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Jornalismo

Além do presencial: atividades remotas ajudam a garantir o avanço da aprendizagem

Educadores da rede pública de quatro estados compartilham suas experiências que ajudam a entender o papel dessas estratégias em um contexto em que o ensino 100% presencial ainda não é uma realidade

PorVictor Santos

18/08/2021

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Crédito: Getty Images

Chegamos ao segundo semestre de 2021 ainda lidando com a covid-19 e com todas as suas consequências na área da Educação. O avanço da vacinação até permitiu a gradual reabertura de parte das escolas, funcionando com número reduzido de alunos. Ao mesmo tempo, há redes que seguem trabalhando de maneira remota, enquanto outras planejam e vislumbram o retorno gradual. Neste cenário, alguns alunos e famílias não se sentem seguros de voltar a frequentar as escolas, seguindo com os estudos em casa.

Em todas essas diferentes situações, é possível notar que o trabalho remoto, de uma forma ou de outra, continua presente no cotidiano escolar. Isso reforça a importância de escolas e os educadores seguirem pensando no ensino para além do presencial.

 Dessa forma, em um momento em que as redes e os educadores colocam cada vez mais o foco no avanço da aprendizagem, iniciam avaliações diagnósticas e consolidam iniciativas como o trabalho com agrupamentos de estudantes, é essencial entender qual é o papel que esse trabalho remoto ocupa no processo de aprendizagem e mesmo na retomada de certos conteúdos que eventualmente tenham ficado prejudicados desde a instalação do ensino remoto emergencial em 2020.

Para entender como isso está acontecendo nas escolas públicas, NOVA ESCOLA conversou com quatro educadores de diferentes estados Roraima, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro, cujas redes se encontram em momentos distintos. Eles compartilharam as suas principais experiências, estratégias e expectativas em relação ao ensino remoto nesta retomada. Dentro dessa perspectiva, há um ponto em comum: é o professor quem conhece a sua realidade e quem melhor vai saber utilizar esses recursos, não como um fim em si mesmo ou uma tábua de salvação, mas como parte integrante de um amplo trabalho voltado à consolidação das aprendizagens.

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A gamificação como estratégia
A professora Suelen Araújo Barbosa, que leciona para o 4º ano do Ensino Fundamental na Escola Municipal Martinha Thury Vieira, em Boa Vista (RR), faz parte do grupo de docentes que seguem trabalhando remotamente em 2021, com a possibilidade de retorno presencial em setembro. Ela conta que, graças a tudo que aconteceu no ano passado, as crianças chegaram em 2021 com certa defasagem.

Com uma especialização na área de tecnologias educacionais e já há alguns anos trabalhando com projetos em sala de aula, Suelen resolveu utilizar essas experiências para agir em relação às questões de aprendizagem. “Eu sempre trabalhei com jogos, mas nunca remotamente. Conheci a gamificação em um curso de atualização profissional e resolvi aplicar. Acredito que era a melhor opção para engajar os alunos de forma remota, porque o que eles tinham disponível para estudar eram o WhatsApp e o aparelho celular, geralmente dos pais”, relata. “O jogo on-line já faz parte da realidade das crianças, então porque não utilizá-lo para elas aprenderem também?”.

Nasceu, então, o projeto “Gamificação para aprender a lição”. “Eu recebo o planejamento que vem da Secretaria da Educação e verifico, dentro da BNCC, o que é mais importante para os alunos do 4º ano aprenderem, aquilo que eles precisam de fato concretizar”, detalha Suelen. “A partir disso, vou criando as ‘missões’ do game, algumas para serem realizadas individualmente, outras em grupo, sempre trabalhando o conteúdo de sala de aula. E envio tudo pelo WhatsApp”.

A professora ressalta o papel ativo que os alunos exercem nesse processo. A sala é dividida em quatro grupos, e cada um desses agrupamentos no WhatsApp possui um ‘líder’ que recebe as ‘missões’ a serem feitas em equipe e as repassam para os seus colegas – sempre, é claro, sob observação e intervenções da docente. “Fico estimulando os alunos o tempo todo para que eles se engajem nas missões em busca dos ‘búttons’ e ‘medalhas’ virtuais que eu distribuo. Também organizo grupos de estudos e de ajuda entre eles. Uma das alunas, por exemplo, gravou ela própria um tutorial ensinando os colegas a gravarem a tela do celular”, relembra.

Suelen comenta que a escola já realizou avaliações diagnósticas, mas que ela mesma procura identificar como está a aprendizagem por meio de estratégias próprias, como pequenos simulados e atividades em plataformas como o Google Forms. “Para os alunos que estão com mais dificuldade, além desse estímulo e envolvimento com os colegas, também faço um trabalho mais específico. Deixo gravadas algumas aulas e explicações em atividades paralelas numa pasta do Google Drive, que eles podem utilizar de maneira autônoma”, explica a educadora. Para ela, presencial e remoto podem se complementar no futuro. “Mas, para isso, é necessário um trabalho organizado e diferenciado”.

Aprendendo poesia (e muito mais) por meio de slams
Na Escola Estadual Joaquim Eugênio Lima Neto, em São Paulo (SP), a professora Lídia Moura Batista, que dá aulas de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental, passou o ano de 2020 totalmente no modelo remoto. Mas, desde o começo de 2021, já atua de forma semipresencial. Inicialmente, havia um rodízio de professores, mas hoje todos os educadores já retornaram à escola. As turmas de estudantes se dividem e frequentam as aulas em dias alternados, com metade dos alunos em cada sala, além de carga horária presencial reduzida.

Tanto nos momentos totalmente a distância quanto no formato atual, em que o remoto ainda é usado, Lídia aponta a maior dificuldade. “Claro que a falta de acesso a recursos tecnológicos interfere, porém, mais do que isso, eu vejo que os alunos não têm uma cultura de estudar e de aprender on-line, e por isso muitos se perderam”. Desse modo, no processo para estimulá-los a pesquisar e estudar por meio desses recursos digitais, foi preciso realizar algumas experimentações. “Testei todas as possibilidades, com ferramentas como WhatsApp, Padlet, Microsoft Sway, Google Classroom, lives sobre literatura. Porque se você consegue chegar a dez alunos numa ferramenta, cinco em outra, dois em outra e mais um aqui, você já chegou em dezoito pessoas, né?”, analisa Lídia. “Diversificando as possibilidades de aprendizagem, é possível atingir um número maior de estudantes”.

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No entanto, esse foi só o primeiro passo, já que existe todo um esforço posterior para criar uma rotina de estudos com essas ferramentas. Para isso, uma das suas principais iniciativas foi a organização de slams, que basicamente consiste em um trabalho envolvendo competição de poesia falada on-line.  “Isso surgiu muito da observação do perfil dos alunos, que são muito críticos, mas não levavam esses posicionamentos para questões sociais”, conta a professora.  “Vi no slam uma possibilidade deles se envolverem com o mundo que os cerca”. Em 2020, Lídia trabalhou essa modalidade com o 9º ano do Ensino Fundamental e também com o 1º ano do Ensino Médio. Neste ano, a atividade acontece com turmas de 8º e 9º ano.

Assim, inicialmente, a professora incentiva pesquisas sobre o slam e temas sociais, tudo via Google Classroom. Depois, aos poucos, tenta provocar os alunos a produzir e enviar nos grupos de WhatsApp o seu próprio ‘grito’ em formato de poesia. Ela sempre garante, antes da gravação, a correção dos textos também via Classroom, porque, apesar da oralidade, é preciso verificar características textuais como rima e batida. “Atividades como essas são interessantes, pois, além de mexerem com emoções e expectativas, muitas vezes, os alunos nem percebem que estamos trabalhando determinados conteúdos e, ao final, se impressionam dizendo ‘nossa, então eu sei fazer poesia!’”.

Apesar de satisfeita com o resultado de ações como essas, a professora Lídia considera que o ensino remoto sozinho não dá conta de agir nas aprendizagens. “Penso que havia até certa resistência por parte de algumas pessoas, e esse caso do slam mostrou que é possível aprender remotamente, sim, mas sem substituir o presencial e, principalmente, sem abrir mão do acompanhamento do professor, que continua essencial”, opina a educadora.  “Porque na sala de aula a gente faz isto: se o aluno está parado, perguntamos por que ele não conseguiu fazer determinada atividade e o orientamos. No remoto, a lógica deve ser a mesma: precisamos verificar se o aluno visualizou a atividade e, caso negativo, investigar por que isso ocorreu”.

Atender a todos e monitoramento constante
“Será que eles estão aprendendo alguma coisa?” Esse era o questionamento que o professor Murilo Cassimiro e seus colegas mais se faziam no ano de 2020, quando começaram a colocar em prática o ensino remoto emergencial. Murilo atuava como professor de Geografia para os anos finais do Ensino Fundamental na Escola em Tempo Integral (ETI) Prefeito João Lyra Filho, em Caruaru (PE). Agora, em 2021, é coordenador pedagógico da mesma instituição. A preocupação dos docentes fazia sentido: quando conseguiram estruturar aulas síncronas pelo Google Meet, observaram que dos 470 estudantes do 6º ao 9º ano matriculados, algo em torno de 120 conseguiam acessar esses encontros.

“Foi preciso pensar em estratégias para se chegar aos outros alunos, dentro do que era possível realizar”, lembra o educador. “Então, o coordenador na ocasião teve a ideia de enviar cadernos de atividades pelos grupos de WhatsApp, para ao menos garantir o vínculo com a escola. A ideia funcionou tão bem que foi incorporada pela rede”. Naquele momento, explica o educador, a questão da aprendizagem era um ponto muito complexo, e a opção da escola foi evitar avaliações e focar mais na análise da situação dos alunos, identificando se estavam conseguindo visualizar e realizar  as atividades disponíveis remotamente.

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Em 2021, a escola segue 100% remota, com previsão de retorno em 13 de setembro. Agora atuando na coordenação, Murilo conta que, ainda que todos estejam um pouco mais adaptados ao trabalho remoto, e que avaliações diagnósticas de Língua Portuguesa e Matemática tenham sido realizadas em abril, os desafios para se chegar a todos os alunos e consolidar a aprendizagem continuam. “No começo do ano, após a entrega dos livros didáticos, surgiu a ideia de enviarmos resumos semanais nos grupos de WhatsApp, algo que também tem dado certo”, destaca o coordenador. “Todas as sextas-feiras os professores colocam um resumo do conteúdo trabalhado nas aulas síncronas da semana. A ideia é de que o aluno que não pôde acompanhar essas aulas pegue o livro, encontre o que foi trabalhado e realize seus estudos e atividades”.

Além disso, existe o trabalho da Secretaria de Educação com o projeto Aula em Casa Caruaru, com videoaulas que passam na TV, no YouTube e em outras mídias sociais. “Esse trabalho é importante porque as aulas são gravadas em cima do conteúdo dos materiais didáticos da rede, que agora contarão com um caderno de progressão, focado nas habilidades a serem desenvolvidas, e outro de fortalecimento e recuperação, centrado em competências já trabalhadas”, explica.

Com isso, o educador enxerga duas perspectivas de trabalho remoto que se complementam. “De um lado, nós temos esses vídeos que vêm da rede e que são muito importantes para apoiar o trabalho do professor”, analisa. “E, do outro, temos o nosso trabalho aqui na escola, com as planilhas de monitoramento individual que fazemos de todas as turmas, a busca ativa, as atividades elaboradas pelos professores, e o próprio diálogo com a comunidade e entre os professores, sempre buscando olhar atentamente as questões de aprendizagem de cada estudante”.

A importância das formações e de um olhar individualizado
Apesar de já ter familiaridade com ferramentas Google para a Educação, Felipe Nóbrega, professor de História e atual diretor da Escola Municipal Walmir de Freitas, em Volta Redonda (RJ), conta que iniciou um verdadeiro mergulho nessa plataforma em março de 2020, quando ele e toda a sua equipe se lançaram no trabalho remoto. A experiência rendeu tantos frutos que, em 2021, surgiu mais um desafio: trabalhando junto a outros professores, o educador assumiu a coordenação do Centro de Mídias Educacionais da Secretaria Municipal de Educação.

A partir dessas vivências, ao falar de aprendizagem para além do presencial, Felipe ressalta o papel-chave das formações de professores nesse processo. “Em 2020, lá no Walmir, fizemos um grande trabalho de formação com os professores, deixando-os por dentro desse mundo digital”, recorda. “A partir de então, todas as nossas aulas são desenvolvidas com as ferramentas Google, como Slides, Docs, Formulários, Jamboard e o Google Sala de Aula”. Em 2021, já atuando no Centro de Mídias, ele conta que trabalha com uma perspectiva similar, ainda que com um olhar para toda a rede. “Por meio do centro, visamos desenvolver mídias educacionais e operacionalizar a formação, sempre inserindo os educadores além da mídia digital – porque se os professores aprenderem a utilizar devidamente esse formato, conseguem também enriquecer o que vai em papel”.

O educador compartilha alguns exemplos desse olhar para impresso e digital.  “Nas formações de 2020, nós pensamos o que poderíamos utilizar de recursos para que os estudantes tivessem maior proveito. A principal iniciativa foi usar e abusar de recursos visuais e inserir o máximo de vídeos”, relata. “Quem estava on-line teve uma vantagem maior. No entanto, consolidamos estratégias como fixar o Google Slides como padrão de formatação. Isso forçou o professor a não utilizar muito texto e possibilitou que, ao imprimirmos esses materiais com menos texto e muitos recursos visuais, eles mantivessem o mesmo nível de qualidade para quem só estudava no papel”.

O trabalho de acompanhamento desses alunos deu-se em muitas frentes: busca ativa por WhatsApp, por telefone ou mesmo pessoalmente; lives no Facebook para tirar as dúvidas da comunidade; e reuniões de acompanhamento semanal entre professores para alinhamento de prioridades, entre outras iniciativas com foco na aprendizagem. No retorno semipresencial programado para setembro, mais ações devem ser adotadas. “Os dados da nossa escola mostram que houve perdas, tanto para quem acompanhou no meio impresso quanto no formato digital”, reflete o educador. “Mas é muito complicado colocar no remoto todas as expectativas de recuperação de aprendizagem daqui por diante. Ele pode auxiliar, sim, mas não pode ser o carro-chefe nesse processo”.

Para o diretor e coordenador do Centro de Mídias de Volta Redonda, é hora de experimentar e testar, e mais do que nunca, entender a centralidade do professor nessa dinâmica. “Agora, é preciso olhar para cada indivíduo e elaborar um bom plano de recuperação de aprendizagem, baseado em elencar o que é essencial, fazer uma boa avaliação diagnóstica e, a partir dos resultados, possibilitar que o professor trace os planos de ação para os seus alunos, porque cada sala é um mundo particular”, indica Felipe. “É difícil saber qual vai ser o caminho daqui por diante, mas ninguém sabe melhor do que o professor. Por isso, é tão importante formá-lo. O professor é a base para qualquer coisa que você queira fazer.”

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