Um olhar para a autoestima das crianças negras
Priscilla levou para a sala uma discussão sobre por que somos diferentes - e como há beleza nessa diversidade
PorPaula Salas
11/11/2019
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Jornalismo
PorPaula Salas
11/11/2019
O que fazer quando uma menina de 4 anos diz que não gosta do próprio cabelo crespo? Ou quando os coleguinhas usam termos depreciativos, como “cabelo ruim”, para se referir à aparência de crianças negras?
Parece surpreendente que esses problemas já apareçam desde tão cedo, mas foi justamente isso que aconteceu na turma da professora Priscilla de Lima Rocha, na EMEI Nelson Mandela, em São Paulo.. A escola, que inclui no seu projeto político-pedagógico o trabalho sobre diversidade como algo prioritário, propôs, neste ano, que todas as turmas do período da tarde receberam o nome de uma mulher negra que fez a diferença. A turma de Priscilla ficou responsável por estudar a história de Leci Brandão, famosa sambista carioca. E foi nesse contexto que ela ouviu das crianças o que você leu no primeiro parágrafo.
É óbvio que ninguém nasce com baixa autoestima ou tira do nada expressões racistas. Sem saber, as crianças estavam projetando sobre si mesmas e seus coleguinhas um padrão de beleza que é apresentado como o ideal nas propagandas, na televisão e na internet. Por isso, os comentários das crianças chamaram a atenção de Priscilla e deram a ela uma ideia: discutir diversidade a partir da valorização do cabelo crespo.
Para começar, a professora propôs uma roda de conversa, em que apresentou fotos de pessoas com diferentes tipos de cabelo, e pediu a opinião das crianças. Semanalmente, ela também trouxe livros infantis com a mesma temática.
Os pequenos tiveram, por exemplo, a oportunidade de ler a obra Sou Linda Assim, da escritora Pâmela Gaino, que conta a história real de Mafoane Odara, brasileira que sofreu muitos preconceitos na infância. Priscilla conseguiu trazer a própria Mafoane, em carne e osso, para um bate-papo com a turma.
Como estratégia de reconhecimento, a professora criou outra atividade: pediu às crianças que fizessem um autorretrato e apontassem em si as características que as faziam lindas. A escola organizou, ainda, um dia de beleza e valorização, só para as crianças cuidarem dos próprios cabelos. Os docentes receberam uma formação do Movimento Crespo, organização que se dedica a oferecer conhecimento técnico para cuidar e valorizar a beleza de pessoas com essa estrutura de cabelo.
Em outra frente, a professora Priscilla discutiu com a turma, do ponto de vista científico, por que somos diferentes. Ela falou sobre o conceito de genética e utilizou a família de bonecos Abayomi, brinquedos de origem africana. Cada membro da família tem um tom de cor diferente e, a partir da observação deles, as crianças puderam identificar com quem são mais parecidas.
Insistir para colher no final
As crianças relutaram, mas, aos poucos, a professora conseguiu convencê-los da importância do tema. “Sempre tentei trazer isso da forma mais natural possível, porque eu quero que eles tenham esse espaço livre para falar”, explica Priscilla. Ela conta que o projeto também demandou muito trabalho de pesquisa e desconstrução de ideias e falas enraizadas nela mesma. “Quando falamos desses assuntos, é preciso aceitar que por muito tempo estivemos errados”, afirma.
Durante o projeto, a resistência se desfez. Crianças que se achavam feias, não gostavam do cabelo ou não se aceitavam como negras, começaram a se valorizar. “Não sabemos o que elas vão ouvir ou o que vão viver depois que saírem daqui, mas gosto de acreditar que uma sementinha foi plantada e será levada para a vida deles”, finaliza a professora.
Projeto ponto a ponto
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