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Jornalismo

Mais que um professor: alfabetizadores são aqueles que nos abrem os olhos para ler o mundo

Para homenagear os educadores que marcam histórias, a editora do site de NOVA ESCOLA conversou, depois de 22 anos, com a professora que a alfabetizou. Confira o relato:

PorLaís Semis

07/10/2020

Crédito: Getty Images

1998 foi um ano especial. Lembro de ter ganho um peixinho laranja no primeiro dia de aula, de usar letrinhas de macarrão e tampinhas de garrafa com sílabas coladas para formar palavras, de levar muito tempo para copiar na agenda os recados e que o primeiro livro que levei emprestado da biblioteca pra casa era sobre um homem que andava a noite toda buscando encontrar o Sol. Era o meu primeiro ano na escola. Tudo que vivi naquele ano foi especial. Foi quando aprendi a ler –  e saber ler mudou tudo.

"Quanta coisa que há no mundo: há coisas que a gente entende... e coisas que a gente não entende!", diz Ruth Rocha em O menino que aprendeu a ver. Antes da escola, lembro de observar minha mãe olhando os dias da semana no calendário e pensar que nunca aprenderia a decifrar o que aquilo significava. Imaginava que no futuro teria que pedir ajuda aos meus filhos para consultar as datas caso alguém me perguntasse. Essa ideia me gerava um certo constrangimento. Por isso, ficava perguntando o que diria para esconder deles que eu não sabia ler.

Embora eu sempre tivesse curiosidade de saber o que diziam as placas que via no caminho a escola e já reconhecesse algumas letras, foi a minha primeira professora, Magda Lo Sardo, que deu sentido para aqueles símbolos. “As crianças nessa faixa etária são muito curiosas, você proporciona as situações e eles mesmos se alfabetizam. A gente, que é professor, canaliza aquele potencial e ajuda a transformar aquilo. É emocionante e mágico”, ela me conta enquanto compara esse processo com o personagem de O menino que aprendeu a ver. Depois de ir à escola, João começa a ver as letras que aprende em todos os lugares: embalagens, letreiros de ônibus, comércios na rua. E, de repente, há um novo mundo para ser visto com outros olhos.

Decodificar grafemas e fonemas é um processo complexo para quem está começando a aprender a ler e escrever. Por que borboleta não se escreve com o desenho que representa esse inseto? Como as mesmas letras podem formar tantas palavras? E por que alguns sons são iguais com letras diferentes? Qual é a diferença entre céu e seu ou de mel e meu? Dar sentido ao sistema de escrita não é nada simples. Mas um alfabetizador conhece bem as dores e as delícias desse processo.

“Tenho orgulho de falar que sou professora. É muito gostoso ver alguém se alfabetizando e, depois, ver os alunos formados e onde chegarem. Sei que não fui a causadora, mas ajudei”, me diz Magda – que, impossível pra mim não lembrar, compartilha do nome da maior especialista em alfabetização do país. Ao longo de 27 anos como professora, calcula que quase mil alunos dividiram a sala com ela. Guarda os álbuns de fotos de todas as suas turmas e lembra do nome completo de boa parte deles. “Alguns a gente perde o contato logo, mas, por ser uma cidade do interior [de São Paulo], outros a gente continua vendo. Ainda recebo ligações, notícias e visitas de alguns dos meus ex-alunos”, ela me conta em nossa conversa. Levou 22 anos para que a gente se reencontrasse e, para minha surpresa, ela ainda se lembrava muito bem de mim. “Fui a primeira professora de vários. Alguns eram muito pequenos e não lembram, mas quem lembra é sempre um encontro carinhoso”. E assim foi o nosso.

O que Magda me ensinou permitiu que eu fizesse das palavras um ofício. Mas, com as chaves que ela me deu, eu poderia escolher qualquer caminho. Assim como tantos outros alfabetizadores, Magda não me ensinou só a ler. Ela me ensinou a ver o mundo. Por isso, neste dia dos professores, o meu muito obrigada a ela e a todos os professores que nos ensinam todos os dias a ver que tudo muda a partir do conhecimento.

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