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Jornalismo

Como acolher os alunos do Ensino Fundamental na volta às aulas

Conheça experiências e propostas de como fazer esse trabalho desde o momento da recepção dos estudantes

PorCamila Cecílio

09/02/2022

Crédito: Getty Images

Desde o início da pandemia crianças e adolescentes tiveram de lidar com novas e desafiadoras realidades. Foram separados abruptamente de amigos e professores, passaram a viver em isolamento social e a estudar de forma remota.

Neste cenário, aliado ao agravamento das desigualdades sociais, vivenciaram a crise socioeconômica que impactou o país. Não podemos esquecer daqueles que vivem, ainda, o luto pela perda de entes queridos. 

Com a possibilidade de um retorno presencial, surge uma ansiedade pela recomposição das aprendizagens. Mas, antes de dar início a esse trabalho, é crucial promover o acolhimento socioemocional dos alunos após dois anos tão difíceis. 

“As práticas de acolhimento já fazem parte do planejamento escolar. No entanto, a experiência do ensino remoto em um contexto de insegurança sanitária, de isolamento social e de outros efeitos causados por ele, fez com que a palavra ‘acolhimento’ ganhasse mais centralidade e ampliasse seus objetivos”, afirma Cynthia Sanches, especialista em Educação Integral no Instituto Ayrton Senna, organização que é referência na temática.

Como promover o acolhimento no retorno ao presencial

Entenda as várias dimensões do acolhimento – emocional, pedagógica e de segurança com a saúde – e oferecer sugestões de atividades para a recepção de crianças e jovens.

Acolhimento: amparo, proteção e refúgio

No dicionário, “acolhimento” significa lugar de amparo, proteção e refúgio. Neste retorno integral, essas palavras serão centrais no trabalho escolar. “O acolhimento agora é compreendido e valorizado não somente para estimular o engajamento e pertencimento do estudante à escola, mas como uma prática que considera as diversas necessidades socioemocionais”, explica Cynthia.

“Um bom acolhimento envolve espaços de fala e de escuta para compartilhar sentimentos, pensamentos e experiências vividas durante o período [pandêmico]”, complementa. 

A especialista reforça que essa prática deve abranger toda a comunidade escolar. Isso implica que o corpo docente também deve ser acolhido pelos gestores desde o início — confira aqui como esse trabalho acontece na prática.  “Ninguém é mais o mesmo depois da experiência dos últimos dois anos. É preciso considerar isso para construir o projeto de acolhimento e de recuperação das aprendizagens dos estudantes”, ressalta Cynthia. 

Sugestões práticas de acolhimento no retorno presencial
Nesse momento inicial confira algumas ideias para incluir nas atividades dos primeiros dias de aula 

  1. Desenhar, fazer colagens ou escrever sobre as emoções sentidas durante a pandemia. A partir dessas produções, os professores realizam a mediação permitindo que cada aluno tenha tempo de se expressar.
  2. Construir uma árvore ou um varal dos sonhos, em que cada estudante escreve (ou desenha) seu sonho para o ano.
  3. Fazer um concurso de memes sobre como cada um viveu o período do isolamento social. É uma forma descontraída de ajudar a expressão dos desejos e sentimentos.
  4. Organizar rodas de conversas. É preciso considerar o luto vivido nestes dois anos. Muitos alunos perderam entes queridos e, apesar de ser um tema delicado, é importante que os estudantes saibam que têm espaço na escola para conversar a respeito. 

Cynthia Sanches, do Instituto Ayrton Senna, reforça que o papel da escola na orientação e encaminhamento de situações emocionais mais preocupantes é fundamental. Para apoiar esse trabalho a organização publicou o material De volta à escola: estratégias para a acolhida pós-isolamento social.


É a partir dessa premissa que o Centro de Ensino Integral Ivany Rodrigues Bradley, em Arcoverde (PE), norteia seu trabalho de acolhimento aos alunos dos anos finais do Fundamental. Suzana da Silva Feitosa, professora de Matemática e de Eletivas na instituição, explica que a escola tem seu próprio modelo de acolhimento —  a unidade de ensino faz parte do programa Escola da Escolha, iniciativa do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE). 

São quatro etapas que consistem em, basicamente, um grupo acolher o outro. Primeiro, a Secretaria de Educação acolhe a gestão escolar. Esta, por sua vez, faz o acolhimento de professores e funcionários. Em seguida, o corpo docente — com apoio dos alunos protagonistas, grupo escolhido para serem pontos de referências entre os colegas — faz o mesmo com os estudantes. Por fim, toda a equipe escolar se une para apoiar as famílias. 

“Durante o planejamento, buscamos que sintam a escola como um espaço seguro, uma segunda casa para eles. Não só um lugar para aprender, mas um ambiente que também é lugar de partilhar angústias, dores e alegrias. Quando faz isso, o aluno está colocando em prática o seu protagonismo”, afirma Suzana. 

Para começar esse trabalho, os jovens participarão de rodas de conversa para que todos possam se apresentar, conhecer-se e falar sobre como foi o período longe da escola. Além disso, Suzana conta que irão propor a construção coletiva de uma cápsula do tempo. Para isso, cada estudante terá de escrever uma carta (ou fazer um desenho) para o seu “eu” do futuro dizendo quais são as suas expectativas para o fim do ano. Depois, a cápsula ficará guardada e será aberta em dezembro de 2022. 

O varal dos sonhos também faz parte do planejamento de Suzana. A ideia é que cada estudante perceba o passo a passo para alcançar determinado sonho ou objetivo. “Essa é a estruturação de uma parte do projeto de vida deles”, observa a professora.

Curso gratuito: Acolhimento e segurança no retorno às aulas

Neste curso, falaremos sobre como os gestores podem se planejar para dar conta do acolhimento emocional; a busca ativa; a organização para um retorno seguro, com todos os protocolos de higiene e saúde, e a garantia da aprendizagem.

De volta à escola: portas e braços abertos

Para Marcela Saramela, professora do 3º ano do Fundamental na Escola Municipal Jael Da Silva Barradas, em Boa Vista (RR), afeto e atenção são elementos que conduzirão o seu trabalho neste começo de ano. “Primeiro a gente acolhe, demonstra que é importante a criança estar ali e, ela se sentindo parte do processo, a aprendizagem vem de forma significativa”, comenta. 

Marcela conta que pretende iniciar o ano letivo com dinâmicas, brincadeiras e contação de histórias para que todas as crianças possam se conhecer melhor e, assim, fortalecer os laços. “Em uma sala de aula onde há respeito e empatia, o aprendizado acontece de forma natural”, diz. Além disso, organizará rodas de conversa sobre diversos assuntos, desde o espaço físico da escola às emoções vivenciadas durante o período que estiveram afastados. 

No primeiro dia de aula, a professora entregará a cada aluno um chaveiro com emojis que correspondem a diversas expressões faciais. A ideia é trabalhar com o objeto o ano todo para saber como o aluno se sente no dia a dia. 

Acolhimento desde a chegada

Já na Escola do Futuro de Educação de Tempo Integral Profº Irany Toledo de Moraes, em Itapevi (SP), os primeiros dias serão repletos de atividades de acolhimento. Uma delas é o “corredor humano”, formado por professores e funcionários, que irão receber os pequenos e aplaudi-los durante a entrada na escola. 

Caroline Ferreira Nunes de Souza, professora de 1º ano do Fundamental na instituição, prevê que os alunos voltarão ao ensino presencial com muitos sentimentos que devem ser acolhidos. Para isso, ela planejou uma série de atividades como, por exemplo, organizar a sala de aula com elementos convidativos e lúdicos. 

Além disso, ela conta que pretende realizar uma roda de apresentação usando plaquinhas com emojis para que as crianças levantem sempre que quiserem expressar o que estão sentindo. Outra atividade que pode ajudar a “quebrar o gelo” durante a semana de acolhimento é a brincadeira Estátua Diferente, em que, a partir de uma música (disponibilizada aqui), as crianças precisam fazer caras e bocas para representar o que a letra da canção pede.

Especial Competências Socioemocionais

NOVA ESCOLA produziu conteúdos especiais para auxiliar professores e gestores a usar as competências a favor da aprendizagem e bem-estar

Acolhimento no ano inteiro

Cynthia Sanches, do Instituto Ayrton Senna, chama atenção para o fato de que o acolhimento deve ser uma prática permanente na agenda de cada escola e não algo que acontece somente no início do ano letivo. “Não pode ser um evento isolado no calendário escolar. O compromisso com a educação integral dos estudantes envolve estabelecer práticas que promovam o desenvolvimento socioemocional”, aponta a especialista “A cultura escolar desejada é aquela em que falar sobre si, seus sentimentos, seus projetos de futuro, suas forças e fragilidades é algo importante e intencional”, finaliza.

3 dicas para promover o acolhimento durante o ano todo

O acolhimento deve estar presente no dia a dia, por isso saiba como garantir esse trabalho na rotina escolar

  1. Mantenha aberto o canal para o acolhimento

  2. Pode ser uma caixa para sugestões de temas que os estudantes gostariam de tratar ou até mesmo de pedidos de ajuda.
  3. Pense na forma de receber diariamente os alunos

  4. Nas redes sociais ficou conhecido um vídeo em que o alunos escolhia a forma que queria ser recebido: um abraço? Um aperto de mãos? Um passo de dança? A ideia pode ser adaptada seguindo os protocolos de biossegurança.
  5. Promova o desenvolvimento de competências socioemocionais

    Para tal, procure saber mais sobre o tema, quais são essas competências e como elas se manifestam em sentimentos, pensamentos e ações — confira aqui especial de reportagens sobre a temática e como levar ela para a prática.

Esse tipo de abordagem, segundo a especialista em Educação Integral, não necessita de uma aula especial. Pode-se trabalhar o desenvolvimento socioemocional de modo integrado às aulas de cada componente curricular, afinal, o processo de aprendizagem não acontece alheio a mobilização de competências socioemocionais.

“A literatura científica mostra que práticas pedagógicas que sejam ativas, que tenham foco explícito no desenvolvimento de até duas competências, e com tempo de duração adequado, são mais eficazes. Práticas nas quais os estudantes se deparem com situações que exijam eles exercitarem essa competência e ao final, possam refletir sobre como se percebem em relação a ela”, aponta Cynthia.

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