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Jornalismo

Educação Infantil: a importância dos registros das crianças como elementos que descrevem uma história

Nós, educadores, precisamos tomar cuidado para não deixar que a pandemia apague os elementos históricos que compõem o ambiente escolar

PorEvandro Tortora

11/05/2021

Os trabalhos das crianças são também registros históricos nas escolas. Crédito: Acervo pessoal/Evandro Tortora 

Esta semana retomamos as atividades presenciais aqui na minha cidade (Campinas, no interior do estado de São Paulo), e depois de mais de um ano afastado da sala de referência da minha turma, voltei a este lugar com tantas memórias boas! Por lá, ainda estava o porta-retrato que ganhei da Larissa, aluna da turma de 2019, além dos crachás das crianças de 2020 – lembro que algumas delas estavam desenvolvendo as primeiras atividades com seus nomes.

Por ali, entre os tantos elementos que contam histórias de um ano interrompido, estava também o calendário da turma. A última marcação aconteceu no dia 20 de março de 2020, data em que houve roda cantada, brincadeiras no parque, almoço, ateliês de trabalho na sala, roda de avaliação final e saída. Essa foi nossa rotina... Mal sabíamos o tanto que demoraríamos para retomar, de alguma forma, todas essas nossas atividades.

Esses elementos que eu mencionei acima marcam uma história, que estava sendo escrita de uma maneira e que, com a explosão da covid-19, acabou tomando outros rumos. No entanto, desde antes dessa complexa realidade que vivemos atualmente, podemos dizer que todas as diferentes situações que sempre vivenciamos dentro de uma escola de Educação Infantil deixam marcas – e esses registros funcionam como elementos históricos descritores. 

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Presente e passado: a importância de se preservar elementos históricos da escola

Entre essas experiências que só quem está na Educação Infantil sabe, temos algumas que são simplesmente afetos, e que marcam as nossas relações: aqui, estamos falando de sentimentos, relatos e até marcas no nosso próprio corpo, como aquele joelho ralado que deixou uma cicatriz que nos lembra o quanto foi divertido brincar naquele dia.

Só que, para além disso, enquanto vivemos nesses espaços, deixamos também os nossos registros e marcas nos objetos que fazem parte desses locais. Uma das coisas que eu mais gostava, antes da pandemia, era deixar as marcas das crianças em diferentes ambientes da minha escola! Por exemplo, os quadros e outras produções artísticas que tínhamos pendurados por lá eram todas obras produzidas pelas crianças de turmas de anos anteriores, e que por consequência, inspiravam novas produções das crianças que chegavam à escola a cada ano. 

Trata-se de elementos que são descritores da trajetória dos nossos espaços escolares, e que marcam a concepção de criança e mesmo de Educação Infantil que nós possuímos. São concepções que valorizam o protagonismo da criança em suas ações, bem como enxergam os pequenos como seres potentes em suas produções – capazes de propor formas de se expressar artisticamente e de produzir afetos naqueles que leem essas obras.

Além disso, na escola em que trabalho, sempre procuramos estimular a produção de obras coletivas, com crianças e adultos produzindo suas artes em conjunto. O resultado final era lindo – lembro-me sempre da “festa das flores’, em que convidávamos todos para uma celebração na escola, e enfeitávamos o ambiente com flores e painéis produzidos com desenhos das crianças, elementos que posteriormente permaneciam ali, decorando o nosso ambiente. 

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É interessante, ainda, observar como os trabalhos escolares mais antigos realmente nos levam de volta ao passado, seja pelas reflexões que provocam – podemos compreender o histórico da Educação Infantil quando comparamos os registros produzidos por diferentes instituições ou quando, dentro da mesma escola, comparamos fotografias e obras artísticas de épocas passadas – ou pela própria retrospectiva histórica que esses trabalhos apresentam para nós e para os nossos pequenos.

Nessa linha, na escola onde trabalho, encontramos fotos da década de 1990, em que as professoras decoravam as paredes com enfeites da Disney e de outros personagens que as crianças gostavam muito, e faziam exposições de desenhos mimeografados que eram coloridos pelos pequenos! Com a preservação de registros como esses nas escolas,  certamente muitas boas lembranças virão para as professoras e professores.

Vejam como estes registros são ricos! Eles estimulam reflexões importantíssimas sobre a Educação Infantil dentro da nossa instituição e mostram como somos seres históricos que deixamos nossas marcas por onde passamos, sejam elas nas pessoas ou no próprio ambiente em que estamos. 

Cuidados em tempos de pandemia: não podemos descartar nossos registros históricos!

Sei que é sempre um desafio escolher quais elementos ficam e quais se vão ao longo do tempo. Costumamos dar muito daquilo que produzimos às crianças para que levem para casa, o que é perfeitamente válido, afinal muitas das produções são delas e não há espaço para guardarmos tudo na escola. Porém, agora com esse retorno gradual às atividades presenciais, precisamos repensar algumas práticas.

Tudo porque, com a pandemia, fomos inundados com uma série de protocolos sanitários que, se não tomarmos os devidos cuidados, vão acabar fazendo com que percamos elementos importantes da própria história! Não estou dizendo que devemos ignorar esses protocolos, mas sim, buscar uma forma de viver temporariamente com eles, afinal a pandemia vai acabar, enquanto a nossa história precisa continuar. 

Ao chegar à escola em que trabalho e perceber a sala e o pátio tão vazios das produções das crianças, fiquei pensando em qual seria a concepção que aquele ambiente tão ‘desinfetado’ poderia refletir – e, definitivamente, não é isso que almejo para uma instituição de Educação Infantil. 

Pode ser um pouco tarde para alguns de nós, mas faço aqui um apelo àqueles e àquelas docentes que têm o mesmo hábito que nós temos lá na escola: não percam seus registros! Guardem seus quadros nos almoxarifados, deixem os painéis dentro dos armários, coloquem tudo dentro de caixas, enfim, arquivem tudo! Não joguem as suas memórias no lixo. Não deixem que este vírus apague a história do ambiente em que vocês trabalham. 

No Brasil, infelizmente, temos o péssimo hábito de não valorizar elementos históricos. Percebemos isso quando vemos museus importantes pegando fogo por falta de orçamento e manutenção. Não deixem que isso aconteça dentro das suas escolas! Já disse isso em outros textos e vou repetir aqui: há, de fato, muito de um ‘novo normal’ acontecendo, mas ele não pode fazer com que percamos nossos princípios para educação de crianças. 

Convido vocês a refletirem sobre isso, e a arquivarem seus registros históricos para que, num futuro não tão distante, possamos voltar às rotinas da forma como almejamos!

Um abraço carinhoso e até breve!

Evandro

Evandro Tortora é professor de Educação Infantil há 7 anos na Prefeitura Municipal de Campinas, licenciado em Pedagogia e Matemática e doutor em Educação para Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Bauru. Além da docência na Educação Infantil, tem experiência com pesquisas na área da Educação Infantil e Educação Matemática, bem como desenvolve ações de formação continuada para professoras e professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.

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