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Jornalismo

Que forma têm as coisas que nos cercam?

Observando atentamente diversos objetos e alimentos, a garotada aprende a elaborar e a validar hipóteses sobre a composição de diferentes materiais e inicia o aprendizado sobre os estados físicos da matéria

PorFernanda Salla

01/09/2012

Crédito: Getty Images

O que ocorre com os alimentos quando eles são colocados no freezer? Provavelmente, a resposta da maioria das pessoas seria: "eles congelam", certo? Pois saiba que o termo "comida congelada" está errado, de acordo com a Ciência. Segundo escreve o químico norte-americano Robert L. Wolke no livro O que Einstein Disse a Seu Cozinheiro (300 págs., Ed. Zahar, tel. 21/2529-4750, 49,90 reais), "do ponto de vista técnico, congelar significa converter uma substância do estado líquido para o estado sólido, diminuindo-se a temperatura dela abaixo do ponto de congelamento. Mas as carnes e os legumes já estão sólidos ao serem postos no freezer". O que ocorre com eles? Por que ficam mais rígidos depois da refrigeração?

Os alimentos endurecem porque contêm - apesar da aparência sólida - partículas de água em forma líquida à temperatura ambiente. São elas que congelam. Isso ocorre com outros materiais e depende da estrutura molecular de cada substância que o compõe - conceito complexo para a garotada dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Antes de mergulhar nas definições científicas, os alunos, nessa fase, precisam entender que um material pode se apresentar de várias formas - como a água - e ser composto de uma ou mais substâncias em estados distintos - como a carne. Porém isso nem sempre é fácil para as crianças. Ao observar um cubo de gelo e um copo d?água, por exemplo, elas tendem a achar que são materiais diferentes. Da mesma maneira, ao verem uma poça d?água evaporar, acreditam que ela desapareceu, em vez de se transformar em vapor.

Por isso, substâncias simples, como o gelo, podem ser utilizadas para as problematizações iniciais do conteúdo. É essencial, no entanto, não cair na armadilha de se restringir a ele. Discutir outros exemplos torna o aprendizado mais conectado ao dia a dia da turma. Para estimular o debate, o ideal é começar levando vários deles (como os citados ao longo desta reportagem) e propor que os alunos listem todos de acordo com a forma mais evidente. Não se esqueça de antes apresentar e nomear as formas (sólida, líquida e gasosa), pois é provável que nem todos conheçam os termos. "É importante incentivá-los a observar o que há ao redor e iniciar uma tentativa de classificação de acordo com a forma, sem entrar em conceituações específicas", afirma Cristian Annunciato, pesquisador da Sangari Brasil, em São Paulo.

Refletir sobre materiais mais complexos gera novos saberes

Quando os estudantes se depararem com materiais mais complexos, constituídos de misturas homogêneas ou heterogêneas, podem ter dúvidas para classificá-los. Uma fruta, por exemplo. Ela é sólida? Sim, mas pode ser transformada em suco. E como definir uma folha de papel? Ela é aparentemente sólida, mas também é maleável porque entre suas fibras há espaços preenchidos com ar. Apesar de ter forma e volume definidos, é possível modificar o formato dela.

E uma pessoa é sólida? Sim. Porém, ao apertarmos uma parte do nosso corpo, o formato se altera por um período. Isso ocorre porque nosso organismo tem líquidos e gases em seu interior. "Esse é um momento interessante para problematizar a composição dos materiais e instigar a observação mais detalhada", diz Annunciato. Vale questionar: o que vocês conseguem ver nesse objeto? Qual é a forma mais evidente? Ao pegá-lo nas mãos, ele é rígido? Qual é a textura? É úmido ou seco? Quando vocês o apertam, o que acontece?

Também é válido levar os alunos a classificar os materiais em mais de uma categoria. Eles podem colocar um refrigerante na lista dos líquidos, por exemplo, já que aparentemente a bebida tem volume definido e forma não. Porém, quando são levados a observá-la atentamente, veem bolhas de gases se soltando, além de sedimentos de partículas sólidas, como os aromatizantes. O mesmo ocorre com o sorvete, que num primeiro momento pode ser considerado simultaneamente sólido e líquido pela garotada.

Durante o processo de levantamento de hipóteses, pergunte quais os critérios usados na classificação. As crianças podem dizer que "tudo o que dá para pegar é sólido" ou "tudo que escorre pelas mãos é liquido". Porém a areia também escorre pelas mãos. Como classificá-la? Nesse momento, convide-as a uma análise mais detalhada para resolver o impasse. Vale mais incentivar o grupo a especular sobre o que é visto do que apresentar respostas acabadas. Assim, todos são estimulados a valorizar atitudes científicas e entendem as definições formais que caracterizam sólidos, líquidos e gasosos. "A turma deve ser levada a concluir que sólidos têm forma e volume definidos. Os líquidos contêm volume definido, mas a forma varia de acordo com o recipiente. Já os gasosos não possuem forma e volume determinados", diz José Megid Neto, coordenador da Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com base na classificação feita pela meninada, é possível introduzir novas informações ajudando no desenvolvimento de outros saberes. Um desses aprendizados é o conceito de conservação de massa. "Desenvolver a ideia de que as coisas não desaparecem, mas mudam de forma, é fundamental para o aprendizado desse e de outros conteúdos, como o ciclo da água e a decomposição", diz Felipe Damásio, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC).

É possível citar outros estados da matéria sem se aprofundar

Durante a atividade, pode ser que surjam questionamentos sobre elementos que não possuem massa, como a sombra e o raio de luz. Eles estão fora da classificação de forma, que se restringe àquilo que é matéria. Você pode, junto com a turma, colocá-los em um quarto grupo. Explique que as coisas que possuem massa não ocupam o mesmo lugar no espaço que outras, mas não é preciso ir muito além. O que vale, também aqui, é refletir sobre o assunto sem se preocupar em encontrar respostas definitivas. 


No mesmo sentido, há materiais vistos pelos alunos que não se classificariam em sólido, líquido e gasoso. Há mais dois estados físicos da matéria: o condensado Bose-Einstein - alcançado em condições e temperaturas extremas, não encontrada no nosso dia a dia - e o plasma - caso do vidro e das estrelas. Porém não é preciso trabalhar com esse rigor científico. "A turma pode entender a estrela como gasosa por não ter massa nem forma definidas e não há problema. O papel das Ciências não é dar respostas exatas, mas preparar indivíduos que façam perguntas e procurem respostas", afirma Damásio. Afinal, uma criança que começa a descobrir o mundo à sua volta passa a entender melhor seu papel dentro dele.

Sorvete no microscópio
Estruturas moleculares invisíveis a olho nu explicam por que a forma dele pode combinar dois estados


O sorvete é sólido, mas essa forma pode coexistir com a líquida à temperatura ambiente. Isso ocorre porque sua estrutura molecular tem espaços em que gotículas de água ficam depositadas. Quando a temperatura aumenta, essas gotículas são aos poucos liberadas
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