Conceição Evaristo: “É preciso romper com a história oficial”
Para a escritora, deve haver um esforço dos professores em contar a trajetória da população negra nas escolas
15/10/2019
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Jornalismo
15/10/2019
A candidatura de Conceição Evaristo, 72 anos, à Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2018 virou hashtag, reuniu 40 mil assinaturas em abaixo-assinados e expôs a falta de representatividade negra e feminina na academia centenária. Professora aposentada da rede pública do Rio de Janeiro, doutora em literatura comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e vencedora do Jabuti em 2015 com Olhos D’Água, a escritora mineira, com seis obras publicadas, rejeita o uso de sua trajetória como exemplo de meritocracia e diz que é necessário romper com a narrativa dos colonizadores sobre a população negra e indígena nas escolas brasileiras.
NOVA ESCOLA: A senhora candidatou-se à ABL em agosto (de 2018), mas não foi escolhida. O que pretendia?
CONCEIÇÃO EVARISTO: Minha candidatura teve uma representatividade construída, valorizada e apresentada fora dos muros da Academia. Representou o desejo de um coletivo que não é composto só de pessoas negras. Fiquei muito surpresa com a repercussão, e isso alimentou meu dever e convicção de participar da eleição. Nunca uma campanha mobilizou tanto. Isso marca a história da Academia, mas marca também a nossa, de uma escritora inserida dentro de um coletivo. E isso, sem sombra de dúvidas, carrega questões políticas.
NE: Como foi alcançar visibilidade como escritora?
CE: Encontrei todas as dificuldades que qualquer pessoa negra encontra no Brasil. O que sempre digo é que minha visibilidade não pode ser usada para um discurso meritocrático. Dizem que quem se esforça consegue, mas a realidade é que cada um de nós, negros, que conseguimos romper com as dificuldades impostas pela sociedade estamos em constante luta. Dizem que produzimos pouco, mas escrevemos muito mais do que o mercado nos permite publicar. Precisamos de muito tempo para permear espaços que pessoas brancas alcançam com facilidade.
NE: Como vê a história da população negra sendo contada atualmente?
CE: A história contada nos dias de hoje não possui nenhuma participação do nosso povo. É a história que pessoas não negras escreveram a respeito de nós. Meu senso crítico em relação à história negra do Brasil não aconteceu dentro dos muros da escola, mas com a militância e o meu entorno.
NE: Quais as opções para os professores?
CE: Os educadores precisam encontrar formas criativas de reverter as histórias que não são bem contadas. É preciso romper com a história oficial. Se o professor estiver atento, vai perceber uma falha na narrativa histórica que lhe foi contada. Se prestar atenção na vida dos negros, vai entender que a condição da população afro-brasileira é consequência de um processo histórico que resultou em uma libertação inconclusa.
NE: Quando era professora, quais mecanismos a senhora usou para falar da história negra?
CE: Eu e meus colegas percebemos uma caracterização muito estereotipada da população negra nos livros didáticos. A alternativa foi buscar narrativas que apresentavam outro discurso. Nessas buscas, sempre encontrava formas criativas de romper com o discurso oficial. O professor precisa ter curiosidade para refletir se a história dos livros didáticos corresponde ao que realmente aconteceu.
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