O abre e fecha das escolas na Justiça em meio à pandemia de covid-19
O vai e vem de decisões judiciais sobre a volta às aulas em tempos de pandemia gera ainda mais insegurança
22/03/2021
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Jornalismo
22/03/2021
* Texto escrito por Alessandra Gotti e Arthur Paku Ottolini Balbani
Os efeitos da pandemia na educação serão sentidos por muito tempo em nossa sociedade. Para além das perdas cognitivas e do reflexo na saúde emocional dos estudantes, é fato que o distanciamento do ambiente escolar, que já dura um ano, aprofundará as desigualdades educacionais e sociais tão gritantes no Brasil.
Partindo da premissa de que a Educação é um serviço essencial, e que possui papel central na vida de milhares de crianças e adolescentes, muitos estados iniciaram o ano letivo de forma presencial, escalonada, gradual, observando rígidos protocolos de biossegurança.
O agravamento da pandemia e o endurecimento das medidas restritivas nos estados e municípios tencionaram ainda mais o ambiente escolar. O ritmo lento da vacinação no país e a incerteza quanto à proximidade da imunização dos professores e profissionais de Educação que estão na linha de frente nas escolas e que, por sua essencialidade para o país, deveriam estar na etapa prioritária logo após os profissionais da saúde, tornam os questionamentos sobre o acerto ou desacerto da volta às aulas presenciais ainda mais inflamados e polarizados.
O abre-fecha das escolas na Justiça paulista
Esse misto de incerteza, insegurança e angústia tem se refletido em múltiplos pleitos submetidos à Justiça sobre a volta às aulas presenciais.
Contudo, se em 2020 chegavam ao Judiciário pedidos para que as escolas, principalmente as particulares, pudessem reabrir, o movimento foi inverso no fim ano passado e neste início de 2021: as ações passaram a ser ajuizadas para manter as escolas fechadas e o ensino de forma remota.
Em São Paulo, o abre-fecha das escolas iniciou poucos dias antes do reinício das aulas.
Primeiro movimento de abre-fecha
Dentre as diversas ações ajuizadas, vale a pena citar, por sua abrangência, a Ação Civil Pública proposta, em 22 de dezembro de 2020, pela APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), pela AFUSE (Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação do Estado de São Paulo), pelo CPP (Centro do Professorado Paulista), pela APASE (Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial do Estado de São Paulo), pela FEPESP (Federação dos Professores do Estado de São Paulo) e pela UDEMO (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo), visando a impedir o retorno de toda e qualquer atividade presencial com a convocação dos filiados a elas “enquanto não houvesse certeza quanto ao resguardo da saúde de todos os envolvidos”, com a subsequente manutenção do ensino exclusivamente remoto.
Cerca de um mês depois, em 28 de janeiro, foi concedida liminar, pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, suspendendo as disposições do Decreto do governo de São Paulo n° 65.384/20, que dispõe sobre a retomada das aulas e atividades presenciais no contexto da pandemia da covid-19, consistentes na autorização de retomada de aulas e atividades escolares presenciais nas escolas (públicas, privadas, estaduais e municipais) localizadas em áreas classificadas nas fases vermelha e laranja do Plano São Paulo em todo o território estadual. Além disso, foi determinada liminarmente a suspensão dos efeitos da autorização concedida no artigo 11, §7º da Resolução Seduc-95/2020, que previa a possibilidade dos profissionais do grupo de risco participarem das aulas presenciais desde que firmassem termo de responsabilidade a ser disponibilizado na Secretaria Escolar Digital.
Um dia depois (29/1) a liminar foi suspensa por decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, em um procedimento que se chama Suspensão de Segurança. Essa decisão garantiu a abertura das aulas em 1º de fevereiro, como estipulado no calendário-escolar da Secretaria Estadual de Educação.
Segundo movimento de abre-fecha
Em março houve outro movimento de abre-fecha.
Foi proferida no dia 9 de março, pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, a decisão de mérito (sentença) da Ação Civil Pública movida pelos sindicatos e federações sindicais, confirmando a liminar acima mencionada. Vale dizer: a sentença determinou que o Estado de São Paulo se abstivesse de realizar atividade presencial com a convocação dos filiados das entidades autoras – os sindicatos e federações sindicais destacadas (APEOESP, AFUSE, CPP, APASE, FEPESP e UDEMO) - nas escolas de educação básica do Estado de São Paulo (públicas e privadas, estaduais ou municipais), nas fases laranja e vermelha do Plano São Paulo, além de tornar nula a autorização concedida pela Secretaria Estadual de Educação para que os profissionais do grupo de risco participassem das aulas presenciais mediante assinatura de responsabilidade a ser disponibilizado na Secretaria Escolar Digital.
O que está valendo afinal?
A sentença da ação proposta pela APEOESP e demais sindicatos gerou uma infinidade de dúvidas: Quais os profissionais de Educação ela abrange? As escolas privadas são alcançadas por ela? A sentença na prática suspende as aulas presenciais ou não?
Professores e profissionais da Educação contemplados
Não foram poucos os professores que questionaram se a decisão abrangia apenas os filiados aos sindicatos que propuseram a ação ou não. A sentença da Ação Civil Pública é bastante clara no sentido de que apenas os filiados às entidades autoras (APEOESP, AFUSE, CPP, APASE, FEPESP e UDEMO) são beneficiados pelos efeitos do julgado, o que excluiria do alcance da decisão os professores não sindicalizados ou filiados a sindicatos distintos. Sobre esse ponto, os sindicatos já apresentaram recurso visando a ampliar a abrangência da decisão a toda a categoria dos professores e profissionais da Educação, independentemente de estarem ou não filiados a eles.
E os professores das escolas privadas? Muitos entendem que não estão abrangidos na sentença já que o SINPRO-SP, que representa os interesses dos professores que trabalham nas escolas particulares, não é um dos sindicatos que ajuizou a ação. Por outro lado, não pode ser desconsiderado que o SINPRO-SP é filiado à FEPESP, de modo que, processualmente, pelo teor da sentença, sua determinação abrange sim os profissionais filiados àquele sindicato.
Aplicabilidade às escolas privadas
Como a ação foi ajuizada em face do estado de São Paulo, muitos têm sustentado que é questionável a sua aplicabilidade às escolas privadas. Nesse sentido, Nina Ranieri, professora da Universidade de São Paulo, sustentou que “a Fazenda do Estado não interfere na atividade das escolas particulares no que diz respeito à convocação de professores. Desse ponto de vista, não há o que o governo do Estado possa fazer para impedir a convocação de profissionais da rede privada” .
Suspensão das aulas presenciais
Como se não bastassem tantas dúvidas, há uma terceira controvérsia que foi pouco abordada e é decisiva: diz respeito à aplicabilidade imediata da ordem de suspensão das aulas e atividades presenciais.
Como explicado, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, O desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, suspendeu os efeitos da liminar concedida na Ação Civil Pública em 29 de janeiro, fazendo uso de uma competência prevista em lei (Lei n° 8.437/92) que permite que, em situações excepcionais, quando houver manifesto interesse público, ele possa, a requerimento do poder público, suspender decisão liminar.
Em termos práticos temos a seguinte situação: a sentença na Ação Civil Pública determinou que o Estado não realizasse atividade educacional presencial com a convocação dos filiados dos sindicatos. Por outro lado, a decisão do Presidente do Tribunal de Justiça assegurou a realização das atividades presenciais.
Processualmente, até que sejam esgotados todos os recursos possíveis no âmbito da Ação Civil Pública, o que não ocorrerá a curto prazo, prevalecerá a decisão de manutenção das aulas presenciais adotada pelo Presidente do Tribunal.
Terceiro movimento de abre-fecha
Para além desta Ação Civil Pública e todas as dúvidas que já gerou, em 11 de março houve outra liminar proferida pela juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, na Ação Popular movida pelo deputado estadual Carlos Giannazi.
Essa decisão impôs o dever de não realização de aula presencial e de não convocação dos professores da rede estadual e da rede municipal de ensino (ainda que não filiados a qualquer associação ou sindicato), nas fases laranja e vermelha do Plano São Paulo, com a manutenção da modalidade remota de ensino. Porém, em mais uma reviravolta, em 13 de março, sobreveio novamente decisão do Presidente do Tribunal de Justiça que suspendeu a decisão proferida na Ação Popular.
Em síntese, o cenário hoje é o seguinte: a menos que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça (que reúne 25 Desembargadores) reveja as decisões de suspensão das liminares na Ação Civil Pública e Ação Popular ou que sejam adotadas medidas mais restritivas que impeçam as atividades escolares no âmbito municipal (como feito na Capital de São Paulo neste momento), prevalece a possibilidade de realização das atividades presenciais nas escolas.
A judicialização da volta às aulas nos outros Estados
São Paulo não é o único estado da Federação a ser palco da judicialização da volta às aulas.
No Paraná, o Tribunal de Justiça local foi instado pelo Sindicato das Escolas Particulares de Londrina a se manifestar acerca da validade de um decreto municipal da cidade de Londrina que suspendia as aulas presenciais, ou seja, que mantinha as escolas fechadas e conservava as aulas em regime remoto de ensino. Enquanto a primeira instância entendeu ser o caso de tornar o decreto sem efeito, impondo o retorno imediato das aulas presenciais, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná entendeu pela validade da suspensão das aulas presenciais, com base no direito constitucional à saúde e à vida.
Em Minas Gerais, ao analisar recurso que visava à pronta retomada das aulas presenciais na rede básica de ensino, em ação manejada pela Fundação Educacional Manguense (FUNEM), a desembargadora Ana Paula Caixeta afirmou que “não compete ao Poder Judiciário decidir sobre quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução das medidas de combate à pandemia causada pela Covid-19”.
Já no Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça manteve liminar concedida em primeira instância na Ação Civil Pública movida pela Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), para suspender o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas e privadas do Estado do Rio Grande do Sul, enquanto vigente a decretação de bandeira preta do Sistema de Distanciamento Controlado. Tal decisão, inclusive, foi confirmada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, que reputou “haver dúvida razoável acerca de quais sejam as recomendações técnico-científicas relativas à matéria controvertida”, trazendo dúvidas acerca da possibilidade de retorno às aulas no atual estágio da pandemia (Suspensão de Tutela Provisória 750/RS).
O impasse acerca da real orientação a ser seguida – se a favor ou contra o retorno das aulas – deve ser analisado à luz da impossibilidade, em regra, do Judiciário substituir o Executivo enquanto formulador e implementador de políticas públicas. Contudo, em todos os casos acima analisados, não há uma decisão definitiva, a qual ocorreu apenas na Ação Civil Pública analisada pela Corte Paulista e que ainda pende de recursos.
Em resumo: qual o cenário atual?
O cenário atual, como visto, é bastante tormentoso e incerto. Não há segurança jurídica na volta às aulas presenciais a todos envolvidos, ante o constante “abre e fecha” narrado. Por todo o país, tem se reproduzido o embate entre aqueles que desejam ver as escolas abertas e aqueles que entendem que é necessário que todos estejam vacinados para que, apenas então, as aulas presenciais sejam retomadas.
Ambos os lados possuem argumentos. Sabemos que é inviável reabrir as escolas sem a garantia da implementação de rígidos protocolos de biossegurança, visando a preservar a saúde e a vida de todos os atores envolvidos (pais, alunos, professores e demais profissionais da educação). Ao mesmo tempo, não é possível cogitar que se aguarde a vacinação de toda a população e o fim da pandemia para que ocorra a retomada das atividades presenciais nas escolas – relembrando que o Brasil foi o país que, no curso da pandemia, manteve as escolas fechadas pelo maior período de tempo.
O diálogo se faz cada vez mais necessário para que se aparem as arestas e se encontre um norte a seguir. Em um cenário tão conturbado, a Educação brasileira não carece de mais incertezas: é preciso navegar em águas calmas, sem tanta turbulência, com todos remando em um mesmo sentido.
A judicialização da volta às aulas que se nota em todo o Brasil é um sinal da importância de mais diálogo e articulação interinstitucional pela busca de soluções. Enquanto persistir o conflito e os antagonismos, tempo, esforços e recursos serão desperdiçados; é preciso reuni-los e agir coordenadamente em prol do objetivo comum de assegurar o retorno seguro às aulas a milhares de crianças e adolescentes, para mitigar os prejuízos a toda uma geração que não pode exercer o simples direito de ir à escola e aprender.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Foi Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação.
Arthur Paku Ottolini Balbani é associado efetivo e pesquisador do Instituto Articule. Mestrando em Direito pela USP. Assistente jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
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