Como conduzir a recomposição de aprendizagens no 9º ano?
Com jovens interessados na convivência em grupo, mas ainda dispersos nas aulas presenciais, professores encaram o desafio de diversificar estratégias e acompanhar o aprendizado das turmas
Linaldo Luiz de Oliveira preza por atividades dinâmicas, interdisciplinares e que valorizam a cultura local de Mogeiro (PB). Crédito: Julio Cezar/NOVA ESCOLA
Em 2005, quando Linaldo Luiz de Oliveira ingressou como aluno na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, em Mogeiro (PB), provavelmente não imaginava que, duas décadas mais tarde, estaria no mesmo espaço como professor de Ciências da Natureza das turmas do 9º ano, enfrentando os desafios da recomposição de aprendizagens em um período pós-pandêmico. O professor, que é mestrando em Ecologia e Conservação pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), propõe solidificar o conhecimento e diminuir atrasos no aprendizado envolvendo os alunos em práticas do cotidiano.
“Para que o estudante compreendesse os conteúdos que ele via em frente à câmera, comecei a usar elementos do dia a dia, mesmo antes da volta [ao modelo] presencial. Sempre busquei atividades que tivessem contextualização”, conta Linaldo, um dos vencedores da edição 2021 do Prêmio Educador Nota 10. “Em casa, por exemplo, eu pedia para observarem a evaporação da água enquanto cozinhavam um macarrão instantâneo. Agora, estamos estudando a água e fazendo análises para preparar um laudo que determine se ela é potável em regiões diferentes da cidade”, explica ele, que costuma incentivar os estudantes a atuar como profissionais da área de Ciências.
O professor aproximou os estudantes da cultura local organizando entrevistas com familiares que praticam a caça, atividade tradicional em Mogeiro. “Por meio de questionários desenvolvidos e aplicados pelas turmas, análise das respostas e construção de suas próprias conclusões, os alunos viveram uma experiência de pesquisa científica que solidificou o conhecimento sobre a área”, resume. Linaldo conta ainda que passou a priorizar espécies da fauna e flora da Caatinga para ensinar Ecologia, além de usar estudos de pesquisadores nordestinos sobre o tema.
Na Iraci Rodrigues de Farias Melo, a equipe gestora e os professores sempre defenderam uma didática baseada na contextualização do ensino, com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) muito presentes no planejamento das aulas de todos os componentes curriculares. Por isso, quando foram lançados os Mapas de Foco, que tinham o objetivo de orientar a flexibilização curricular e a escolha dos conteúdos durante uma realidade extrema, a escola imediatamente incorporou as novas referências.
Priorização curricular com foco no Ensino Médio
Segundo os resultados da Prova São Paulo, mais de 90% dos alunos do 9º ano da rede municipal de ensino da capital paulista têm nível de aprendizado abaixo do adequado em disciplinas do currículo básico de 2021. Os dados foram divulgados pela Secretaria Municipal de São Paulo e indicam uma piora expressiva em relação a 2019, com Língua Portuguesa sendo o componente curricular mais prejudicado. Os resultados dos 9º anos das escolas estaduais no estado de São Paulo também são preocupantes: a média de proficiência em Língua Portuguesa voltou ao patamar de 2017, e a de Matemática, a um resultado semelhante ao de 2014 (veja aqui).
Professores de diferentes componentes podem atuar em parceria para organizar atividades que foquem no desenvolvimento de habilidades essenciais. Na foto, a professora de Matemática Audray Silveira, com o professor Linaldo. Crédito: Julio Cezar/NOVA ESCOLA
Marcio Hideo dos Santos, professor de História das turmas do 9º ano da EMEF Modesto Scagliusi, no Jardim Picurama, zona sul de São Paulo, destaca que a dificuldade nos componentes curriculares básicos se reflete no desempenho em outras aulas. “Alguns não conseguiram acompanhar desde o ensino híbrido e agora apresentam dificuldades mais graves na leitura, na escrita e na interpretação. Sinto que eles estão aéreos”, diz. Patrícia Sarmento, que atua como formadora na Comunidade Educativa CEDAC, revela que, de acordo com relatos dos professores, os alunos do 9º ano estão muito mais interessados no retorno da convivência em grupo e nas questões que dizem respeito à sua sexualidade, pensando que eles estavam no 7º ano quando a pandemia começou.
Dentro desse contexto – de indivíduos ansiando por se relacionar no ambiente escolar e da necessidade de recomposição das aprendizagens –, como os professores devem conduzir a priorização curricular com foco no Ensino Médio?
Segundo Patrícia, é preciso diversificar as estratégias, o que significa pensar em planejamentos no plural, e não se limitar a apenas um planejamento. “Quando o professor mapeia a turma e identifica níveis de aprendizado e de interesses diferentes, ele pode propor caminhos variados”, diz. A formadora destaca que é necessário fazer um acompanhamento dessas aprendizagens e, para isso, sugere que a sala seja dividida de maneiras distintas de acordo com as atividades. “Podem ser atividades feitas individualmente, em pequenos grupos e depois com grandes grupos. Essas variadas composições proporcionam experiências diversas aos alunos. A interação e as trocas entre eles são enfatizadas.”
Outra orientação importante é que cada aluno esteja ciente do processo de recomposição de aprendizagens. “Como ele está? Para onde está caminhando? Posso citar o exemplo de uma professora com quem conversei, que fez com que os alunos olhassem para suas próprias avaliações diagnósticas e entendessem em que ponto estavam. Isso significa ter total consciência do seu aprendizado”, afirma Patrícia. Há ainda a opção de levar jogos para a sala de aula ou sair do espaço físico habitual: “Todo o espaço da escola é um espaço para aprender. É válido também visitar parte dos bairros ou ir à cidade. Estamos retomando não só as aulas presenciais, mas a convivência. Acredito que essas sejam boas práticas para uma aprendizagem significativa e não mecânica”, diz.
Patrícia reforça que a priorização curricular não pode ficar restrita apenas às habilidades do 9º ano. “É preciso partir do diagnóstico, olhar também para os anos anteriores e avaliar: ‘O que o meu aluno não pode sair do Ensino Fundamental sem saber?’. Outro ponto essencial é observar a turma, identificar quais são os grupos que estão com dificuldades de avançar no conteúdo e precisam ampliar a carga horária. Se isso não for possível, pela estrutura da escola, posso aplicar atividades complementares para casa que vão favorecer a aprendizagem”, completa.
Nas aulas de História, Marcio conta que usa um fio temporal para discutir temáticas da atualidade junto com temas dos anos anteriores. Com foco na recomposição de aprendizagens, a prática contribui para retomar assuntos que já deveriam ter sido aprendidos em anos anteriores de forma mais dinâmica, sem a necessidade de concentrar apenas um tema em cada aula. “Inicialmente, realizei uma avaliação diagnóstica, com questões que eles puderem responder livremente, além de bate-papos nos quais algumas dificuldades foram citadas. Então, baseado no nosso projeto político-pedagógico, fui buscando temas atuais para voltar ao passado. A Guerra da Ucrânia, por exemplo, possibilitou uma discussão sobre a 2ª Guerra Mundial. Consegui fazer um paralelo com a Rússia, trazer vídeos, podcast, charges e usar o livro didático, mas sempre oferecendo outros conteúdos”, explica. A possibilidade de ter várias camadas históricas interligadas e trabalhadas ao mesmo tempo pode ainda facilitar a construção de novos conhecimentos.
Trabalhar com agrupamentos e enfoque na interação entre os alunos é uma alternativa para a recomposição de aprendizagem. Crédito: Julio Cezar/NOVA ESCOLA
O resgate de habilidades também pode ser feito com ajuda de um bom trabalho interdisciplinar, incentivado nas atividades da Iraci Rodrigues de Farias Melo, onde Linaldo leciona. “É muito comum trabalhar em colaboração durante os projetos. Posso ensinar cálculo de massa na minha aula, mas em Matemática eles aprendem de que forma as quatro operações básicas facilitam essa aplicação. Temos calculado a massa com sobras da merenda escolar. Depois de pesar essas sobras, a gente usa nos biodigestores que vão produzir adubo para agricultores locais”, completa. Utilizar as operações matemáticas para cálculos que interferem em soluções práticas faz com que os estudantes vejam sentido naquele conhecimento.
Pontos importantes para a recomposição no 9º ano Preparamos um resumo das recomendações de Patrícia Sarmento, formadora da Comunidade Educativa CEDAC, aos professores:
1. Faça um diagnóstico e identifique quais habilidades de anos anteriores não foram aprendidas pelos estudantes;
2. Considere várias possibilidades de planejamento e também de replanejamento, que tome por base as lacunas e os interesses apresentados pela turma;
3. Diversifique as estratégias didáticas;
4. Trabalhe com diversos agrupamentos – proponha atividades individuais, em grupos pequenos ou para a turma toda, enfocando a interação;
5. Dê ao aluno ferramentas para entender em que ponto está e o que ainda é necessário aprender;
6. Não fique restrito à sala de aula – varie os espaços de aprendizagem levando os estudantes a outros ambientes na escola ou a lugares nas proximidades;
7. Peça que façam em casa atividades complementares que ajudem a recompor as aprendizagens.
Os desafios do professor no pós-pandemia
Mesmo com o apoio das orientações da BNCC nos dois últimos anos, Linaldo acredita que, para o educando, a realidade nos Anos Finais do Ensino Fundamental ainda éconstruída pelo professor no dia a dia. “Com a volta à escola, a gente precisou reorganizar, de forma presencial, algo que vínhamos trabalhando no modelo online e híbrido, principalmente porque temos dois grupos distintos de alunos – aquele que assistia às aulas e tinha acesso à internet e o que só conseguia acessar os materiais impressos”, diz. Carolina Campos, fundadora do Vozes da Educação e pesquisadora associada do CPRE/Teachers College, na Columbia University, concorda com o cenário apresentado por Linaldo: “O contexto é muito amplo, alguns sequer tinham internet. As mães também relataram que não conseguiam trabalhar o dia inteiro e ajudar todos os filhos à noite. Chegou um momento em que elas focavam apenas os pequenos, porque estavam sobrecarregadas”.
Dessa forma, a volta do cotidiano pós-pandêmico envolve questões profundas, relacionadas tanto aos conteúdos curriculares que não foram acessados pelos alunos quanto à perda dos hábitos de estudo. No entanto, segundo Carolina, o grande desafio é identificar se os professores têm base e apoio para restabelecer essas necessidades. “O ideal é que houvesse um centro de formação para o professor em cada município, para que ele fosse apresentado a estratégias eficazes. Mas ainda não temos uma cultura de formação continuada no Brasil. Ela é pontual e às vezes muito genérica. Mesmo que agora existam mais lugares para buscar informação, falta uma orientação direcionada”, comenta.
Nos horários de encontros coletivos da Modesto Scagliusi, os profissionais estão participando de um curso ofertado pela Secretaria de Educação sobre educação integral, que fomenta a compreensão das singularidades e diversidades dos sujeitos. Segundo Marcio, as reuniões ajudam a ver caminhos para conduzir situações delicadas que aparecem nas aulas: “A gente não pode focar estritamente o conteúdo. Precisamos olhar para a questão da convivência social, entrar em questões humanas. Recentemente, alguns alunos pediram espaço para brincar de ‘Jogo da Discórdia’, como no reality show, apontando defeitos dos colegas. Com muito diálogo, expliquei que aqui é a vida real, não precisamos eliminar ninguém”.
O exemplo dado por Marcio mostra que os desafios do professor no cenário pós-pandemia não estão apenas no campo da recomposição das aprendizagens. Patrícia, da Comunidade Educativa CEDAC, destaca que o retorno ao ambiente escolar é um momento de reorganização dos contratos da convivência em grupo, principalmente para os Anos Finais do Ensino Fundamental: “É um novo contexto para o estudante, no qual ele precisa se reinserir na rotina e reaprender a se relacionar. Nessa hora, é necessário haver muita escuta e atenção por parte do professor”, conclui.
Consultoria pedagógica: Luciana Hubner, consultora educacional e coordenadora do Prêmio Educador Nota 10.