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Jornalismo

A construção do repertório de cálculos memorizados

Saiba por que (e como) Lucimar Borba de Lima propôs atividades para ajudar os estudantes a se apropriar de um conjunto de resultados de cálculo simples

PorBeatriz Vichessi

01/02/2012

O projeto de Lucimar, da EMEF Chapeuzinho Vermelho, investigou
o que os alunos pensavam sobre diversos cálculos básicos. Foto Marina Piedade/Ilustração Clouds 4 Sale
Fácil ou difícil? O projeto de Lucimar, da EMEF Chapeuzinho Vermelho, investigou o que os alunos pensavam sobre diversos cálculos básicos.
Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10

"Apresentação de definições, regras e atividades para serem resolvidas por meio do algoritmo (a conta armada) marcavam minha prática até o dia em que me propus a refletir sobre como conduzia as aulas. Depois de participar de um projeto de formação sobre cálculo mental, tomei consciência de que tenho de possibilitar aos estudantes oportunidades para que elaborem os próprios procedimentos de resolução e avancem com base neles - e não forçá-los a usar sempre os mesmos, como se fossem os únicos possíveis ou corretos. Resolvi colocar em prática um projeto para que as crianças se apropriassem de um conjunto de resultados de adições e subtrações básicas, como 5 + 5, 79 - 69, 300 + 10 e 320 - 20. Com eles em mente, a turma poderia resolver adições e subtrações mais complexas com autonomia. É interessante observar como os alunos estabelecem relações com as propriedades do sistema de numeração e as operações e assim compreendem o que estão fazendo e encaram os problemas com segurança. Encerrado o trabalho, ninguém mais usava os dedos ou riscava tracinhos nem classificava um cálculo como difícil. Todos aprenderam que, para calcular algo complicado, era só recorrer ao que sabiam." 

Lucimar Borba de Lima

O relato à esquerda é da professora do 2° ano da EMEF Chapeuzinho Vermelho, em Ariquemes, a 203 quilômetros de Porto Velho, e revela uma preocupação. Como ensinar somas e subtrações?

Aprender a calcular é uma tarefa complexa e obter a resposta correta não pode ser o único objetivo. O trabalho precisa incentivar as crianças a recorrer aos saberes provisórios para ter autonomia no processo de resolução e refletir sobre as propriedades do sistema numérico e das operações.

As atividades devem enfocar análise e compreensão dos resultados obtidos. Por isso, apresentar o algoritmo logo de cara não é uma boa ideia. "Ele não deixa claro o valor posicional dos números", diz Camilla Schiavo, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo. Por exemplo, por trás do "vai 1" na soma 96 + 14, há uma decomposição. Ao "subir 1" do 10 (resultado de 6 mais 4) e somá-lo ao 9 (que vale 90) e ao 1 (que vale 10), quem resolve a conta decompõe o número e o adiciona às dezenas. Esse modo de pensar é usado nas subtrações também, quando se "empresta 1". É desejável, então, que esse tipo de resolução seja apresentado às crianças mais adiante.

Inicialmente, o mais adequado é trabalhar com cálculo mental. Para isso, é importante organizar a construção de um repertório memorizado. Assim, os alunos têm a chance de desenvolver procedimentos próprios, que vão ajudar na resolução da conta armada. De acordo com o documento Cálculo Mental con Números Naturales: Apuntes para la Enseñanza, da Secretaria de Educação da Cidade de Buenos Aires, na Argentina, a resolução com a conta armada é diferente se o cálculo mental for o ponto de partida.

As adições e subtrações essenciais

Os alunos classificam cálculos em
fácil ou difícil
e explicam o porque, revelando
o que sabem e suas estratégias de resolução. Foto Marina Piedade/Ilustração Clouds 4 Sale
Diagnóstico inicial Os alunos classificam cálculos em fácil ou difícil e explicam o porque, revelando o que sabem e suas estratégias de resolução.
A turma socializa resultados conhecidos
de adições
e subtrações
e registra tudo
em cartazes,
que podem ser consultados. Foto Marina Piedade/Ilustração Clouds 4 Sale
Repertório memorizado A turma socializa resultados conhecidos de adições e subtrações e registra tudo em cartazes, que podem ser consultados.
Os estudantes resolvem cálculos usando o que
já sabem de cor
e combinando estratégias. Assim, o que
era difícil se torna fácil. Foto Marina Piedade/Ilustração Clouds 4 Sale
Cálculo mental Os estudantes resolvem cálculos usando o que já sabem de cor e combinando estratégias. Assim, o que era difícil se torna fácil.

Repertório memorizado é um conjunto de resultados que se sabe de cor e pode ser recuperado com rapidez. A aquisição dele representa a superação das estratégias de contagem (uso de tracinhos e dos dedos) e da sobrecontagem (procedimento que consiste em contar a partir de um número referência). No dia a dia, recorremos a esse repertório. Para estimar o valor de uma compra, por exemplo. Se você comprou três itens que custam 2 reais em média, sabe que o gasto total é, aproximadamente, 6 reais porque tem na memória que 2 + 2 + 2 = 6 (ou que o triplo de 2 é 6).

Embora esse repertório possa parecer óbvio e simples para muitos adultos, para as crianças do 2° ano não é e precisa ser montado com sua ajuda. Nessa etapa da escolaridade, o repertório deve ser composto de cálculos dos seguintes tipos:

- Adições com números de um algarismo, como 5 + 6 e subtrações da mesma natureza, como 11 - 5.

- Adições que representam o dobro, como 7 + 7.

- Adições de um número redondo de dois algarismos com outro de um algarismo, como 70 + 9, e subtrações afins, como 70 - 9.

- Adições que resultem 10, 100 etc.

- Subtrações que resultem 1, 10, 100 etc.

- Adições e subtrações com 10, 100 etc.

- Adições e subtrações entre números redondos e quaisquer outros, como 30 + 7 e 100 - 82.

- Cálculos de complementos de um número qualquer em relação a um redondo. Por exemplo, quanto é preciso somar a 568 para obter 600.

- Cálculos que envolvam decomposições aditivas apoiados na organização do sistema de numeração. Por exemplo, 3.987 - 987 e 4.000 + 187.

Registros em cartazes servem de apoio

A sequência didática para organizar o trabalho feito por Lucimar com a garotada da Chapeuzinho Vermelho é simples, basicamente dividida em três passos.

O primeiro é organizar um diagnóstico. "Conhecer o que os alunos sabem e quais estratégias usam para solucionar os cálculos é fundamental porque, com essas informações, o professor pode promover a evolução dos procedimentos utilizados pelo grupo", explica Priscila Monteiro, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.

Lucimar selecionou 12 cálculos que se enquadram nos tipos básicos do repertório do 2° ano e pediu que as crianças classificassem cada um deles em fácil ou difícil, explicassem o motivo e registrassem o resultado se o soubessem. Faziam parte da lista as seguintes adições e subtrações: 50 - 49, 430 - 30, 90 + 10, 75 + 25, 7 + 7, 6 + 6, 80 - 20, 13 + 7, 100 + 24, 14 - 4, 43 - 3 e 12 - 2. Algumas respostas apresentadas pelos estudantes foram "75 + 25 é difícil porque os números são grandes", "7 + 7 é fácil porque é só colocar 7 na cabeça e 7 na mão" e "90 + 10 é difícil porque a professora ainda não ensinou". Nesse momento, incentivar a turma a defender suas estratégias de resolução e comentar a dos colegas é interessante. "Todos precisam tomar consciência dos procedimentos que usam e dos cálculos que sabem. Com o confronto de opiniões, todos refletem sobre os caminhos mais econômicos e confiáveis para calcular", explica Camilla.

A etapa seguinte consiste em ajudar os alunos a enxergar regularidades, propondo que resolvam séries, como 6 - 1, 7 - 1, 8 - 1 e 30 + 70, 40 + 60 e 50 + 50. Registradas em cartazes, essas somas e subtrações ajudam a garotada a resolver outros desafios. Com isso, as crianças de Ariquemes generalizaram saberes como "sempre que subtraímos 1 de qualquer algarismo, o resultado é o número anterior da sequência numérica". Simultaneamente, deve-se propor reflexões sobre o modo de calcular. Qual o mais econômico?

O último passo deve focar o uso do repertório em prol do cálculo mental. Lucimar convidou os alunos a resolver adições como 120 + 240. "Alguns sugeriram decompor 100 + 200 e 20 + 40 em 1 + 2 = 3 e 2 + 4 = 6 e obtiveram 360 como resultado." As propostas devem variar, estimulando a combinação de mecanismos de resolução e de resultados conhecidos.            

Com um trabalho como esse, a turma aprende a encarar os números com soluções próprias e confiáveis - um ganho e tanto para quem ainda tem pela frente muito a calcular.

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