O hip-hop das ruas chega às aulas
Alunos descobrem movimentos corporais e conhecem elementos da cultura urbana
PorFernanda SallaSophia Winkel
01/07/2014
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Jornalismo
PorFernanda SallaSophia Winkel
01/07/2014
Formado pelo rap, grafite e break, o hip-hop saiu da marginalidade e hoje conta com nomes brasileiros de sucesso no cenário mundial, como os irmãos grafiteiros Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS. Apesar disso e de fazer parte da vida de muitos alunos, ainda é visto com preconceito na escola. A professora Mildred Aparecida Sotero, no entanto, identificou o potencial dessa manifestação artística para desenvolver aprendizados da área de Educação Física e abriu as portas do 6º ano da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, para o movimento.
Aproveitar os interesses dos alunos dá sentido ao estudo e atrai a atenção de todos. "A sociedade é multicultural, e devemos contemplar na instituição de ensino a diversidade de práticas corporais existentes fora dela", diz Osvaldo Luiz Ferraz, pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da USP. O break, especificamente, pode ajudar a desenvolver aspectos da dança e da consciência corporal.
Para começar, Mildred perguntou o que os jovens sabiam sobre o tema. Alguns mostraram passos de break aos colegas e outros contaram sobre seus músicos preferidos. Apesar de eles terem referências atuais, a professora notou que não conheciam os precursores do estilo. Ela apresentou, então, a origem do hip-hop e as pessoas que o protagonizaram no Brasil, a exemplo de Thaíde e do grupo de dança Back Spin Crew (leia a próxima página). A garotada também assistiu a filmes com essa temática, entre eles Ela Dança, Eu Danço (Anne Fletcher, Europa Filmes, 104 min).
Segundo William de Goes Ribeiro, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é essencial esclarecer que esse estilo não se resume à ostentação - de dinheiro, mulheres e poder -, como aparece em letras e videoclipes da indústria cultural atual. Ele é também uma forma de crítica social e questiona as injustiças, a violência nas favelas e a falta de políticas para as populações periféricas.
A docente solicitou que os alunos escolhessem uma parte do corpo - entre pernas, braços, quadril, tronco e cabeça - e testassem movimentos possíveis de ser feitos com ela. Quem optou pelos braços, podia dobrar os cotovelos e virar a palma das mãos para trás, entre outros gestos. Essa atividade de pesquisa possibilitou a ampliação do acervo motor dos jovens. Em pequenos grupos, eles criaram quatro movimentos com o membro eleito e realizaram, em sequência, duas vezes cada gesto, para formar uma oitava - parte constituída por oito passos que compõe a dança -, trabalhando a coordenação motora.
"Expliquei que o modo como o dançarino se move expressa algo e que é preciso saber interpretar isso para entender a mensagem da dança e se comunicar com ela", diz Mildred. No break, gestos curtos e rápidos sugerem um estado de ânimo intenso, como alegria ou revolta. Já os lentos significam emoções mais melancólicas, como a tristeza. Feitos com os quadris, podem remeter à sensualidade. Os grupos produziram coreografias com quatro oitavas, usando uma parte diferente do corpo para cada uma delas.
Mildred propôs desafios maiores, como inserir deslocamentos nos movimentos e fazer manobras estando sentado ou deitado. Depois, um grupo ensinou sua coreografia ao outro. Para isso, em certos momentos, tinham de descrever os passos oralmente, sem demonstrá-los. "Isso leva os alunos a transformar o repertório corporal em verbal. Assim, tomam consciência do que aprenderam, produzindo um novo tipo de conhecimento", diz Lino de Macedo, docente aposentado do Instituto de Psicologia da USP.
A professora ensinou movimentos típicos, como o toprock (feito para introduzir a dança) e o footwork (movimentação rápida com os pés), e convidou Cristiane Correia Dias, uma b-girl (dançarina de break), para mostrar os drops (formas de cair no chão para iniciar um novo passo). "As meninas achavam que essa era uma dança masculina. Com Cristiane, viram a importância feminina no movimento", diz Mildred. "As mulheres fazem parte do hip-hop desde sua criação, mas ainda sofrem preconceito. Discutir isso é uma maneira de trabalhar questões de gênero", sugere Lícia Barbosa, diretora do Ceafro, programa de Educação para igualdade racial e de gênero da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autora de uma pesquisa sobre o assunto.
A professora também organizou uma visita ao Largo São Bento, local no centro da cidade de São Paulo onde integrantes do movimento se encontravam a partir de 1985 para dançar e fazer rap. Durante a saída de campo, ela pediu que os alunos observassem o espaço e o tipo de piso e que experimentassem fazer alguns passos. "Muitos ficaram inibidos por estarem em público. Eu pedi que imaginassem como eram as apresentações feitas naquele cenário no início do hip-hop no país, quando ninguém conhecia o estilo, considerado algo ligado a marginais", conta.
Além de ampliar o acervo corporal dos estudantes e trabalhar questões específicas da dança, a docente identificou que a visão deles em relação ao hip-hop mudou depois do que foi realizado durante a sequência didática. O movimento ganhou novo significado, ocupando um espaço como forma de expressão também dentro dos muros da escola, o que fortaleceu a cultura urbana presente na turma.
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