Mudança de rotina: como se manter próximo das famílias em tempos de pandemia
Da noite para o dia as escolas receberam uma missão: se reinventar para atender seus alunos. E agora?
28/04/2020
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Jornalismo
28/04/2020
Com a pandemia de Covid-19, o Brasil não teve alternativas a não ser implementar a quarentena para evitar o contágio acelerado da doença. Isso porque um número alto de infectados ao mesmo tempo sobrecarregaria o sistema de saúde do país e faria com que muitas pessoas não tivessem acesso a tratamento adequado. Apesar das notícias sobre a crise causada por essa doença em outros países circular desde o início deste ano, a mudança na rotina dos brasileiros foi brusca e repentina. Da noite para o dia, escolas foram fechadas e passaram a ter que atender seus alunos de maneira remota. Pais e responsáveis passaram a ter que acompanhar a rotina escolar de seus filhos de perto. Mas essa é apenas uma face do problema. Ainda há aqueles que não têm acesso à internet e muitas vezes nem a comida, pois não podem trabalhar nesse período. Diante desse cenário, como proceder?
Um ponto importante a levar em consideração é a maneira como a Educação tem sido pensada. “Ao longo dos anos, não tivemos uma Educação que priorizasse a autonomia dos alunos e nem que utilizasse o digital como ferramenta permanente de estudo”, explica Luciene Tognetta, pesquisadora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Do lado dos pais, o cenário não é diferente. Ninguém os preparou para equilibrar o acompanhamento das atividades escolares ao mesmo tempo que precisam lidar com tarefas e preocupações do trabalho e de casa. Então, a primeira coisa a se fazer é entender que a adaptação não será perfeita e que todos estão dando o seu melhor nessa nova realidade. É o que ressalta a professora Adriana Marcondes, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). “Todos estão se esforçando para dar conta de um jeito de fazer Educação que é remoto e cheio de imprevistos”, afirma. Além disso, a professora aponta que esse é o momento de reforçar os vínculos dentro entre professores, pais e alunos. Por isso, é importante entender a sua comunidade escolar para atendê-la bem.
O lugar do outro
A situação é nova para todo mundo, por isso, tenha em mente que todos estão tentando entender como agir. Agora, mais do que nunca, é essencial fazer o exercício de se colocar no lugar do outro não depositar cobranças excessivas de produtividade para esse período. Considere:
- A relação professor-aluno é muito diferente da relação pai-filho. Além disso, os responsáveis não estão preparados para dar conta do conteúdo escolar. Eles também estão angustiados e pressionados pela quarentena em si;
- O tempo que a criança tem disponível para o ensino remoto é diferente do tempo na escola. Não apenas por questões de estrutura, mas porque o ambiente e nível de atenção também mudam;
- Pensar em ações mediadas pela tecnologia que levem ao aprendizado, considerando todas as circunstâncias, é um exercício difícil. Os professores têm se desdobrado para aprender a trabalhar com novas ferramentas. Mas não só eles: estudantes, pais e familiares também estão se adequando às novas dinâmicas.
O momento é o de dar as mãos simbolicamente, testar coisas novas e repensar se a Educação e a dinâmica escolar que estávamos exercendo é a que faz mais sentido ou não para o momento atual. Não existe resposta pronta. Mas existe uma grande oportunidade de construir novos caminhos para a escola.
Na EMEI Nelson Mandela, na Zona Norte da capital paulista, a produção para o Facebook e Instagram já acontecia com alguma frequência. Mas com a quarentena, essa passou a ser uma ferramenta essencial. “Assim que o fechamento da unidade foi anunciado [15 dias de recesso], uma mãe veio conversar comigo sobre quais atividades poderia fazer com seu filho em casa”, comenta a diretora Jaqueline Rinaldo. As professoras e equipe da escola produziram alguns vídeos de conscientização para prevenir o coronavírus e também de atividades simples para os responsáveis realizarem com as crianças. Até então, o planejamento da escola se tratava de uma medida apenas para suprir uma necessidade imediata dos pais e responsáveis.
Com o retorno das aulas, de maneira remota a partir do dia 13 de abril, as necessidades mudaram. “Percebemos que precisávamos continuar trabalhando dentro daquilo que havíamos planejado para o semestre e também do material que a prefeitura está enviando às casas dos pequenos”, comenta a diretora.
Pesquisar planos de aula
para usar a distância
Para dar sequência ao trabalho, o corpo docente da escola tem produzido um portfólio online, colocado especificações de aprendizagens nas descrições dos vídeos e planejado devolutivas aos pais. Como devolutiva das entregas, várias famílias passaram a enviar vídeos de seus filhos realizando as atividades propostas por meio das redes sociais da unidade escolar. Claro que esta não é uma solução definitiva. Um primeiro levantamento da escola, mostra que de 212 alunos, apenas 45 famílias participam do grupo de WhatsApp dos pais na EMEI Nelson Mandela. Ainda não se sabe ao certo o tamanho do alcance dessas iniciativas. Mas a equipe tem se reunido todos os dias por meio de videoconferência para discutir os próximos passos.
Ao pensar no fechamento das unidades escolares, é comum imaginar o ensino mediado pela tecnologia como única alternativa possível. Entretanto, essa não é uma opção para muitos que não possuem equipamentos ou mesmo acesso. Há ainda outras preocupações mais básicas nesse momento que tomam as rotinas das famílias, como a alimentação. Foi com uma realidade assim que os professores se depararam na EMEF M’boi Mirim I, localizada no bairro de Jardim Novo Santo Amaro, em São Paulo. Muitos pais entraram em contato para compartilhar a situação difícil que estavam vivendo por não conseguirem trabalhar. “Algumas famílias já eram atendidas pela Assistência Social, mas mapeamos outras que não imaginávamos e também estavam passando necessidade por conta da quarentena”, conta a professora Iara Mara Silva de Souza.
Assim como outras escolas da região, os professores da M’boi Mirim se uniram a fim de atender essas famílias. Para isso, pediram doações a seus amigos e familiares para a compras de cestas básicas. Foram 277 cestas compradas do pequeno mercado localizado nas proximidades da unidade escolar. Os pais foram até a escola para pegar um voucher que lhes dava o direito de retirar a cesta no mercado. Além do que já foi entregue, ainda há mais 100 cestas básicas compradas com o dinheiro dessa arrecadação e mais 100 doadas pela Uneafro.
Do ponto de vista pedagógico, Iara comenta que os seus estudantes têm pouco acesso à internet. “Algumas dessas famílias que atendemos, tiveram que receber nossa visita na porta de casa, pois nem contato telefônico foi possível”, explica. No momento, os professores desenvolveram um blog com conteúdos educacionais e vídeos no Youtube com alunos, ex-alunos e um dos professores da unidade falando sobre os cuidados que devem ser tomados em relação ao coronavívrus. Os próximos passos serão dados um por vez, de acordo com o momento da comunidade em que a EMEF M’boi Mirim I estiver. Nesta reta final de abril, a unidade está no aguardo de que as turmas recebam os materiais que serão disponibilizados pela prefeitura e se reunirá para tomar as decisões seguintes.
As histórias dessas três escolas podem inspirar direcionamentos do que fazer. Mas, como é sabido, cada escola vive uma realidade muito particular. Com a ajuda da Luciene Tognetta, pesquisadora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), elencamos alguns questionamentos e atitudes que podem colaborar com o dia a dia da sua unidade. Confira abaixo:
1) Entenda qual é a necessidade real da comunidade escolar hoje. É muito importante estar em contato ativo com os pais e alunos para entender do que eles mais precisam nesse momento. Lembre-se de que as necessidades vão mudando e que é preciso manter sempre o diálogo aberto para antecipar problemas e um planejamento que faça sentido para a comunidade escolar.
2) Analise como a comunidade pode apoiar a escola. A equipe pedagógica precisa estar ciente do que os alunos precisam aprender e de como eles aprendem para que essa informação chegue de maneira clara aos pais.
3) Procure saber como o governo pode ajudar nesse cenário. Se há alunos e professores sem computador, famílias sem comida e outras questões de infraestrutura tente uma integração com o governo ou outras redes de apoio locais. Diversas iniciativas estão sendo estruturadas para atender ao momento da Covid-19.
4) Convoque a comunidade para que todos participem. Mantendo as recomendações de distanciamento social, é possível criar uma comissão que pense em estratégias de como chegar nas famílias que têm mais dificuldades.
5) Mantenha um grupo de trabalho escolar. Esse grupo vai pensar em estratégias sobre como chegar com conteúdos e discussões para os alunos e auxiliar outros docentes no processo.
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