Games na aula de Matemática? Professor prova que sim
Projeto em Goiás reduziu evasão, rendeu prêmios a alunos e beneficiou pacientes de hospital local
24/10/2019
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Jornalismo
24/10/2019
Os alunos do 6º ano da Escola Municipal Catarina Jardim Miranda, de Senador Canedo (a cerca de 30 km de Goiânia - GO) tinham dificuldades com a Matemática. Sem desanimar com a situação, o professor Greiton Toledo de Azevedo decidiu lançar um desafio matemático. Mas, junto a isso, ele acrescentou algo que os estudantes gostavam bastante: games. Foi então que surgiu o projeto Matemática e Games? Eis a Questão. A iniciativa deu a ele o Prêmio Educador Nota 10 em 2016.
Para os alunos de Greiton a Matemática era um bicho de sete cabeças. “Conteúdos técnicos e muito abstratos como esses minavam o interesse e o entusiasmo deles pela Matemática e suas tecnologias”, explica. Depois de conversar com a turma e considerar o contexto no qual eles estavam inseridos, Greiton criou o projeto vencedor do prêmio em 2016, também conhecido como Mattics, com o objetivo de dar mais sentido ao conhecimento da disciplina.
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Ao criar o projeto, a ideia do professor foi atender à necessidade desses alunos que precisavam compreender os conteúdos, mas também incentivar aqueles que já tinham um bom rendimento. O educador identificou também que alguns alunos não conseguiam estabelecer relações entre diferentes linguagens e, em alguns casos, não conseguiam trabalhar de forma coletiva ou tinham dificuldades para lidar com o “não”.
Ao organizar as ações estratégicas do projeto, o professor optou por valorizar o gosto pessoal dos alunos pelos games e robótica. Dessa forma, foi dado sentido ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática articulado com conteúdos científico-tecnológicos, envolvendo conhecimentos matemáticos, de computação e empreendedorismo social, por meio do Scratch, uma linguagem gráfica para criação e programação de conteúdos interativos.
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O sucesso foi tanto que hoje o projeto também é realizado com alunos do Ensino Médio do Instituto Federal Goiano de Ipameri (GO).
Para desenvolver seu projeto, Greiton priorizou um espaço para debater ideias, construir materiais criativos e científico-tecnológicos de forma engajada e social. “Cuido para que as ideias dos alunos e os seus conhecimentos prévios sejam mobilizados, garanto que se faça uso de discussão coletiva, de pesquisa e de argumentação matemática”, acrescenta.
Umas dessas abordagens de grande impacto foi a construção de jogos digitais e dispositivos de robótica nas aulas de Matemática, destinados ao tratamento de sintomas da doença de Parkinson de pacientes de hospitais públicos de Goiás. “Incentivo os alunos a serem cientistas e mais humanos pela Matemática, ajudando a sua comunidade a partir das invenções criativas, científicas e tecnológicas de baixo custo para o tratamento de dezenas de pacientes com sintomas da doença”, conta Greiton.
A ideia começou em 2014 com 50 pessoas envolvidas, entre alunos e profissionais, e atualmente há mais de 3.000 alunos que fazem parte desse processo de formação significativa em Matemática, além de mais de 40 pacientes beneficiados.
Indicação: Fundamental 2, Ensino Médio
Disciplinas: Matemática
Duração: tempo indeterminado
O que é o projeto?
A proposta do projeto não se resume apenas ao conteúdo de Matemática: possibilita o questionamento, a reflexão e o trabalho colaborativo criativo-científico e tecnológico para além da escola. Ao trabalhar com os conteúdos curriculares, de forma intuitiva à formalização, à luz das competências da BNCC, sempre em nível crescente de dificuldade, por meio da produção de jogos e dispositivos de robótica destinados ao tratamento de Parkinson, os alunos são incentivados a questionar ideias intuitivas, a criar teorias provisórias de Matemática e a sistematizar conceitos a partir do fazer e saber Matemática durante a construção dos algoritmos pela programação.
As ações pedagógicas das aulas do Ensino Médio se organizam em quatro principais etapas: Tempestades de ideias; Metodologias Ativas de Aprendizagem; Mão na Massa; e Intervenção no Hospital. No final de cada mês, os alunos fazem visitas ao Hospital do Idoso e contribuem com o tratamento da doença de Parkinson. Todo trabalho é acompanhado por profissionais da área médica que utilizam jogos com sensores e robôs desenvolvidos pelos alunos. Desta forma, os alunos do projeto (do Ensino Médio) são preparados para empreendedorismo e para uma sociedade futura e intelectualmente solidária.
“Muito além de limitar o ensino de Matemática a testes padronizados, onde a criatividade e a invenção não têm lugar, incentivo os alunos a serem cientistas e mais humanos pela Matemática, ajudando a sua comunidade a partir das invenções criativas e tecnológicas de baixo custo para o tratamento de dezenas de pacientes com sintomas da doença”, conta o professor.
Do que vou precisar?
“Priorizo um espaço para debater ideias, construir teorias provisórias e materiais criativos e científico-tecnológicos de forma engajada e socialmente. Cuido para que as ideias dos alunos e os seus conhecimentos prévios sejam mobilizados, garanto que se faça uso de discussão coletiva, de pesquisa e de argumentação matemática. O modelo de prática é pautado nas metodologias ativas de aprendizagem, no qual o aluno assume a posição de pesquisador e inventor, em vez de apenas receber informações prontas a serem reproduzidas. No lugar de definição-exemplo-exercícios-respostas, valorizamos a compreensão-invenção-resultados de Matemática”, explica.
Todas as aulas são gravadas e os alunos têm a oportunidade de discuti-las nos ambientes virtuais de aprendizagem. O modelo busca incentivar a criatividade e as invenções científico-tecnológicas de baixo custo. Os alunos constroem jogos digitais com o uso de programação gráfica e desenvolvem dispositivos de robótica de baixo custo (e recicláveis) em prol da sociedade, como, por exemplo, invenções/construções destinadas ao tratamento de Parkinson de pacientes em hospitais públicos de Goiás. Os alunos publicam artigos e a participam de eventos científicos como parte integrante de avaliação.
- Em vez de sala de aula, laboratório de Aprendizagem Criativa (vai além da concepção Maker); é um ambiente de pesquisa e diálogo.
- Softwares, programação e robótica: computadores, projetores, Geogebra, Python, Scratch 3.0, Makey Makey, BBC: Microbit, Arduino, Sensores, placas de prototipagem etc.;
- Equipamentos específicos: sólidos geométricos, planos espaciais, fios, cobres, papelão, canos, materiais de sucatas, materiais concretos, etc.
Quais os objetivos de aprendizagem trabalhados?
As ações do projeto são desenvolvidas à luz das Competências de Matemática da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Uma das soluções encontradas foi a de desenvolver jogos digitais e robótica usando os conhecimentos de Matemática e Matemática computacional, destinadas ao tratamento da doença de Parkinson de pacientes de hospitais públicos em Goiás. As ações do projeto estruturam-se em ambientes de invenções a partir da investigação, pesquisa, estudo e construção de soluções de problemas reais. “Buscamos compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma criativa, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (aqui, em especial, como intervenção para o tratamento da doença de Parkinson de pacientes acometidos em um hospital público) para se comunicar, acessar e disseminar conhecimento científico-tecnológico, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”, diz o educador
O processo de avaliação acontece pela orientação e sistematização de ideias de acordo com as competências Gerais e Específicas de Matemática, entre as quais se destacaram:
- Compreender situações-problema do cotidiano, da Matemática e de outras áreas do conhecimento, que envolvem equações lineares simultâneas, usando técnicas algébricas e gráficas, com ou sem apoio de tecnologias digitais;
- Investigar relações entre números expressos em tabelas para representá-los no plano cartesiano, identificando padrões e criando conjecturas para generalizar e expressar algebricamente essa generalização, reconhecendo quando essa representação é de função polinomial de 2º grau do tipo y = ax2;
- Identificar as características fundamentais das funções seno e cosseno (periodicidade, domínio, imagem), por meio da comparação das representações em ciclos trigonométricos e em planos cartesianos, com ou sem apoio de tecnologias digitais;
- Analisar e compreender as noções de transformações isométricas (translação, reflexão, rotação e composições destas) e transformações homotéticas para construir figuras e analisar elementos da natureza e diferentes produções humanas, etc. De forma estratégia, conversávamos com os alunos sobre os erros e corrigia-os em conjunto. Lançávamos sempre questões norteadoras para que eles pudessem analisar, resolver e corrigir o erro ali cometido.
E os desafios? Como encará-los?
“A proposta de quebrar com a aula de conceito-exemplos-listas, nas distintas etapas, exigiu uma nova postura não só aluno, mas também minha. Afinal, todo momento era zona de risco. O planejamento estava ali, os objetivos e os encaminhamentos também. Mas, não podia deixar do lado de fora a criatividade, a autonomia e as ideias novas trazidas pelos meus alunos. Essa busca pela mudança de tarefas-exercícios em sala de aula teve por finalidade descentralizar o foco excessivo do conteúdo procedimental matemático, que muitas vezes se reduz aos aspectos mecânicos. Decidimos, então, privilegiar espaços associados à investigação, à exploração, à participação e à construção de ideias coletivas pelo conteúdo e pelas habilidades matemáticas. Além de registrar as falhas e usar esses registros para debate e diálogo com os alunos no sentido de aprimorar as ideias e avançar nos temas propostos, fazíamos constantemente inferências no quadro-branco sobre os conteúdos de Matemática que não estavam sendo assimilados/compreendidos pelos alunos. Daí, em conjunto, testávamos valores, construíamos algoritmos e superávamos a dificuldade em conjunto, o conceito não compreendido e até mesmo o erro encaminhado não solucionado. A avaliação se configurava no dia a dia, no contato, na produção, na construção e intervenção conjunto-engajada.
A avaliação estava ali, quando o aluno argumentava, quando superava um erro procedural e/ou conceitual, quando ia além do mecânico em compreender o assunto. Como avaliação processual e contínua, decidimos fazer um acompanhamento sistemático e direto e dialógico com cada um dos alunos. Assim, observávamos e orientávamos as suas ideias, suas construções e seus rascunhos no final de cada encontro, o seu domínio quanto ao conteúdo curricular que se mostrava a partir de distintas mídias, como: jogo produzido, o dispositivo de robótica desenvolvido, os seminários apresentados em grupos no projeto (seção: Metodologias Ativas de Aprendizagem e atividades Mão na Massa), a intervenção no hospital, bem como a divulgação de resultados científicos em eventos, etc. Mais do que isso, avaliávamos as ideias dos alunos à luz do Mapa das Competências de Matemática da BNCC em cada plano de ensino (Fábrica de ideias)”, conta o professor.
E no final? O que meus alunos vão aprender?
“Os resultados ao longo dos últimos anos indicam elementos do ambiente criado que atuam como contexto e motor para a produção de significados em Matemática pelos alunos, evidenciando a relevância da formação em Matemática contextualizada e atuante em sociedade. Conseguimos resultados significativos, que vão além das boas notas e do bom desempenho escolar. Em 2014 e 2015, em especial, reduzimos a taxa de evasão em relação à Matemática para zero e, por consequência, aumentamos o número de alunos da nossa escola pela influência do projeto em nossa região. Outro exemplo de impacto é que, em 2016 e 2017, tivemos muitos relatos pessoais de alunos e seus familiares manifestando interesse em estudar em nossa escola pelo trabalho desenvolvido no projeto de matemática com jogos e robótica para o retardamento da doença de Parkinson. Ainda em 2017, o trabalho foi reconhecido como um dos principais projetos de inovação e criatividade de matemática no desafio Creative Learning pelo prestigiado MIT/EUA, envolvendo milhares de alunos e profissionais. Além disso, ao longo dos anos, mais de 50 alunos conquistaram destaques nas Olimpíadas Nacionais de Matemática (como, OBMEP), e também em torneios de robótica. Só no ano de 2018, tivemos dezenas de alunos aprovados no vestibular e ENEM, em cursos de engenharias civil, elétrica e mecatrônica, computação, Matemática, etc. Os alunos também tiveram trabalhos científicos aprovados, publicados e apresentados em eventos regionais e nacionais.
Greiton Toledo de Azevedo é matemático e especialista em Educação Matemática. Mestre em Educação em Ciências e Matemática (PPGECM/UFG). Doutorando em Educação Matemática pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas da (IGCE/UNESP). Professor efetivo do Instituto Federal Goiano (IF-Goiano). Prêmios: Prêmio Nacional Educador Nota 10; Prêmio Internacional Learning Creative pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Nos últimos anos se dedica aos estudos e pesquisas do processo de ensino e aprendizagem de Matemática; aprendizagem criativa; pensamento computacional; construção de jogos digitais e dispositivos de robótica; formação de professores.
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