O quebra-cabeça das modalidades organizativas
Integrar atividades permanentes, sequências didáticas e projetos de ensino requer planejamento e conhecimento claro dos conteúdos
PorNOVA ESCOLALuiza AndradeArthur Guimarães
06/01/2009
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLALuiza AndradeArthur Guimarães
06/01/2009
Você já sabe o que ensinar ao longo do ano com base nas expectativas de aprendizagem de cada disciplina. Falta agora saber como colocar tudo isso em prática no dia a dia da sala de aula. A pesquisadora argentina Delia Lerner classificou o trabalho em classe em três grandes blocos - atividades permanentes, sequências didáticas e projetos didáticos -, que hoje são conhecidos como modalidades organizativas. Como em um jogo de encaixar peças, planejar o uso dos três ao longo do ano exige visão global do processo e capacidade de projetar cenários e encadear situações, pois eles são módulos complementares que podem ser interligados ou usados separadamente, em montagens que devem levar em consideração os objetivos e os conteúdos a trabalhar.
"Toda essa rede de atividades tem de estar desenhada antes mesmo de começar o ano letivo. De preferência, numa tabela. O ideal é começar do todo e ir aos poucos, criando as ramificações. Fazer esse tipo de previsão ajuda a guiar os passos, evita a sobreposição de assuntos e clareia o ponto de partida e o de chegada", explica Andrea Guida, coordenadora pedagógica do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária.
Para ela, esse tipo de organização deve ser compartilhado por todos os professores, independentemente de série ou disciplina. "Planejar dessa forma ajuda a pensar o progresso dos alunos e favorece a retomada consciente de conteúdos durante a vida escolar. Se determinada turma leu muitos contos de fadas no 1º ano, vai realizar mais facilmente um projeto de produção de um livro quando chegar ao 2º", exemplifica. "Mas estabelecer esse tipo de rotina não significa criar uma camisa de força. A ideia é programar cada detalhe, com materiais e abordagens pré-analisadas e estudadas, mas saber que imprevistos podem surgir."
Atividade permanente
As definições e especificidades de cada uma das modalidades organizativas são bem claras. As atividades permanentes (também chamadas de atividades habituais) devem ser realizadas regularmente (todo dia, uma vez por semana ou a cada 15 dias). Normalmente, não estão ligadas a um projeto e, por isso, têm certa autonomia. As atividades servem para familiarizar os alunos com determinados conteúdos e construir hábitos. Por exemplo: a leitura diária em voz alta faz com que os estudantes aprendam mais sobre a linguagem e desenvolvam comportamentos leitores. Ao planejar esse tipo de tarefa, é essencial saber o que se quer alcançar, que materiais usar e quanto tempo tudo vai durar. Vale sempre contar para as crianças que a atividade em questão será recorrente - ao longo do semestre ou mesmo do ano todo.
Sequência didática
Já a sequência didática é um conjunto de propostas com ordem crescente de dificuldade. Cada passo permite que o próximo seja realizado. Os objetivos são focar conteúdos mais específicos, com começo, meio e fim (por exemplo, a regularidade ortográfica). Em sua organização, é preciso prever esse tempo e como distribuir as sequências em meio às atividades permanentes e aos projetos. É comum confundir essa modalidade com o que é feito no dia a dia. A questão é: há continuidade? Se a resposta for não, você está usando uma coleção de atividades com a cara de sequência.
Projeto didático
Por fim, temos o projeto didático, modalidade que muitas vezes se confunde com os projetos institucionais (que envolvem a escola toda). Suas principais características são a existência de um produto final e objetivos mais abrangentes. Os erros mais comuns em sua execução são certo descaso pelo processo de aprendizagem, com um excessivo cuidado em relação à chamada culminância.
"A feira de ciência ou a olimpíada escolar são exemplos marcantes. É comum encontrar muita torcida nas quadras sem que os estudantes tenham de fato aprendido Ciências ou desenvolvido habilidades esportivas. A proposta não é fazer algo bonito, mas conduzir uma série de tarefas que resultem em algo concreto", orienta Andrea. "A integração com outros professores é indicada em alguns projetos por permitir a troca de experiências. Mas é essencial sempre envolver a coordenação pedagógica."
Nos projetos didáticos há ainda a pretensão de atingir propósitos didáticos e sociais. Um exemplo é o projeto de leitura e escrita em que a classe produz um livro de receitas (além de aprender a ler e escrever, a criança tem a oportunidade de mostrar aos familiares como aproveitar melhor os alimentos). Confira nas próximas páginas alguns exemplos de como conciliar as modalidades organizativas em cada uma das disciplinas do Ensino Fundamental.
Arte
Pintura em análises de obras e em atividades práticas
No 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, as aulas de Arte podem ser planejadas com sequências didáticas. A que trata da pintura, com duração de aproximadamente um mês, pode iniciar o trabalho. Antes de mais nada, o professor apresenta a proposta, os objetivos e os materiais a ser utilizados (tipos de suporte, ferramentas e tintas). O pincel é o primeiro instrumento abordado. "O educador conta um pouco sobre a história dele e mostra algumas imagens de telas de diferentes estilos, de autoria de Monet, Seurat, Van Gogh e Nuno Ramos, por exemplo", sugere Mariza Szpigel, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10.
O docente pode propor que as crianças observem variados tipos de pincelada: as pequenas, as grossas, as imperceptíveis, os pontinhos etc. O próximo passo é colocar a turma para testá-las, mas ainda somente com uma cor de guache. Na segunda aula, a proposta é aumentar a dificuldade, trabalhando com o rolinho e o pincel e cores diferentes. Após a realização dessas pinturas, o ideal é selecionar resultados bem distintos para a análise. Como a turma procedeu em relação ao uso das cores? Fez mistura? Quais foram usadas? Não fez? Adotou justa ou sobreposição? "É importante que os alunos discutam as formas de utilização das ferramentas e digam quais acharam melhor para pintar áreas grandes e quais para figuras", diz.
Na terceira e última etapa, a tarefa é usar rolinho e pincel grosso e fino. O momento seguinte é dedicado à ref lexão sobre as variáveis estudadas no processo. "Se um aluno disser que o rolinho é bom para pintar o fundo, vale solicitar que todos procurem um trabalho em que isso aconteceu", sugere Mariza. Apesar da diversidade analisada, é importante que uma atividade permanente de pintura permeie a sequência. "A turma coloca em prática as técnicas de que mais gostou. Ajuda a individualizar a criação."
O uso de diferentes materiais é trabalhado com turmas de 1º e 2º anos em uma sequência didática de um mês de duração, com complexidade progressiva. Enquanto testam os jeitos de pintar, os alunos desenvolvem a individualidade de criação em atividades permanentes
Geografia
Visita, jornais e entrevistas ensinam sobre o bairro
Conhecer o bairro em torno da escola faz parte do conteúdo a ser ensinado no 4º e 5º ano com o objetivo de introduzir o estudo da cartografia e a da linguagem verticalizada. O tema pode ser explorado por aproximadamente um mês, em uma sequência didática composta de cinco aulas mesclada com uma atividade permanente, que deverá ser realizada uma vez por semana. Ela servirá para enriquecer o trabalho e colocar os alunos em contato com outras fontes de conhecimento. São opções ler um jornal do bairro ou realizar entrevistas com os moradores uma vez por semana.
Na primeira etapa da sequência, devese pedir que os alunos desenhem o bairro, incluindo os elementos principais. O que eles conhecem ao redor da escola? Registrar a impressão deles sobre o tema após um debate é essencial. Na segunda aula, os alunos são levados a uma excursão pelos arredores. Vale chamar a atenção para os pontos citados na primeira aula e também para as localidades desconhecidas. Ao voltar para a sala, os estudantes registram o que viram no passeio e verificam se isso se relaciona de alguma forma ao que foi lido ou contado nas entrevistas.
Na terceira aula, introduz-se o ensino da cartografia. Com a ajuda dos registros, os estudantes desenham as ruas visitadas e traçam itinerários. Sueli Furlan, formadora de professores e selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10, diz que na hora de desenhar, por exemplo, é preciso ensinar que, se a rua é vista de cima, as casas devem aparecer só com o telhado.
Na quarta aula, dividem-se os alunos em grupos de quatro. Eles devem escrever um texto relacionando as informações obtidas com a atividade e o desenho realizado por um dos colegas. Na última aula da sequência, cada equipe apresenta seu desenho e o que aprendeu sobre o bairro. Comparar o registro da atividade inicial com o texto final é uma boa forma de avaliação.
A cartografia e a linguagem verticalizada são vistas em um estudo do bairro durante uma sequência didática de um mês. Uma atividade permanente - leitura de jornais ou entrevistas com moradores - coloca os alunos do 4º e 5º ano em contato com diferentes fontes de conhecimento
História
Debate e eleição simulada para compreender o que é democracia
Construção de uma sociedade democrática, representatividade e divisão de poder são conceitos essenciais da disciplina. O trabalho com eles - com turmas de 8º e 9º anos - ganha força em anos eleitorais. Contudo, estudos sobre a Revolução Francesa e a organização de sociedades como a egípcia, a grega e a romana também dão abertura para introduzir os temas e relacioná-los com a atualidade. O trabalho dura dois meses.
Muitas escolas aproveitam para simular uma votação para prefeito, governador ou presidente entre os alunos ou mesmo para eleger um representante da classe junto ao conselho. Flavia Aidar, consultora e selecionadora do Premio Victor Civita Educador Nota 10, afirma que essas iniciativas são válidas, porém não é preciso forçar uma situação de eleição se ela não se justificar: "Cabem como produto de um projeto sobre o tema um debate sobre plataformas de governo ou uma eleição".
Como atividade permanente, ocupando de 20 a 30% de cada aula, Flavia indica a leitura de textos de pensadores de diversas correntes que tratem de conceitos de representatividade e ideologia. Em períodos eleitorais, o acompanhamento no noticiário é outra excelente forma de o professor mostrar como são construídas as plataformas dos partidos e compará-las.
Sequências didáticas devem ser reservadas para tratar de conteúdos específicos, como o conceito de democracia e suas modalidades, sistemas de governo (parlamentarismo, presidencialismo etc.), tipos de poder (aristocracia, ditadura etc.), classes de estado (colônia, federação etc.), divisão de poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) e de processos (eleição, golpe, revolução, plebiscito, referendo, lobby etc.).
Na organização da eleição ou do debate, é preciso prever como uma das etapas a elaboração de plataformas políticas a ser expostas, assim como a confecção de urnas, cédulas e material de campanha.
A leitura regular de textos teóricos e do noticiário político, junto com sequências didáticas para aprofundar conceitos como sistemas de governo e divisão de poderes, ajuda a turma de 8º e 9º anos a entender assuntos importantes da disciplina, num projeto sobre a democracia com duração bimestral
Língua Estrangeira
Ler para entender mais um idioma e conhecer expressões de uso cotidiano
Num mundo em que as fontes de informação são muitas vezes encontradas em outros idiomas, uma das principais tarefas do professor é propor a leitura como forma de aumentar a familiaridade com a Língua Estrangeira e o aprendizado das expressões mais usadas no dia-a-dia. O trabalho dura todo o ano e, para turmas de 6º e 7º anos, uma ótima possibilidade é levar contos de fadas para a sala de aula. "Primeiro, porque a garotada já conhece a história na língua materna, o que facilita a compreensão. Segundo, porque elas possuem enredos ricos, dos quais pode-se destacar passagens para enfocar conteúdos curriculares", argumenta Andrea Vieira Miranda Zinni, formadora de professores e selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10.
O conto A Bela e a Fera em inglês pode ser estudado durante um bimestre por meio de uma combinação de modalidades organizativas. A leitura da obra é trabalhada como uma atividade permanente, em capítulos. Em cada encontro, o professor chama a atenção para recursos e expressões diferentes - as pistas dadas pelas ilustrações e por ele, que deve responder em inglês às intervenções da garotada, ajudam no aprendizado sobre o vocabulário e sobre a estrutura linguística. Vale utilizar diferentes estratégias para contar a história. "Ler e só mostrar as ilustrações à turma, distribuir exemplares para todos ou atuar como narrador enquanto os estudantes leem as falas dos personagens", exemplifica Andrea.
Ao longo da atividade, é possível intercalar sequências didáticas, com duração de várias aulas, que abordem o uso cotidiano da língua. No caso de A Bela e a Fera, a cena do jantar entre os protagonistas serve de base para uma sequência sobre como pedir um prato em um restaurante. Nessa situação, o professor trabalha o vocabulário relacionado à comida, as construções gramaticais para realizar pedidos e a forma educada de falar nessas ocasiões.
Por causa da crescente importância da internet como um recurso de pesquisa, a leitura em outro idioma é competência essencial. Para explorar o dia-a-dia da língua, o professor seleciona um gênero, como contos de fadas para turmas de 6º e 7º anos, e trabalha um título durante um bimestre
Língua Portuguesa
Projeto para fazer um jornal da classe prevê muita leitura
A leitura e a produção de textos são conteúdos a ser trabalhados durante todo o ano. Textos jornalísticos, especificamente, podem ser abordados em um projeto anual com alunos de 8º e 9º anos. O produto final é o jornal da classe. Uma atividade permanente de leitura desse tipo de mídia é essencial para permear todo o primeiro semestre. "O professor ou os estudantes podem trazer diária ou semanalmente jornais para serem lidos e debatidos em conjunto", sugere Heloisa Ramos, formadora do projeto Letras de Luz, da Fundação Victor Civita. Dessa forma, os estudantes vão aprender os jargões jornalísticos e as particularidades dessa produção, como o uso de legendas, subtítulos e olhos de página.
No segundo semestre, Heloisa sugere tratar de diferentes gêneros: notícia, entrevista, crônica ou editorial. A ordem pode variar desde que se assegure que as etapas não sejam feitas em paralelo. "Cada uma pode levar cerca de dois meses. O importante é ter consciência de que elas são independentes e têm seu fim", argumenta. Para que os alunos aprendam efetivamente a escrever os quatro tipos de texto, é necessário planejar diversas sequências didáticas em que são abordados os perfis de cada um.
No estudo sobre as notícias, por exemplo, a sequência pode começar com uma discussão sobre o que os estudantes já sabem sobre o gênero. Em seguida, o ideal é, com base nesses diversos modelos, analisar as características do gênero e elencá-las. Depois, vêm as produções textuais com esse modo de escrita jornalística, em que são trabalhados conteúdos, como a pontuação. "A avaliação é primordial para saber se houve avanço." Depois de sequências sobre os outros tipos de texto a ser abordados, os alunos devem estar aptos a compreender os formatos e propósitos e produzir dentro de suas características. A montagem do jornal, produto final do projeto serve para comunicar o que foi aprendido.
Para trabalhar a produção e análise de textos jornalísticos com alunos de 8º e 9º anos, é possível fazer um projeto para criar um jornal. Dele, derivam sequências didáticas para estudar notícia, entrevista, crônica etc. Uma atividade permanente de leitura ajuda a criar familiaridade com esse portador
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