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Jornalismo

Em constante transformação: professores contam como se reinventaram

Estudo, dedicação e resiliência sempre estiveram presentes na rotina dos educadores – e a pandemia reforçou ainda mais a importância desses aspectos. No mês dos professores, NOVA ESCOLA traz o relato de quatro profissionais

PorVictor Santos

13/10/2021

Crédito: Getty Images

Passados mais de um ano e meio do início da pandemia da covid-19, já são mais do que conhecidas as várias estratégias criativas que os profissionais das escolas públicas brasileiras precisaram lançar mão para dar andamento à Educação, em meio ao caos sanitário que atingiu o país e o mundo.

Assim, às vésperas do Dia dos Professores, celebrado em 15 de outubro, NOVA ESCOLA procurou saber: “Quem é esse ‘novo professor’ que surgiu após tantos desafios impostos pela pandemia?”. No entanto, a busca por essa resposta evidenciou que adaptabilidade, versatilidade, resiliência e muito estudo para se aprimorar são elementos que ganharam maior visibilidade agora, em razão das transformações que o ensino remoto impôs, mas sempre fizeram  parte da trajetória profissional dos educadores.

Nesta reportagem, conversamos com quatro professores de escolas públicas do país, que são de diferentes estados e regiões e encontram-se  em momentos distintos da carreira. Suas histórias mostram que contornar adversidades e se transformar como pessoa e profissional são características próprias  dos educadores, assim como o desejo de aprender continuamente.

“A escola é um lugar de cura, emancipação e empoderamento”

Lidiane Pereira da Silva Lima é professora de Língua Portuguesa da EMEF Anna Silveira Pedreira, em São Paulo (SP). Seu projeto "Sarau Heranças Afro" foi premiado no Educador Nota 10 de 2020. Foto: Nidiacris Ribeiro/TrupeFilmes

“Como mulher negra que mora na periferia de São Paulo (SP), nunca me foi permitido sonhar. Então, não posso dizer que ‘sonhava’ em ser professora. O que eu sabia era que vivia em uma condição marginalizada e que uma das saídas seria pelos estudos”, destaca a educadora Lidiane Pereira da Silva Lima, que dá aulas de Língua Portuguesa na Escola Municipal de Ensino Fundamental Anna Silveira Pedreira, no Jardim São Luís, zona sul da capital paulista. “No Ensino Médio, com as opções limitadas que eu tinha e como gostava de português, pensei que talvez conseguisse passar no vestibular para Letras.”

O caminho, porém, foi complicado. “Foi uma saga de três tentativas frustradas de entrar na universidade pública, aos 17, 18 e 19 anos”, lembra Lidiane. “Acabei, então, traçando um percurso comum do jovem periférico: fui trabalhar e tentar pagar os estudos, escolhendo um curso barato. Dessa forma, consegui me matricular na licenciatura.”

Ela conta que o gosto por poesia e literatura sempre se fez presente na sua vida – “meu primeiro despertar como sujeito político foi ouvindo Racionais MC’s na adolescência”–, mas foi quando começou a ter contato com teóricos como Paulo Freire é que, efetivamente, começou a ‘nascer’ a professora Lidiane, que une a teoria com as suas vivências pessoais. “Surgiu aí o sonho de estar em sala de aula e oferecer para os estudantes aquilo que me faltou, sendo a ponte entre eles e os desejos que querem realizar”.

Esse sonho tornou-se realidade e há dez anos ela atua em uma escola que fica na sua comunidade. “Não consigo pensar em Educação sem pensar em trazer pautas fundamentais, como raça, gênero e sexualidade”, explica. “Então, projetos como o sarau heranças afro [premiado no Educador Nota 10 de 2020] me permitiram ter repertório para falar de raça na disciplina de Língua Portuguesa, indo além do poema O Navio Negreiro, de Castro Alves. Conseguimos abordar poesia periférica, poesia contemporânea, trabalhar com referências como Racionais MC’s, Cuti, Solano Trindade, Silveira Oliveira, Midria da Silva e os alunos, ao final, realizaram suas próprias produções.” 

Adaptar-se ao ensino remoto emergencial de 2020 foi difícil para a professora, principalmente por causa da dificuldade de acesso dos alunos às tecnologias. Ainda assim, Lidiane conseguiu dar andamento a algumas atividades, como os slams virtuais. Atualmente, com a  escola já de volta ao presencial, a professora está cheia de planos. 

“Desde agosto, fizemos muitas rodas de escuta e conversa, retomamos o sarau e temos novos projetos, como o trabalho colaborativo autoral, ou TCA, em que os alunos escolhem o que querem estudar e pesquisar. Partiu deles o interesse por diversas temáticas, como racismo, mães solo, baixa autoestima na adolescência e LGBTQIA+”, conta a professora, que se emociona ao fazer um balanço de suas experiências docentes. “Eu me vejo muito nos meus estudantes, porque morei aqui a vida inteira. Enxergo neles a menina que eu fui e que, de alguma forma, também se reflete na mulher que sou hoje, que vê a escola como um lugar de cura, emancipação e empoderamento.” 

Histórias da volta das professoras à escola

Nesse Nova Escola Box super especial, confira como foi o reencontro de educadores de diferentes regiões do país com alunos, famílias e com a equipe escolar nesse gradual retorno às atividades presenciais

Três décadas de persistência e experiência na Educação

A professora Alaíde Rodrigues da Silva e seus alunos da Escola Municipal Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro (RJ). Já são mais de três décadas na Educação pública. Crédito: acervo pessoal

A trajetória profissional da educadora Alaíde Rodrigues da Silva, que atua na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, já completou 36 anos. “Minha mãe fala que desde pequenininha eu dizia querer ser professora. Sempre gostei muito de estudar e me lembro de que entrei na escola direto no 2º ano porque já sabia ler”, recorda. Alaíde também lembra dos percalços que encarou anos mais tarde para concluir o colegial (atual Ensino Médio), em que cursava o chamado Normal, que formava, ainda no período escolar, professoras para as séries iniciais. 

“Eu amava o Normal, mas tinha de pegar dois ônibus para chegar à escola, e tinha os estágios também. Na época, não havia desconto para estudantes no transporte público”, explica. “Então, não dava tempo de voltar para casa antes do estágio, e eu não tinha condições financeiras para almoçar na rua. Aí minha mãe fazia comida às 5h30 da manhã, e eu invertia as refeições: almoçava cedinho e levava um pão para comer no horário do almoço enquanto me deslocava”. A educadora também lembra que o acesso aos livros didáticos era mais limitado. Ela possuía apenas um que cuidava com bastante carinho e ia para a casa das amigas para estudar com outros materiais.

Concluído o curso Normal, Alaíde conta que não conseguiu passar no vestibular de Pedagogia, e por alguns anos trabalhou no comércio. Posteriormente, já casada e com dois filhos, enquanto estava no período pós-maternidade, teve mais tempo para estudar e foi aprovada como docente no concurso do estado do Rio de Janeiro em 1985. Dois anos mais tarde, passou também no vestibular e, mais adiante, em 1992, ingressou como professora na rede municipal fluminense.

Refletindo sobre seu trabalho, ela enfatiza que o papel do professor nessa etapa da Educação é muito importante. “As crianças estão entrando na escola, e você tem de trabalhar muito com o lúdico, contação de histórias, músicas e todas as estratégias para desenvolver leitura e escrita”. Ela também destaca quando começou a trabalhar com nomes próprios na alfabetização. “Eu me lembro de que eu apresentava o ‘a’ de árvore, o ‘b’ de bola, o ‘c’ de casa… até que, em uma das escolas que trabalhei, aprendi com uma amiga a usar o ‘a’ da ‘Alice’, o ‘c’ do ‘Carlos’. Desde então, essa é uma experiência muito gostosa, pois eles guardam muito mais estudando desse jeito. Os pais ficam bobos”, diverte-se. “Nós, professores de séries iniciais, precisamos buscar o que têm significado para eles, porque assim aprendem com bastante facilidade.” 

Alaíde trabalha desde 2019 na Escola Municipal Ivone Nunes Ferreira, que segue o chamado modelo de Escola Municipal Olímpica Carioca (escola em tempo integral com propostas pedagógicas pautadas na cultura corporal e na utilização consciente dos movimentos). “Fiquei encantada com os projetos e com essa proposta de ter um time de professores que transformam conteúdos de sala de aula em conteúdos de movimento”, ressalta. “Na pandemia, foi um desafio. Trabalhamos com entrega de materiais impressos, e fiz muita chamada de vídeo no WhatsApp para manter o vínculo com os estudantes. Agora já estamos de volta com todos os alunos e seis horas de aula diárias, e trabalhando para não deixar ninguém para trás”. 

Já aposentada na rede estadual, Alaíde agora se prepara para a chegada deste momento também no município. “Já suspendi essa outra aposentadoria três vezes. Sempre trabalhei bastante, durante muitos anos fiz jornada tripla, ou seja, manhã, tarde e noite. Só que agora estou no momento em que a cabeça quer uma coisa, mas o corpo não acompanha”, conclui.

Renovando-se no ensino de língua estrangeira

A professora Cristiane Dias, de Língua Portuguesa e Língua Inglesa, em uma atividade com seus alunos da EEF Professor Lapagesse, em Criciúma (SC). Crédito: acervo pessoal

“Eu já trabalhei em uma empresa, e odiava ficar trancada em uma sala imprimindo nota fiscal. Tanto é que, quando a recepcionista saiu, me candidatei à vaga dela e fiquei nessa função até sair dali”, diverte-se a professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa Cristiane Dias, de Criciúma (SC), ao falar sobre  o começo da sua trajetória profissional. “E como eu gostava de ler, de escrever, de me comunicar e de Português e Inglês, a docência foi um caminho quase natural. Ano que vem, completo 20 anos na rede estadual de Santa Catarina.”

Durante 15 desses quase 20 anos, Cristiane trabalhou na Escola de Educação Básica Maria José Hulse Peixoto, local onde se desenvolveu e se renovou como educadora. “Eu era uma professora bem tradicional, mas comecei a me incomodar com o tipo de atividade na aula de língua estrangeira – só uma folhinha para traduzir e um dicionário. Além disso, tinha muito questionamento de aluno do tipo ‘por que aprender Inglês se nunca vou sair do Brasil e nem falo Português direito?’”, relembra. “Então, aos poucos, eu fui tentando tirar essa cultura de só traduzir e trazendo outras atividades”. Entretanto, o divisor de águas ocorreu quando viu a indicação de uma conterrânea ao prêmio Educador Nota 10. A partir desse momento, ela se inspirou e começou a diversificar ainda mais as aulas, desenvolvendo projetos e investindo também em sequências didáticas – podendo, quem sabe, obter também sua própria indicação futuramente.  

Todo esse esforço rendeu frutos tanto em relação à aprendizagem de seus estudantes, quanto à sua própria prática profissional – “você consegue planejar de onde o aluno vai partir até onde gostaria que ele chegasse” – e culminou com o prêmio de Educadora Nota 10 em 2018, graças à sequência didática que simulava situações dialógicas para se comunicar com os imigrantes haitianos, ganeses e senegaleses na cidade catarinense de Criciúma. Naquele momento, inclusive, a professora já havia experimentado o trabalho com tecnologias, utilizando aplicativos como o Voki, que cria avatares para a leitura dos diálogos.

Desde 2020, Cristiane atua em outra instituição, a Escola de Ensino Fundamental Professor Lapagesse, e mal tinha tido tempo de conhecer seus estudantes  quando veio a pandemia. “Precisei aprender a usar o Google Classroom, a utilizar o WhatsApp como ferramenta de trabalho e fui experimentando outras coisas para trabalhar com imagens, como o Canva, que eu adoro, e o próprio Instagram”, relembra, complementando que em 2021 a escola retornou ao presencial no esquema de rodízio.

“O que eu mais gosto de fazer é mesmo estar em sala de aula, especialmente em uma instituição como a minha, que dá suporte, que tem uma gestão escolar ativa, biblioteca, internet em todo o prédio”, constata a professora, ao fazer um balanço dessas experiências e das quase duas décadas na escola pública. “E atualmente os alunos jogam muito on-line, leem e assistem muitas coisas em língua estrangeira, então cada vez mais todos percebem como o Inglês é necessário”.

Curso intensivo – metodologias ativas

NOVA ESCOLA preparou um intensivo de cursos sobre Metodologias Ativas, comandados pela professora e especialista Lilian Bacich, que vão ajudar você, professor, a facilitar o protagonismo do aluno e a motivá-lo na construção de seu conhecimento.

Terceira geração de professores

Joabson Pereira é coordenador pedagógico na Escola Municipal Mariana Amália, em Vitória de Santo Antão (PE), e professor na Escola Municipal Padre Estanislau Kostka Laurentino, em Pombos (PE). Ao longo da pandemia, as tecnologias ganharam ainda mais peso no seu trabalho. Crédito: acervo pessoal

“Sou neto e filho de professoras, hoje aposentadas, e desde a infância tenho contato com anseios, demandas e necessidades de educadores e alunos”, revela o professor Joabson Pereira, morador de Chã Grande (PE), que atua com Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. “Eu sempre soube que gostaria de trabalhar nessa área e tive a oportunidade de estudar Pedagogia na universidade pública enquanto conciliava com um trabalho na área de serviços gerais”.

Posteriormente, vieram as duas aprovações em concursos, em 2016, na cidade de Vitória de Santo Antão (PE), para atuar na Escola Municipal Mariana Amália, e em 2018, no município de Pombos (PE), para a Escola Municipal Padre Estanislau Kostka Laurentino. “Nesta última, fui agraciado com uma sala multisseriada. Estudei até a antiga 4ª série em uma sala desse tipo, minha mãe e minha avó atuaram com multisseriadas, e pude aplicar com a turma muito do que elas tinham como metodologia”, relata. “É um desafio conciliar esses alunos de séries diferentes, mas eu busquei diversas estratégias como os agrupamentos, fui adequando a questão do currículo, e aos poucos consegui conquistar os alunos, os pais e a própria comunidade escolar.”

Em relação a estratégias pedagógicas, Joabson indica que, desde antes da pandemia, tinha a prática de buscar uma postura mais ativa dos seus alunos na construção do conhecimento. “Sempre gostei de realizar trabalhos em grupo, roteiros e trilhas de aprendizagem, pesquisas nos laboratório de informática das escolas, tudo mediado por mim”, recorda. “Ainda assim, mesmo já usando tecnologias, a transição para o remoto por conta da covid-19 pegou todo mundo de surpresa”.

A solução encontrada por ele consistiu, especialmente, no uso do  WhatsApp. “Foi difícil, pois nem todos os alunos tinham acesso à internet, muitas famílias possuíam apenas um aparelho celular”, explica o professor. “Enviava pelo WhatsApp roteiros semanais de atividades, áudios e vídeos com explicações e, aos poucos, fui expandindo e testando Google Forms, gamificação com aplicativos como Wordwall e Kahoot!, e usei até o TikTok, tentando manter uma aprendizagem ativa mesmo a distância.”

Essa mescla de adversidades e busca por inovações marcou a atuação do professor no biênio 2020-2021. “Foi um período de desafios, aprendi muita coisa, compartilhei muito conhecimento, e isso acabou levando também a muito desenvolvimento profissional – há seis meses, eu me tornei coordenador pedagógico na escola de Vitória de Santo Antão e estou adorando ser o braço direito dos professores”, conta. 

Ao analisar sua carreira até aqui, o jovem professor aponta o que considera mais marcante. “Já tive alunos do 5º ano que não possuíam domínio da leitura, mas não evadiram da escola. Tive casos de crianças com transtorno do espectro autista que vinham com um ‘diagnóstico’ fechado da sociedade, de que não conseguiriam aprender, e pudemos mostrar que todos têm essa capacidade. Enfim, o que eu mais gosto é dessa possibilidade de transformar a vida das pessoas pela Educação, reconhecendo as dificuldades de alunos e famílias e ajudando a superá-las.”

Feliz Dia dos professores!

Perguntamos aos entrevistados qual é a melhor homenagem que um educador pode receber nessa data comemorativa

  • “A maior homenagem é o reconhecimento, do quanto fomos e somos importantes na vida dos nossos estudantes.” – Professora Lidiane Pereira da Silva Lima
  • Eu poderia dizer salário maior, reconhecimento das autoridades e governantes, mas depois de tudo que já vi e vivi na Educação em 36 anos, penso que a maior homenagem que já recebi é ver o resultado na vida do nosso aluno.” – Professora Alaíde Rodrigues da Silva
  • “Acredito que os professores devem ser homenageados por meio da valorização por parte das famílias, e gostaria que as redes pensassem cada vez mais na questão salarial (afinal, só amor não paga as contas) e em infraestrutura e formações.” – Professora Cristiane Dias 
  • Gostaria que os educadores fossem homenageados pelo que conseguiram construir no momento pandêmico, que foi o maior desafio na carreira de qualquer professor (mesmo os mais experientes). E, claro, que as autoridades pensassem nos planos de cargos e carreiras, porque trabalhamos com amor, mas somos também profissionais e precisamos ser valorizados.” – Professor Joabson Pereira

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