O trabalho com problemas geométricos
Geometria pode ser ensinada com a resolução de problemas. Os alunos não aprendem somente a dominar técnicas: desenvolvem a capacidade de abstração e descobrem como aplicar seus conhecimentos em situações reais. Mas quais tipos de problemas realmente estimulam o raciocínio geométrico?
POR: Ana Flávia Alonço Castanho1. O trabalho com problemas geométricos

Nos últimos anos, o ensino da Matemática tem se transformado: um número cada vez maior de professores organiza seu trabalho em torno da resolução de problemas. Os problemas vêm sendo compreendidos como situações em que o aluno põe em jogo seus conhecimentos, levanta e testa hipóteses para desenvolver um procedimento de resolução adequado, controla os resultados obtidos, explicita para os colegas seu ponto de vista e também faz uso das explicações dos colegas para repensar seu próprio caminho de resolução. Dessa forma, o aluno se aproxima cada vez mais do conhecimento matemático estudado.
No entanto, quando o conteúdo em jogo é a geometria, ainda predominam atividades com foco na memorização de nomes e na percepção visual, especialmente no Ensino Fundamental 1, período abordado mais diretamente neste artigo. Por isso, vale perguntar: que tipo de atividade intelectual cria um contexto favorável para construir saberes geométricos?
Acreditamos que o ensino deve ser organizado em torno da resolução de problemas. Mas, para responder melhor a essa questão, é importante ter claro qual sentido devemos preservar no ensino da Matemática na escola.
2. Dominar técnicas ou resolver problemas?

Quando trabalhamos ensino da Matemática em torno do domínio de técnicas, o sentido da técnica muitas vezes fica de lado. O foco é seguir passos e repetir procedimentos fechados frente a situações apresentadas pelo professor. Esse ensino exclui muitos alunos, que se sentem incapazes de aprender Matemática. Para piorar, é um aprendizado insuficiente - não serve para o momento de aplicar os conhecimentos e resolver situações diferentes daquelas nas quais se aprendeu.
Quando a atividade em classe inclui a resolução de diferentes problemas, os alunos têm maior clareza do que fazem, do que estão aprendendo e de sua própria capacidade de solucionar problemas. Isso porque, durante as resoluções, os alunos devem explicitar os procedimentos realizados e analisar as diferentes produções. Outras vezes, precisam partir dos questionamentos de outros alunos para argumentar sobre seu próprio ponto de vista ou dar razões para suas discordâncias. Com frequência, é necessário retornar ao que foi realizado para verificar suas hipóteses, validá-las ou reformulá-las.
O argentino Hector Ponce resume da seguinte maneira: "A concepção que cada um vai formando acerca da matemática depende do modo pelo qual vai conhecendo e usando os conhecimentos matemáticos. Neste processo, a escola tem um papel fundamental, já que é nela o lugar em que o uso da Matemática é sistematizado. O tipo de trabalho que se realizar na instituição influirá fortemente na relação que cada pessoa constrói com essa ciência, relação que inclui o fato de sentir-se ou não capaz de aprendê-la. Quando o ensino da matemática se apresenta como o domínio de uma técnica, ao invés de constituir-se na introdução à cultura de uma disciplina científica, a atividade matemática em sala limita-se a reconhecer, a partir das explicações do professor, qual definição usar, qual regra aplicar ou qual operação "tem que fazer" em cada tipo de problema. Aprende-se o que fazer, mas não porque fazê-lo, nem em que circunstância fazer qual coisa". A declaração está no livro "Enseñar Matematica en el Primer Ciclo. Dirección Nacional de Gestión Curricular y Formación".
Em síntese: "como" se faz Matemática na sala de aula define ao mesmo tempo "qual" Matemática se faz, "para quê" e "para quem" ela é ensinada. A partir dessa conclusão, é possível distinguir condições que possibilitam o acesso à matemática para todos - e não para poucos.
3. O que é um problema matemático?

O pedagogo Jean Brun afirma que um problema pode ser definido como uma situação inicial, com uma finalidade clara, que exige do sujeito a elaboração de uma série de ações para atingi-la. Só podemos falar em problemas quando a solução não está disponível de início, mas pode ser construída pelo sujeito.
Fica claro que muitas atividades comumente apresentadas em sala de aula sob o nome de "problema" não podem ser consideradas assim. Os alunos só estão resolvendo problemas quando lançam mão de conhecimentos que já possuem e os põem em questão, ajustando-os e reformulando-os para chegar a novos conhecimentos. É necessário que o problema gere um certo grau de incerteza, inclua o levantamento de hipóteses e esteja aberto a uma variedade de percursos de resolução.
Assim, o trabalho com resolução de problemas na escola deve considerar um tipo particular de trabalho matemático que permita aos alunos as seguintes atividades:
- Envolver-se na resolução do problema apresentado, refletindo sobre quais conhecimentos o ajudam a resolvê-lo e o que mais é possível pensar a partir do problema.
- Construir suas próprias estratégias e compará-las às de seus colegas. Procedimentos incorretos e primeiras tentativas de resolução devem ser considerados como parte do processo de aprendizado
- Analisar, sozinho ou com a ajuda do grupo, a validade dos procedimentos realizados e certificar-se dos resultados obtidos
- Refletir sobre quais procedimentos são mais seguros, mais rápidos ou úteis para resolver a situação
- Levantar hipóteses, formulá-las e comprová-las na tentativa de resolver novas situações matemáticas
- Observar que conhecimentos novos são descobertos a partir da resolução dos problemas e relacionar esses conhecimentos aos já possuídos
4. Resolver problemas geométricos com raciocínio abstrato

Antes de pensar sobre os problemas que envolvem conhecimentos geométricos, é bom pensar sobre a natureza desse conhecimento.
A geometria trata de objetos teóricos. É verdade que muitos conhecimentos geométricos originaram-se para responder a problemas do espaço físico. Mas a solução destes problemas envolvia necessariamente a construção de um espaço representado - em um desenho, mentalmente, na escrita de uma proporção, no registro de relações, etc. Essas representações se desenvolveram e tornaram-se cada vez mais abrangentes. Graças a essa evolução, os objetos da geometria não correspondem, estritamente, a nenhum objeto da realidade. Como escreveram Maria Emília Quaranta e Beatriz Moreno em "La enseñanza de la Geometría en el jardín de infantes": "Na perspectiva do ensino, não podemos perder de vista que estamos aproximando ou dirigindo nossos alunos a objetos que não correspondem a nenhum objeto real".
Devido à natureza "ideal" dos objetos geométricos, a validação dos procedimentos e soluções dos alunos não pode ser apenas empírica. Deve envolver, desde o início, o uso de argumentações abstratas.
Segundo Hector Ponce, as crianças avançam em seus conhecimentos sobre as propriedades de figuras e corpos geométricos ao resolver e analisar um conjunto de problemas. Por exemplo: copiar uma figura que funciona como modelo permite que as crianças explorem, identifiquem e sistematizem algumas propriedades.
Ponce afirma que atividades como essa permitem ingressar em um "modo de pensar geométrico". Segundo o autor, esse modo de pensar consiste "na prática de apoiar-se em propriedades estudadas das figuras e dos corpos para poder antecipar relações não conhecidas. Trata-se de poder obter um resultado - em princípio desconhecido - a partir de relações já conhecidas. Esta é a antecipação. Por outro lado, é poder saber que tal resultado é correto porque as propriedades em jogo o garantem. Em geometria, o modo de demonstrar a validade de uma afirmação não é empírico (por exemplo, medindo ou desenhando), mas racional (através de argumentos)".
O trecho, que faz parte do livro "Enseñar Geometría en el primer y segundo ciclo". "Diálogos de la capacitación", permite distinguir duas características de um modo de pensar geométrico. Essa maneira de pensar antecipa relações a partir de propriedades conhecidas dos objetos geométricos. E também valida afirmações quanto a tais relações. Quais os reflexos disso para se pensar em problemas geométricos?
5. Problemas variados estimulam aprendizagens múltiplas

O argentino Horacio Itzcovith, especialista em didática da matemática, relaciona na obra "La matemática escolar" algumas características dos problemas geométricos:
"Para que uma situação consista num problema geométrico para os alunos, é necessário que:
- implique um certo nível de dificuldade, apresente um desafio, tenha algo de novidade para os alunos;
- exija usar os conhecimentos prévios, mas estes não sejam suficientes para a resolução;
- para resolvê-lo, é preciso por em jogo as propriedades dos objetos geométricos;
- o problema ponha os alunos em interação com objetos que já não pertencem ao espaço físico, mas a um espaço conceitual, representado pelas figuras e corpos;
- os desenhos não permitam chegar à solução por simples constatação sensorial;
- a validação da resposta do problema - ou seja, a decisão autônoma do aluno acerca da veracidade ou falsidade das respostas - não se estabeleça empiricamente, mas que se apoie nas propriedades dos objetos geométricos; ainda que, em algumas instâncias exploratórias, possam se aceitar outros modos de corroborar;
- as argumentações a partir das propriedades conhecidas dos corpos e figuras produzam um novo conhecimento acerca destes últimos.
Propor problemas geométricos com base nesses critérios apresentados torna possível incorporar ao dia a dia da sala de aula uma atividade típica do fazer matemático: investigar a veracidade das respostas obtidas, argumentando e validando hipóteses. A diversidade dos problemas apresentados precisa permitir ao aluno aproximar-se do conhecimento geométrico por diferentes pontos de vista. Alguns permitem aos alunos realizar um trabalho mais exploratório. Esses problemas ajudam os alunos a elaborar conjecturas, além de buscar elementos e relações que permitam caracterizar a figura ou o corpo estudado. Há ainda investigações que tornam explícitas certas relações e propriedades. Outros problemas possibilitam estudar a quantidade de soluções possíveis ou analisar se é ou não possível construir uma figura a partir dos dados oferecidos. Em alguns casos, deve ser o professor quem apresenta as razões a partir das quais certo resultado obtido é correto: as crianças ainda não estão em condições de fazer isso por seus próprios meios.
Com os problemas geométricos, os alunos aprendem a buscar a garantia da veracidade de suas afirmações. É essa procura que desejamos lhes ensinar. A diversidade de problemas lhes apresenta os diferentes aspectos da procura.
Quer saber mais?
QUARANTA, María Emilia; MORENO, Beatriz Ressia. Dirección General de Cultura y Educación. La enseñanza de la Geometría en el jardín de infantes. La Plata: Dirección General de Cultura y Educación de la Provincia de Buenos Aires, 2009.
PONCE, Héctor. Enseñar Geometría en el primer y segundo ciclo. Diálogos de la capacitación. Buenos Aires: Centro de Pedagogías de Anticipación (CePA). Secretaría de Educación Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires, 2003.
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