Mais investimento, menos arrecadação: como fechar a conta na Educação?
Cenário de restrições orçamentárias, fechamento das escolas particulares e eleições municipais acrescenta desafios para a área educacional
04/09/2020
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Jornalismo
04/09/2020
Adaptações nos espaços escolares para garantir a biossegurança da comunidade escolar, formação para preparar os educadores para lidar com os desafios do momento e investimento em máscaras, álcool em gel e outros itens de higiene. Não há retorno presencial sem o investimento em medidas sanitárias e pedagógicas. Fechar essa conta, entretanto, é uma tarefa complexa. Com a queda da arrecadação, o fechamento das escolas particulares e a troca de gestão pública nas redes municipais, o Brasil enfrentará limitações orçamentárias que exigirão pensar a Educação de forma criativa e articulada.
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Impacto do fechamento das particulares
Longe das estruturas físicas por conta da pandemia, as escolas particulares estão sendo pressionadas a oferecer um percentual de desconto neste período em que se encontram no trabalho remoto. Em algumas localidades, como no Rio de Janeiro, a redução da mensalidade pode chegar a 30%. Enquanto os órgãos de controle entendem que as instituições de ensino precisariam reduzir custos, a realidade é que muitas delas também precisaram investir em formação para o ensino remoto, plataformas digitais e outras questões vinculadas ao currículo. Devido à pandemia, a União das Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte indica que entre 30% a 50% das escolas particulares estariam correndo o risco de fechar. Cerca de 95% dessas instituições sofreram cancelamento de matrículas nos últimos meses.
A princípio, pode parecer que o fechamento das escolas particulares não tem a ver com as escolas públicas. Entretanto, a oferta das particulares é fundamental para o próprio equilíbrio econômico e social do sistema público educacional. A Constituição Federal garante a oferta de Educação para os alunos de 4 a 17 anos, mas a migração de alunos em massa das particulares para as públicas se soma à complexidade do cenário de necessidade de aumento da arrecadação.
Mas a situação econômica é desfavorável. Segundo relatório da empresa D³e, intitulado Covid-19 e Financiamento da Educação no Brasil, as despesas com educação derivadas das receitas vinculadas poderão encolher, no acumulado dos anos 2020 e 2021, de 11,1% no cenário mais otimista (que pressupõe a distribuição de uma vacina a partir do início de 2021) a 31,6% no cenário mais pessimista.
Como fechar essa conta? Como questão vinculada ao acesso, vamos ter que enfrentar o aumento das desigualdades pela falta de acesso igualitário ao ensino online e déficits de aprendizagem causados pelo período de isolamento social. No Nordeste, temos percebido que diversos alunos nao tem realizado nenhuma oferta educacional. O que já era desigual, deve crescer.
Mudanças de gestão no meio de uma crise
A equação de equilibrar quantidade e qualidade na Educação se soma ainda a um outro desafio: uma nova gestão pública municipal que assume em 2021. Como os prefeitos atuarão em relação à gestão das escolas também influenciará a conta. Várias pesquisas apontam que uma das variáveis mais importantes da aprendizagem são os professores. Entretanto, logo após, vem o bom gestor. Não dá mais pra ter gestores escolares improvisados que são alocados no cargo por indicações políticas -- é um ônus para a escola. A profissionalização da gestão é meta do Plano Nacional de Educação (PNE). Gerir o pedagógico, financeiro, administrativo, as pessoas e a comunicação não é tarefa banal. Por isso, é desaconselhado que a escolha dos gestores seja política.
Tanto no corpo técnico da secretaria quanto na escolar ser bom gestor é fundamental, ainda mais num cenário de restrições financeiras. A qualidade da gestão será fundamental para o sucesso educacional. E o primeiro ano é determinante: começar uma gestão sem foco e usando mal o dinheiro público, pode comprometer os próximos anos. Mais do que nunca, é preciso ter foco de onde e como aplicar bem os recursos financeiros e humanos disponíveis para uma aplicação que gere impacto na aprendizagem. Precisamos ter metas claras para a aprendizagem e uma gestão colaborativa entre governos. Não podemos mais trabalhar baseado em “achismos”. Trabalhar com base em evidências é fundamental para o sucesso da política educacional.
Os novos gestores municipais vão precisar rever o modelo de financiamento e gestão tradicional, com mecanismos que fortaleçam regimes de colaboração, entre municípios próximos, com os governos estadual e federal. Ao trabalhar de maneira integrada dentro de um dado território é possível reduzir custos, por exemplo, de transporte e de compra de merenda ao reduzir o valor per capita por conta da escala da compra. Até mesmo a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) poderia ser feita de forma muito mais colaborativa e articulada entre os municípios, ganhando escala, foco e maiores chances de sucesso. E um dos instrumentos para isso são os Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs), em conformidade com artigo 7º - parágrafo 7º do Plano Nacional de Educação.
Não daremos conta do tamanho do desafio posto para a Educação nos próximos anos se os 5.570 municípios brasileiros trabalharem isoladamente. As diferenças entre redes de ensino e escola crescerão. Arranjos e consórcios são previstos em lei e bem utilizados nas áreas de saúde e ambiental. O próprio Ministério da Educação (MEC) pode estimular mecanismos de financiamento, mediante editais, para que os municípios possam atuar de forma mais colaborativa. Temos diferentes arranjos no país que já funcionam e, se tivermos o apoio do governo federal, mesmo com os desafios, também teremos janelas de oportunidade. É importante salientar que o Brasil já utiliza o mecanismo de editais para a área de ciência e tecnologia há muito tempo como maneira de introduzir mudanças de cultura na área com aumento de qualidade.
Outro aspecto tem a ver com a meritocracia na distribuição dos recursos públicos. No Ceará, por exemplo, a distribuição do ICMS estadual aos municípios se faz levando-se também em consideração o número de crianças alfabetizadas das redes municipais, e não apenas o número de crianças matriculadas. O Brasil precisa aprender com o Brasil. Uma boa notícia é que o novo Fundeb já incorpora tal política, ou seja, de mais recursos com base em resultados de aprendizagem.
É importante dizer isso agora para que os planos de trabalho dos candidatos municipais tragam uma proposta séria que possa ser efetivada garantindo a qualidade do que está sendo oferecido. Os planos de trabalho precisam considerar e traçar ações que considerem os desafios que se anunciam diante de um cenário de incertezas, restrições orçamentárias e desigualdades ampliadas pela pandemia.
Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto e membro do Conselho Nacional de Educação. Engenheiro químico de formação, possui doutorado e pós-doutorado na área, além de grande trajetória no Ensino Superior. Foi professor, pró-reitor acadêmico e reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna. Foi eleito pela Revista Época como uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2008, também foi considerado Educador Internacional do Ano, em 2005, pela IBC Cambridge. Mozart atuou como secretário de Educação de Pernambuco, foi presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e presidente-executivo do Todos Pela Educação. Também é autor dos títulos “Educação brasileira: uma agenda inadiável”, “Educação sustentável” e “Sem Educação não haverá futuro”.
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