedro Bloch: “Quando a gente vive, a gente existe. Quando morre, a gente desiste”. Aprender a ler textos e contextos é não desistir. É viver construindo sentidos para o que existe em nós e ao nosso redor.

Por isso, explore os múltiplos significados das palavras, nos sentidos literal e figurado, e utilize fontes diversas para inspirar a construção de significado e novas informações. Por meio da obra de Bloch é possível investigar os implícitos textuais, identificar as marcas de humor e inferir conceitos vivenciados socialmente ou sobre as interações que ocorrem por meio da linguagem. Se julgar adequado, professor, retome os critérios semânticos, morfológicos e sintáticos abordados anteriormente, compare com as definições trazidas pelos dicionários convencionais e proponha a criação de verbetes a partir das experiências individuais.

Intervenção interdisciplinar

Com base nas habilidades trabalhadas em sala de aula, podemos desenvolver metodologias diversificadas e interdisciplinares que auxiliam o fazer pedagógico e potencializam a aprendizagem, buscando formas de entendimento que podem agregar aspectos cognitivos e o desenvolvimento socioemocional dos estudantes, estabelecendo mecanismos de identificação e correlação didática.

Uma das formas de utilizar o ensino da língua materna para envolver saberes diversos é a utilização de glossários baseados em conceitos retirados de livros didáticos, artigos ou do próprio dicionário. Essa estratégia de ensino é usada pelo meu colega professor de Ciências Leandro Lamounier Camargo. Ele orienta seus alunos a identificar os termos de seu componente curricular utilizando o material didático como fonte de consulta para encontrar os significados compatíveis com os temas abordados ao longo das aulas, sendo necessário analisar o contexto programático para encontrar um conceito adequado.

Depois de elaborar e registrar os conceitos, os alunos participam da correção dos termos, verificando quais dados foram descritos de forma correta e quais poderão diferenciar conceitos atribuídos a outras expressões, como verificado no dicionário ao realizar uma pesquisa ortográfica. A compreensão do tema envolve a articulação de diversas perspectivas e conceitos e a progressão e o encadeamento de ideias. Uma abordagem reflexiva sobre a aplicação de termos e expressões em contextos distintos é um percurso que permite a descoberta de particularidades da escrita e a pluralidade de leituras e sentidos em relação a um mesmo texto. Compreender e atribuir significado é uma proposta de intervenção que certamente facilitará o trabalho desenvolvido nas diversas áreas do conhecimento. É a esperança, ou seja, “é um pedaço da gente que sabe que vai dar certo”, como diria Bloch.

 

Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.

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