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Jornalismo

Três escolas brasileiras são finalistas de prêmio que vai escolher as melhores do mundo

Compromisso com uso de tecnologias para o enfrentamento de problemas sociais e ambientais, com a Educação de familiares de alunos e com a gestão democrática destacaram as três instituições públicas brasileiras em premiação internacional

PorBeatriz Vichessi

09/06/2022

EMEB Professora Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), é uma das finalistas do Prêmio Melhores Escolas do Mundo, promovido pela T4 Education em parceria com a Fundação Lemann e a Templeton World Charity Foundation. Foto: Divulgação

Imagine uma escola que promove o desenvolvimento do pensamento científico, crítico e criativo dos estudantes sair do papel e se tornar algo real, prático e concreto, indo muito além das aprendizagens da turma. Imagine também uma escola que leva ao pé da letra a valorização da investigação das causas, a elaboração e o teste de hipóteses, a formulação e a resolução de problemas e a criação de soluções, inclusive tecnológicas. E mais: pense em uma escola que tem como abordagem pedagógica voltar-se para problemas sociais do entorno e valorizar a empatia. 

Pois é assim que funciona o cotidiano na ETE Professor Agamenon Magalhães (ETEPAM), escola de Ensino Médio localizada na capital pernambucana. Por lá, tecnologias e questões sociais e ambientais enfrentadas pela comunidade local desafiam e inspiram os estudantes a aprender cada vez mais e desenvolver soluções.

“Todos os professores se empenham para criar um cenário educacional que promova os valores sociais, a empatia, a criatividade e o desenvolvimento profissional e científico por meio de projetos que façam a diferença na vida das pessoas”, diz Eraldo Martins Guerra Filho, professor da ETEPAM que leciona Empreendedorismo, Projeto Integrador e Cultura do Mundo Digital. 

Este ano, a ETEPAM é uma das três instituições brasileiras que estão na honrosa lista das escolas finalistas do Prêmio Melhores Escolas do Mundo, promovido pela T4 Education em parceria com a Fundação Lemann e a Templeton World Charity Foundation.

A premiação celebra escolas do mundo inteiro pelo papel fundamental no desenvolvimento da próxima geração de alunos e por sua enorme contribuição para o progresso da sociedade, especialmente durante a pandemia de Covid-19. Dentre as 50 finalistas atuais (dez em cada uma das cinco categorias: Colaboração Comunitária, Ação Ambiental, Inovação, Superação da Adversidade e Apoio para Vidas Saudáveis), três são brasileiras: a ETEPAM, em Recife, a EM Evandro Ferreira dos Santos, em Cabrobó (PE), e a EMEB Professora Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS). A seguir, conheça mais a respeito delas e de seus projetos.

Em outubro deste ano, elas passarão por uma nova seleção para que sejam escolhidas três em cada categoria, chegando ao total de 15 na etapa última etapa. A organização do prêmio promoverá então uma votação para que sejam eleitas as cinco melhores escolas do mundo, uma em cada categoria. Elas dividirão igualmente o prêmio de 250 mil dólares. 

“Lançamos o Prêmio Melhores Escolas do Mundo como uma solução para ajudar a construir uma mudança sistêmica necessária. Ao contar histórias de escolas inspiradoras, que estão transformando a vida dos alunos e fazendo a diferença nas comunidades, ajudamos a compartilhar suas melhores práticas e fazer com que suas vozes sejam ouvidas com prioridade para ajudar a transformar a Educação”, diz Vikas Pota, fundador da T4 Education e do World's Best School Prizes.

Empreendedorismo social dá o tom

Na ETEPAM, os alunos são convidados a se dedicar a programas que incentivam o empreendedorismo e valorizam a responsabilidade social. Na prática, isso quer dizer que eles são desafiados a criar e construir equipamentos criativos e a desenvolver softwares de computador para solucionar alguns dos maiores problemas enfrentados pela comunidade local. Essa proposta também colabora – e muito – para a queda dos números de evasão estudantil. 

Eraldo, professor da escola, é o responsável pelo programa Life Up, projeto apresentado ao prêmio. A iniciativa funciona desde 2010 como um workshop de empreendedorismo social que já deu origem a inúmeros projetos que abordam os problemas mais urgentes da comunidade. “Queremos que nossos estudantes aprendam habilidades como empatia e comunicação para que eles se tornem mais preparados para a sociedade”, diz. Além disso, na ETEPAM, gestão escolar e professores estão sempre com o olhar voltado para manter um ambiente educacional interativo, no qual os estudantes possam aplicar, de forma colaborativa, o conhecimento acadêmico com um propósito social e não evadam.

O primeiro desafio proposto pelos próprios alunos participantes do Life Up foi pensar o que fazer com as sobras de coco do comércio da região, descartadas inadequadamente, o que atraía escorpiões, baratas, ratos e mosquitos. A solução encontrada foi a reutilização das fibras para fazer um tipo de tijolo ecológico, o construcoco, para melhorar a condição dos moradores de casas de palafitas. Tempos depois, o grupo desenvolveu o Carpet of Life, um cobertor biológico (biomanta) para resolver uma questão de assoreamento de rio. Outro projeto é o software Cangame. A inovação ajuda estudantes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) a estudar. Desde o lançamento, o Cangame já foi usado em 23 países e tem ajudado pessoas com TEA que têm dificuldades para falar e se comunicar. 

Ninguém fica sem aprender

Em Cabrobó (PE), no sertão do São Francisco, a EM Evandro Ferreira dos Santos investiu em uma ação sensível e significativa para ajudar a melhorar a vida dos familiares dos alunos e, consequentemente, destes últimos também. 

Diante do cenário de dificuldade com os estudos que os estudantes enfrentavam, descobriu-se que seus pais pouco ou nada podiam ajudá-los a fazer as tarefas ou incentivá-los a seguir estudando. Isso porque eram adultos que pouco – ou nada – tinham frequentado os bancos escolares. Portanto, eles não conseguiam se envolver com os estudos dos filhos nem ajudar nas lições de casa. Muitos familiares inclusive precisavam usar a impressão digital para assinar documentos oficiais da escola, já que nem sabiam escrever o próprio nome. 

Foi organizado então um projeto para que eles aprendessem a ler e escrever. Primeiramente, o foco da escola foi na educação das mães. Elas foram convidadas a frequentar aulas, mesmo muitas delas acreditando ser tarde demais para mudar de vida. No final de 2021, mulheres que antes não sabiam escrever o próprio nome conseguiram assinar documentos e passaram a se comunicar participando de grupos de estudo do WhatsApp.

A escola é de todos e para todos

Até 2012, a EMEB Professora Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo, era conhecida na cidade como uma escola fraca, alvo de depredações constantes, com altas taxas de reprovação e evasão e um clima marcado pelo desrespeito dos alunos com os professores. Hoje, esse cenário faz parte do passado. “Estudantes, professores, gestores, funcionários e comunidade escolar se orgulham do perfil democrático que permeia salas de aula, corredores e todos os outros ambientes”, fala Joice Lamb, coordenadora pedagógica da Adolfina.  

Todos passaram a se sentir pertencentes, valorizados, respeitados e se tornaram atuantes na vida escolar depois que foi implementada uma pequena Comissão de Gestão Democrática em 2013. Pais e alunos foram procurados por essa equipe para conversar sobre as mudanças que queriam ver na instituição. A Comissão é renovada anualmente. “Partimos do princípio de que, se a escola tem problemas, as soluções estão dentro dela”, diz Joice. A ideia da gestão democrática foi apresentada inicialmente para os professores por ela e pela então vice-diretora, Andrea Zimmer, que é a atual diretora. 

Tendo sido implantado o modelo de gestão democrática na Adolfina, todos os alunos, familiares e funcionários começaram a participar de assembleias mensais, a fim de levantar temas a serem discutidos como pedidos de compra de livros para biblioteca, solicitações para conversar e aprender mais a respeito de questões de gênero em sala de aula e demandas de melhorias na infraestrutura escolar. Depois disso, os representantes se reúnem com a Comissão de Gestão Democrática para analisar os pontos apresentados e discutir soluções. Essa comissão avalia então quais propostas são possíveis, o que será prioridade e como a solução será realizada. Anualmente, também é feita uma conferência com toda a escola para resolver as maiores demandas. 

Os estudantes são sempre convidados a votar nas assembleias e nas conferências, podendo pedir a palavra para criticar, complementar ou alterar as propostas apresentadas – de forma respeitosa, empática e segura, é claro. “Todas as vozes são respeitadas”, conta Joice. 

Como está acontecendo em muitas escolas pelo mundo, depois de tanto tempo sem aulas presenciais por causa da pandemia, alguns problemas voltaram a aparecer na escola, como questões de indisciplina, revelando um leve revés no modelo da gestão democrática – natural depois de tanto tempo sem convivência, de acordo com Joice. Os alunos mais velhos, acostumados com as práticas participativas e democráticas, saíram da escola, e os mais novos, por conta do isolamento, não tiveram oportunidade de vivenciá-las. “Nada que não estejamos empenhados em reconstruir, pois temos uma base forte”, diz a coordenadora.

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