A conta armada além da decoreba
Leve a garotada a entender a lógica por trás do algoritmo
PorSophia WinkelPaula Valentim
01/02/2015
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Jornalismo
PorSophia WinkelPaula Valentim
01/02/2015
"Para somar 49 e 36, é fácil. De cima para baixo, fazemos 9 mais 6. Deu 15, então vai 1, que a gente soma com 4 mais 3. Dá 85." Eis o conjunto de ações da conta armada, também chamada de conta em pé ou continha nas diferentes regiões do Brasil. O termo matemático que nomeia essa técnica, você sabe, é algoritmo - sequência de instruções em ordem determinada para resolver um cálculo. Ao ouvir uma criança recitar a tal série de ações, muita gente respira aliviado e conclui: "Que bom, esse aluno já sabe somar". Será mesmo? O resultado pode estar certo, mas o pequeno consegue explicar o que significa o tal "vai 1"? É capaz de entender o raciocínio por trás da técnica que memorizou?
Esse é o risco que se corre ao se apresentar a conta armada como método "oficial" para calcular, como acontece em boa parte dos livros didáticos e suas quilométricas listas de "arme e efetue". Pode-se passar a ideia de que esse é o único jeito de realizar as operações. Quando isso ocorre, adição e subtração são vistas como um passo a passo mecânico, utilizado sem questionamento. Como não há reflexão sobre a lógica das etapas, os alunos têm dificuldade de entender onde e por que erraram. E o pensamento matemático vai se esvaziando de sentido já no início da escolarização.
O campo aditivo é um conteúdo muito mais rico e complexo do que uma simples técnica de cálculo. Para mostrar isso, é fundamental levar as crianças a ter contato com diversas estratégias para, só então, ensinar a conta armada (confira a sequência didática). "Quando os professores partem dos procedimentos individuais e introduzem o algoritmo formal pouco a pouco, eles permitem que os alunos construam as relações necessárias à compreensão das formas possíveis de solução e evidenciam que existem diferentes caminhos a ser escolhidos", afirma Gilda Lisbôa Guimarães, professora de Educação Matemática e Tecnológica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Uma opção que respeita a pesquisa autônoma do estudante e a experimentação de estratégias pessoais e em grupo é começar pelo cálculo mental. Ele coloca o aluno diante de vários caminhos para se chegar ao resultado: estimativa, empréstimo e devolução de unidades para resolver as contas e por aí vai. Utilizando essas estratégias, um aluno poderia seguir o seguinte raciocínio para realizar 49 + 36, soma que abre esta reportagem:
Ao ter de pensar no cálculo e traçar as próprias estratégias para fazer a conta, a criança refletiu sobre como poderia resolver a operação, apoiando-se no que sabe. Por outro lado, quando se opta por introduzir o algoritmo de cara, é comum observar equívocos como este:
Como se vê, o erro ocorre porque o aluno usou o passo a passo sem atentar para o valor posicional dos algarismos, tratando-os de forma isolada. Sem realizar o transporte para a coluna das dezenas (o "vai 1"), somou as unidades e colocou o 15 ao lado do 7. Se ele utilizasse o arrendondamento, estratégia tradicional do cálculo mental, saberia que o resultado deveria estar próximo de 70 (somando 40 + 30, decompondo o 40 do 49 e o 30 do 36). "É preciso mostrar que, na maioria das situações cotidianas, não precisamos do resultado exato, mas de uma boa estimativa. Devemos chegar a ela antes da realização de um cálculo para facilitar a verificação do resultado", explica Clelia Ignatius, vice-coordenadora da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM).
Do cálculo mental ao algoritmo
Quando os pequenos já tiveram tempo para desenvolver, pesquisar e pôr à prova diferentes estratégias, é possível estabelecer ligações entre as técnicas de cálculo mental e a conta armada. Para ficar no exemplo de 49 + 36, dá para utilizar a decomposição decimal para que eles analisem o significado do "vai 1" da conta armada:
Pode-se avançar mais. Uma sugestão para seguir ampliando a diversidade de maneiras de cálcular é sublinhar um fato esquecido por muitos professores: o algoritmo tal como o conhecemos não é a maneira exclusiva de fazer conta armada. No mundo todo, surgiram variadas sequências de regras para solucionar problemas - o que nos permite encontrar diferentes maneiras de somar e subtrair em determinados países. No Brasil e no Marrocos, por exemplo, a soma 7654 + 381 é efetuada de jeitos distintos:
Mesmo em um país específico, há pessoas que subtraem utilizando métodos diferentes. É o caso daqui mesmo, no Brasil:
Por fim, vale recorrer à história da Matemática para desmistificar a ideia de que o algoritmo nasceu pronto e acabado. É uma falsa impressão: a conta armada é resultado de muito esforço humano. Ela foi desenvolvida e aperfeiçoada ao longo de séculos em razão da necessidade de realizar contagens sem usar dedos, riscos no chão ou na pedra (imagine ter de fazer como nossos antepassados da pré-história, que só podiam recorrer à contagem simples e direta de objetos...).
O Ocidente provavelmente teve contato com essa maneira de calcular por meio da obra de um matemático árabe que viveu no século 9, Al Khowarzimi, considerado o pai da álgebra. A palavra algoritmo, aliás, seria uma derivação latina de seu nome. Para além das operações de adição e subtração, os algoritmos são essenciais para diversas atividades da sociedade moderna. Na computação, por exemplo, os softwares contêm algoritmos que detalham instruções específicas, em ordem predeterminada, para que as máquinas consigam realizar tarefas como imprimir uma página, mostrar uma figura etc. Ao percorrer esse caminho, a turma entende o porquê da conta armada, a razão de seus passos, e reconhece seu valor como recurso de economia de tempo. Mas sabe que não é o único jeito de calcular.
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