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Jornalismo

Turma heterogênea: cada um é um. E agora?

Saiba como seis professoras ajustaram as estratégias para ensinar a todos os alunos sem deixar nenhum para trás

PorBeatriz Santomauro

01/09/2012

Cada um é um. Foto: André Spinola e Castro

Na escola do passado, quem não se adequava às expectativas do professor era pouco a pouco excluído e só os bem-sucedidos permaneciam. Hoje, as salas têm alunos de variadas realidades econômicas, culturais e sociais. Não faz mais sentido excluir os que não aprendem da forma esperada, em um tempo preestabelecido. "Ainda sentimos saudade do que podia ser controlado pela exclusão e pela homogeneidade. Mudar esse paradigma é o grande desafio atual", diz Lino de Macedo, do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade da USP.

A questão é atual, mas já foi colocada em destaque muitos anos atrás pelo psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934). No livro A Formação Social da Mente - O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores (220 págs., Ed. Martins Fontes, tel. 11/3116-0000, 46,50 reais), ele esclarece que o educador deve ter estratégias diferenciadas para atender os alunos, já que todos não detêm os mesmos conhecimentos nem aprendem de forma igual.

Admitir a heterogeneidade como uma característica não é o mesmo que lidar com ela na prática, e muitos questionamentos permeiam o dia a dia de quem ensina. Como apresentar um novo conteúdo se uma parte dos estudantes ainda não aprendeu o previsto? É melhor garantir o aprendizado de todos, desacelerando as aulas ou seguir o currículo mesmo que só alguns acompanhem? Se você se reconheceu nessas dúvidas, saiba que todas têm respostas, que por sua vez indicam um caminho: aprimorar os critérios didáticos para enfrentar o problema.

No livro A Prática Educativa: Como Ensinar (224 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 60 reais), Antonio Zabala, especialista espanhol em Filosofia e Psicologia da Educação, explica: "Em cada caso, utilizamos uma forma de ensinar adequada às necessidades do aluno. Segundo as características de cada um, estabelecemos um tipo de atividade que constitui um desafio alcançável, mas um desafio, e, depois, lhes oferecemos a ajuda necessária para superá-lo".

A essa consideração, você pode aliar o que os estudantes já sabem e definir os objetivos a serem alcançados por eles. No decorrer do processo, fazer sondagens para acompanhar a aprendizagem ajuda a identificar quem está ficando para trás, o que cada um compreendeu e revela o que precisa ser alterado no planejamento. "É fundamental saber lidar com um aluno que diz 'não entendi'. Não adianta repetir a explicação. Ele precisa de outros recursos ou acessar a informação de um jeito diferente", diz Maria Auxiliadora Megid, docente da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).

Lembre-se de que os saberes da garotada são provisórios e o avanço depende, mais uma vez, da maneira de trabalhar os conteúdos e do jeito que você propõe a interação entre os pares. A variedade deve ser reconhecida e valorizada, inclusive pelos próprios alunos. Essa postura impulsiona a aprendizagem, conforme as argentinas Delia Lerner e Patricia Sadovsky explicam em Didática da Matemática (organização de Cecilia Parra e Irma Saiz, 258 págs., Ed. Artmed, 55 reais): "Em uma discussão, as argumentações dos colegas abrirão um caminho até a resposta. Formular uma nova pergunta constitui uma aprendizagem porque é o ponto de partida para a elaboração de um novo conhecimento".

Nas páginas seguintes, seis professores contam como lidaram com a heterogeneidade com três propostas: atividades diversificadas para trabalhar o mesmo tema, atividades diferentes para explorar conteúdos distintos e discussão coletiva.

Inspire-se nos depoimentos para aperfeiçoar a prática, lidando com a heterogeneidade tal como ela é: uma característica intrínseca de toda classe.

Um tema visto por vários ângulos
Com atividades diversificadas sobre um mesmo tema, os alunos acessam as informações de maneiras múltiplas e têm mais oportunidades para aprender 

Ao experimentar materiais diferentes, os estudantes exploram, cada um a seu modo, muitas maneiras de trabalhar com a linha. Fotos: Suzete Sandin
Ao experimentar materiais diferentes, os estudantes exploram, cada um a seu modo, muitas maneiras de trabalhar com a linha

"Para explorar a materialidade da linha, ou seja, características como flexibilidade, espessura e textura, planejei uma sequência de atividades. Para começar, apresentei à turma obras de artistas contemporâneos que fazem da linha seu objeto de investigação. Selecionei trabalhos dos brasileiros Vik Muniz (com arame), Clara Fernandes (com fios de lã), Leonilson (1957-1993) (bordado em tecido) e Lygia Clark (1920-1988) (com elástico). Também mostrei desenhos da alemã Rebecca Horn. Para desenhar, ela prende canetas aos dedos, como prolongamentos do corpo, criando efeitos interessantes.

Depois, orientei os alunos a ocuparem as bancadas da sala de Arte. Em cada uma, havia um material: serpentina, barbante, lã, arame e canetinhas. Organizei um rodízio para que todos experimentassem um material por vez e conhecessem suas qualidades. Assim, eles puderam dobrar, amarrar, cortar, enrolar e riscar para descobrir as inúmeras possibilidades e pensar sobre os desafios que criaram para eles mesmos. Afinal, todos manusearam cada tipo de linha à vontade, sem imposições ou a necessidade de copiar alguma coisa. Essa etapa também foi importante para eu descobrir como a sala lidou com cada produto: as características dos materiais influenciam na complexidade da atividade. Alguns disseram ter adorado usar o arame, que é duro, para construir objetos tridimensionais, mas comentaram as dificuldades de lidar com o barbante, muito maleável. Outros tinham uma opinião oposta - enquanto com o barbante é possível fazer muita coisa, o arame resiste a alguns movimentos. Justamente por isso, incentivei os estudantes a conversar sobre suas experiências. Queria que eles dessem palpites e observassem as saídas que os colegas encontraram para, por exemplo, desenhar com muitas canetas presas às mãos.

Na sequência, propus que cada jovem escolhesse um material para explorar mais uma vez - como o que mais gostou ou o mais desafiador. Meu objetivo era deixar todos irem mais a fundo na experiência. Para encerrar, as produções foram organizadas em portfólios individuais e a turma pôde ver as criações e discutir. E, assim, eu vi com clareza o percurso de cada um e avaliei a aprendizagem do grupo."

Marion Martino, professora de Arte do 8º ano da EBM Brigadeiro Eduardo Gomes, em Florianópolis.

Em foco, os povos indígenas

"Antes de abordar a temática indígena, investiguei as informações que a garotada tinha a respeito. Os conhecimentos variavam: alguns alunos falaram sobre as paisagens naturais, outros citaram o vestuário usado por personagens indígenas das histórias em quadrinhos. Houve ainda quem dissesse que os índios são preguiçosos. Estava evidente que era necessário ampliar os conhecimentos de todos e, para isso, apostei em diversas atividades. Considerei importante dedicar algumas aulas ao estudo de uma etnia específica e depois encaminhar a turma para fazer uma comparação com outros povos e discutir a importância dos indígenas para a identidade nacional. Orientei a busca de informações sobre os ikpengues, do Mato Grosso, a fim de que os alunos soubessem algo sobre eles antes de assistirmos a um DVD que mostrava um pouco da vida desse povo. Terminada a exibição, eles notaram que as crianças da tribo assinavam o roteiro, comentaram sobre a obra e compararam com as informações pesquisadas. Depois, leram o capítulo do livro didático sobre os primeiros habitantes do Brasil. Fiquei satisfeita com o processo. Quanto mais os alunos se aproximavam do assunto, mais informações eram incorporadas ao repertório. Para finalizar, visitamos uma exposição sobre os índios da Amazônia. Apreciamos materiais sobre várias etnias. Com tudo isso, a turma aprendeu sobre o papel dos povos indígenas na história do país e que eles não são um grupo único."

Renata Salles, professora de História do 6º ano do CE Frei Seráfico, em São João del Rei, a 186 quilômetros de Belo Horizonte.

Para cada necessidade, uma proposta
Nem sempre todos os estudantes têm condições de resolver desafios iguais e ao mesmo tempo. Planeje atividades diferentes para explorar conteúdos distintos

Enquanto as crianças não alfabéticas leem palavras em uma lista, as que já dominam a leitura e a escrita aprendem ortografia. Fotos: André Spinola e Castro
Enquanto as crianças não alfabéticas leem palavras em uma lista, as que já dominam a leitura e a escrita aprendem ortografia

"Nos primeiros meses do ano, a turma era formada por crianças que sabiam ler e escrever convencionalmente e outras com diferentes hipóteses de escrita. Com o passar do tempo, as crianças com escritas pré-silábicas avançaram para o nível silábico ou silábico- alfabético e precisavam ser instigadas com outras propostas para adquirir novos saberes. Nesse intervalo, as alfabéticas não poderiam ficar estagnadas, esperando que os colegas avançassem.

Por causa disso, planejei atividades que envolvessem a história Branca de Neve - já conhecida pela turma - que abarcassem conteúdos diferentes. Enquanto os alunos com escritas não alfabéticas estivessem trabalhando com um desafio de leitura, os alfabéticos teriam uma tarefa sobre ortografia.

A atividade para o primeiro grupo consistia na análise de uma lista: as crianças deveriam circular o nome de personagens da história. Além de "princesa", "bruxa" e "anões", elas encontraram outros, como "lobo" e "Cinderela". Sempre que necessário, fazia intervenções para ajudar na reflexão sobre o sistema de escrita: 'Como você sabe que está escrito lobo? Ah, entendi: essa é a única palavra da lista que termina com o'. Esse tipo de reflexão na atividade de leitura para as crianças não alfabéticas teve um propósito: eu queria que elas resolvessem as questões sem a interferência das que já sabem ler e escrever e, por isso, antecipam as respostas certas.

Para os alunos do segundo grupo, a proposta era identificar, em um trecho do conto, palavras com M antes de P e B. A intenção era que eles analisassem o uso do M e do N. Por fim, as crianças tinham de criar regras sobre o assunto. Uma delas foi: 'Se você escrever uma palavra com M ou N, ver a letra que vem depois. Se for P é M e se for B é M'. Em conjunto, elaboramos uma regra para o uso do M e do N e a registramos em um cartaz para ser usado em consultas futuras. Ao propor tarefas de diferentes conteúdos em um mesmo momento, permiti às crianças avançar conforme suas possibilidades. Se tivesse apresentado apenas uma tarefa, teria menos trabalho, mas não atingiria todas."

Érica Nascimento, professora do 2º ano da EE Professora Maria Aparecida dos Santos Oliveira, em Ibitinga, a 361 quilômetros de São Paulo.

Fotossíntese e reprodução na mesma aula

"Propus uma avaliação sobre reprodução humana (tema desenvolvido nas aulas anteriores) e fotossíntese (conteúdo estudado no ano anterior, mas que seria retomado para o ensino dos processos de obtenção de energia, como a respiração). Ao analisar as respostas dos alunos, pensei de que forma elas poderiam guiar o planejamento das aulas. Constatei que, enquanto uma parte deles tinha compreendido as informações sobre reprodução, outros ainda precisavam avançar. O que fazer? Não queria voltar ao assunto - já que parte da turma se aborreceria por ter de estudá-lo novamente. Ao mesmo tempo, não podia deixar alguns sem aprendê-lo.

Resolvi formar dois grupos conforme o diagnóstico. Quem precisava aprender mais sobre reprodução voltou a estudar com novos materiais e a orientação de colegas. Os demais se dedicaram à fotossíntese, lendo textos sobre as reações ao processo. Esses materiais foram indicados como lição de casa para a garotada que estudava a reprodução.

Dei atenção a todos, mas acompanhei de perto os que precisavam avançar no estudo da reprodução. Esses alunos tinham menos autonomia para estudar. Também incentivei a troca entre eles. Quem já tinha compreendido o tema explicava-o aos demais, o que colaborou para a ampliação da capacidade de argumentação deles. Quem recebia as informações se aproximava do conteúdo de um jeito diferente, já que quem falava era um colega, e não eu."

Rosária Andrade, professora de Ciências do 9º ano da EE Zulmira de Almeida Lamberti, em São Vicente, a 75 quilômetros de São Paulo.

Trocar e debater sobre diversos conhecimentos
Depois de estudar um assunto, é interessante propor uma discussão coletiva para que a turma entre em contato com outras informações

Compartilhar diferentes estratégias para resolver problemas dá ao aluno a oportunidade de aprender com o outro.. Fotos: Patrícia Stavis
Compartilhar diferentes estratégias para resolver problemas dá ao aluno a oportunidade de aprender com o outro

"Atualmente, me preocupo mais com a qualidade do que com a quantidade de problemas propostos aos alunos. Percebi a importância de discutir a fundo uma questão e saber o que eles pensam.

Em uma aula de Matemática, propus o desafio: 'Quantos botões uma costureira precisa comprar para colocar em 9 camisas, sabendo que para cada uma utilizará 8 botões para a parte da frente e 2 botões para cada punho?' Pedi que as crianças resolvessem a questão individualmente e, quando terminassem, mostrassem os registros para mim. Assim, descobriria o que cada uma já sabia, inclusive as mais quietas. Também queria conversar com elas sobre as resoluções a fim de que me explicassem os procedimentos adotados. Para ajudar, fazia perguntas do tipo: 'Você só colocou o resultado aqui, mas como chegou a esse número?'.

Esse momento de conversa foi importante para eu notar que a maior parte dos alunos resolveu o problema usando a multiplicação. Poucos desenharam tracinhos ou as camisas para contar todos os botões necessários. Observei cinco jeitos de resolver o problema.

Enquanto conversava com os estudantes, selecionava algumas estratégias para a discussão coletiva. Sei que não é necessário discutir todas as propostas apresentadas pela meninada e que devo selecionar algumas levando em conta o que quero problematizar. Escolhi três resoluções: 9 x 12, 9 x 8 + 9 x 4 e 9 x 8 + 9 x 2 + 9 x 2. Queria que os alunos estabelecessem relações entre elas, defendessem sua estratégia, mudassem de ideia e reconhecessem como válido o pensamento dos colegas. A meta era que todos entendessem que com 9 x 12 se chega ao mesmo resultado que somando os produtos de 9 x 8 e 9 x 4. Desse modo, promovi uma reflexão sobre as propriedades da multiplicação sem dar nome a elas. Selecionei, além de todas essas, mais uma resposta interessante. Um estudante registrou 120 - 12 = 108. Ele me explicou que sabia que 12 x 9 resolveria a questão, mas que também poderia calcular 12 x 10 e subtrair 12 do total, encontrando a multiplicação por 9.

Os alunos aprenderam que é possível utilizar cálculos diferentes para obter o mesmo resultado. E conquistaram autonomia para decidir qual a melhor estratégia, a depender do tipo de problema."

Simone Cristina Scabo Manholeti, professora do 4º ano da Fundação Bradesco Jardim Conceição, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo.

Produção industrial na ponta da língua

"Antes de começar a trabalhar o conceito de indústria, diagnostiquei que os conhecimentos dos alunos eram diferentes e identifiquei três grupos. O primeiro, composto de filhos de funcionários de indústrias da cidade, sabia muito sobre o tema. O segundo, com interesse em História do Brasil, era formado por jovens que já haviam lido algo a respeito do assunto. Já o terceiro era de estudantes que não tinham muita bagagem na área. Levando esses perfis em conta, questionei sobre o que eles entendiam do modo de produzir. A fala de um deles, que enfocou a diferença entre artesanato e produção em série, foi importante para eu abordar o que é manufatura e o que é produzido nas fábricas. Apresentei também uma aula expositiva com outros aspectos ligados ao tema: a história da industrialização no país, no estado e na nossa cidade, a dependência tecnológica, os impostos e a profissionalização da mão de obra. Visitamos uma indústria do município, e a moçada teve a oportunidade de conhecer diversas áreas e conversar com os funcionários.

De volta à escola, organizei a turma em duplas. Pedi que relacionassem o que já sabiam com o que foi visto no passeio e se preparassem para uma discussão coletiva sobre o processo de industrialização. Os filhos de funcionários contribuíram com detalhes e os demais apresentaram dados mais amplos. As informações não estavam mais restritas à experiência pessoal."

Franciane Pereira, professora de Geografia do 7º ano na EE Samuel Engel, em Alfenas, a 342 quilômetros de Belo Horizonte.

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