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Jornalismo

Recuperar o ano todo

Conheça as estratégias adotadas por equipes que não admitem deixar ninguém para trás

PorBeatriz Santomauro

01/05/2013

Quando um aluno não aprende um conteúdo, a responsabilidade não é só dele, mas de toda a equipe escolar. Os educadores precisam lembrar constantemente que nem sempre todos da turma compreendem os conteúdos apresentados e, por isso, devem criar maneiras para não deixar gargalos na aprendizagem. "Se as dificuldades não são sanadas de imediato, elas vão se somando. Aqueles conteúdos que são pré-requisito para outros vão gerando novas dificuldades, que passam a crescer como uma bola de neve, ficando muitas vezes intransponíveis", escreve Maria Celina Belchior no livro O Sucesso Escolar através da Avaliação e da Recuperação (104 págs., Ed. Premier, tel. 51/3066-2731, 12 reais).

Como se vê, o antigo formato de recuperação, realizado no fim do semestre e baseado em algumas aulas a mais e uma nova avaliação, não funciona. "Nem todos compreendem os conteúdos de uma mesma maneira e em um mesmo tempo. Para garantir a aprendizagem, é essencial pensar em estratégias variadas, que devem ser adotadas durante todo o ano, para que existam mais oportunidades de aproximação com o tema", reforça Vera Barreira, orientadora educacional da Escola da Vila, na capital paulista.

Diversos modelos podem ser implementados em complemento às aulas regulares. Em algumas escolas, há uma série de estratégias paralelas que se somam para garantir o atendimento a todas as necessidades existentes (alunos repetentes, problemas em matérias específicas etc.). Outras têm o professor da turma atendendo grupos menores no contraturno, com atividades focadas em conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. E ainda há casos de um outro profissional ser direcionado apenas para esses momentos extras. Independentemente da organização, esses encontros a mais não devem ter a mesma dinâmica dos regulares, mas precisam ser complementares a eles. "A recuperação não é o momento de abordar novamente os conteúdos já dados em sala, mas de fazer um recorte que contemple as principais necessidades apresentadas pelos alunos", diz Vera. Além disso, é importante realizar um acompanhamento individualizado, fazer um registro sistemático dos avanços de cada um e ter clareza do objetivo a alcançar com esse esforço extra.

Em todo esse processo, deve haver um diálogo constante entre o professor do reforço e o regente da turma - quando pessoas diferentes exercem esses papéis - para que ambos tenham um quadro preciso sobre a situação da criança. "Nesse contato entre pares, o responsável pela classe diz o que seu aluno precisa, indica o que já foi ensinado e de que maneira isso ocorreu, e sugere estratégias para o responsável pela recuperação. E esse segundo profissional procura ajustar os materiais e avalia de que modo vai abordar o assunto conforme sua experiência", indica Vera.

O trabalho com a coordenação pedagógica também é determinante para o sucesso ao garantir aspectos operacionais como um local adequado às aulas. Com tudo funcionando bem, pode-se analisar se o caminho escolhido está correto ou se é necessário outro direcionamento. A análise feita por toda a equipe escolar ainda colabora para definir quais estudantes devem ser incluídos na recuperação ou ser dispensados dela.

Pensando dessa maneira, as profissionais apresentadas nas páginas seguintes organizaram parcerias eficazes, com papéis bem definidos. Com múltiplas propostas de recuperação, o mesmo professor trabalhando no contraturno e um docente específico para esse propósito, elas se dedicam para que os alunos possam avançar na aprendizagem e alcançar melhores resultados sempre.

Opções variadas para diferentes necessidades

Daniela Pontes Flor, diretora da EMEF Professora Adolfina Diefenthaler e Raquel Manon Wagner, professora de História da EMEF Professora Adolfina Diefenthaler. Foto: Tamires Kopp

"Aproveitamos as avaliações e a observação das aulas para compreender o processo de aprendizagem dos alunos. Com base nisso, os educadores do 1º ao 9º ano identificam as dificuldades de cada um e pensam qual dos recursos oferecidos pela escola pode ajudá-lo. Há três formatos de recuperação. No contraturno, quatro vezes por semana, há o atendimento para aqueles que já repetiram mais de um ano. Também no turno oposto às aulas, os estudantes do 6º ao 9º ano podem encontrar os professores de cada disciplina individualmente ou em pequenos grupos durante até duas horas por semana. E, especificamente para o 3º ano, dividimos a classe em três grupos, e uma vez por semana dois outros docentes colaboram com a regente para realizar atividades voltadas à alfabetização. Acreditamos que o sucesso da turma não é responsabilidade de apenas um educador, mas de toda a escola. Com tudo isso sendo realizado, conseguimos reduzir nosso índice de reprovação para 2,6%."

Daniela Pontes Flor (à esq.), diretora da EMEF Professora Adolfina Diefenthaler, em Novo Hamburgo, a 50 quilômetros de Porto Alegre

"Leciono para as turmas do 6º ao 9º ano e também no contraturno. Os alunos que participam desses encontros são os que apresentam dificuldade em um conteúdo, que perdem aulas ou ainda que têm um rendimento baixo nas avaliações. O estudante pode solicitar uma vaga ou eu posso convocá-lo. Muitos se candidatam para tirar dúvidas. Durante as aulas, investigo as lacunas na aprendizagem, defino quais serão os participantes da semana e os pontos a explorar. Percebi, por exemplo, que quatro alunos do 6º ano não compreenderam onde fica o Egito e como o deserto do Saara e o rio Nilo são grandiosos. Propus, então, que nos debruçássemos sobre os mapas e analisamos onde está o país, o papel do rio e a extensão do deserto. Como era o primeiro contato deles com locais tão distantes, essa nova abordagem foi essencial. Já com o 8º ano, a retomada do conteúdo sobre a Revolução Francesa ficou mais rica quando exploramos o contexto da época na internet. Na aula seguinte, os alunos da recuperação tinham muitas informações para passar aos colegas."

Raquel Manon Wagner, professora de História da EMEF Professora Adolfina Diefenthaler

Apoio no contraturno com o mesmo professor

Luciana Lopes França, professora do 3º ano da EEEFM Carlos Drumond de Andrade, em Presidente Médici, a 412 quilômetros de Porto Velho. Foto: Sonia Vicentin

"Sou a professora regente do 3º ano e também cuido da recuperação. Nas aulas regulares, fico atenta para garantir a aprendizagem de todos. Faço registros, busco a ajuda dos outros professores e confirmo minhas escolhas com a equipe pedagógica. Sinto que o trabalho em conjunto traz resultados muito bons. Meu desafio para esse ano é garantir que a turma tenha mais fluência na leitura. A maior parte já lia e escrevia bem, mas ainda poderia melhorar o entendimento do texto se não interrompesse tanto a leitura e soubesse o papel dos sinais de pontuação. Então, incluí um tempo diário para que lessem mais. Mesmo assim, muitos ainda precisavam de um atendimento individualizado e, pensando nisso, preparei aulas de reforço no contraturno. Selecionei materiais impressos, sites e livros para que tivéssemos um acervo rico. Os olhos de todos brilharam diante do material diferente! Sei que não adianta repetir as estratégias: se a criança não está entendendo uma explicação, preciso procurar outra forma de ensinar."

Lucimara Lopes França, professora do 3º ano da EEEFM Carlos Drumond de Andrade, em Presidente Médici, a 412 quilômetros de Porto Velho

Maria do Carmo Lopes de França, supervisora escolar da EEEFM Carlos Drumond de Andrade. Foto: Sonia Vicentin

"O reforço para as turmas do 1º ao 5º ano ocorre três vezes por semana. Além disso, temos três dias ao fim de cada bimestre para trabalhar só com os que estão com rendimento abaixo do esperado. Os pais já sabem que esse programa existe e não se surpreendem quando os filhos são chamados para vir em outro horário. Às vezes, o conteúdo é um pouco mais complexo e muitos alunos, mesmo que tenham um bom desempenho no geral, podem precisar de um apoio eventual. Eu e outra supervisora acompanhamos as avaliações diagnósticas. Fazemos reuniões periódicas com o grupo de professores, e um colabora com o outro para pensar nas atividades mais adequadas. Também faço reuniões com cada um, individualmente. Esse contato contínuo nos dá uma boa noção do que os alunos precisam. Às vezes, acontece de um docente me procurar pedindo ajuda e eu não saber indicar a melhor solução. Aí eu paro, pesquiso e estudo. Depois, volto a me reunir com ele para encontrarmos a melhor saída."

Maria do Carmo Lopes de França, supervisora escolar da EEEFM Carlos Drumond de Andrade

Um docente específico para o reforço

Célia Braz da Silva, professora do 5º ano da EMEF Beatriz Junqueira de Silveira Santos, em Jacareí, a 79 quilômetros de São Paulo. Foto: Raoni Madalena

"Sei da minha responsabilidade em sala, e me dedico a trabalhar o que precisa ser compreendido por todos. Percebo, no entanto, que as aulas de reforço têm especificidades que trazem avanços aos pequenos, como o tempo disponível e o contato mais próximo com o docente. Então, eu identifico quais alunos precisam de um acompanhamento e indico para a professora do contraturno qual conteúdo de Língua Portuguesa ou Matemática deve ser abordado. A cada semana, observo mudanças no desempenho e todo fim de bimestre registro em uma planilha as habilidades que ainda precisam ser adquiridas. Para de fato acontecer um avanço, minha parceria com a outra professora é essencial. Sempre trocamos informações, mas sou eu que identifico se meu aluno pode ou não ser dispensado do reforço - muitas vezes ele parece ter evoluído, mas ainda mostra fragilidades no momento de resolver as atividades propostas com maior independência."

Célia Braz da Silva, professora do 5º ano da EMEF Beatriz Junqueira de Silveira Santos, em Jacareí, a 79 quilômetros de São Paulo

Maria do Socorro de Souza Almeida, professora de reforço em Língua Portuguesa e Matemática da EMEF Beatriz Junqueira de Silveira Santos. Foto: Raoni Madalena

"Nas aulas de reforço trabalho com grupos de no máximo sete alunos. Assim, posso me dedicar às diferentes necessidades. Organizo meu tempo - oito horas por semana em quatro encontros - para trabalhar conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática. Além disso, participo semanalmente de reuniões com os outros professores, já que são eles que convivem mais com as crianças. Em paralelo, mantenho atualizadas as planilhas com anotações sobre o desempenho de todos. A orientadora pedagógica também assiste a algumas de minhas aulas e colabora para encontrar a melhor maneira de atuar. Quero que os estudantes do reforço tenham maior autonomia. Por isso, planejo atividades desafiadoras. O resultado é gratificante. Muitos dos que chegam aqui são considerados indisciplinados, mas, conforme aprendem, melhoram o comportamento." 


Maria do Socorro de Souza Almeida
, professora de reforço em Língua Portuguesa e Matemática da EMEF Beatriz Junqueira de Silveira Santos

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