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Jornalismo

Competências socioemocionais: como lidar com a raiva?

A raiva é uma emoção básica do ser humano que por vezes foge de controle. Como lidar com a raiva de maneira mais saudável quando somos adultos?

PorAna Carolina C D'Agostini

02/10/2019

Por que estou com tanta raiva? Essa é uma pergunta a se fazer para racionalizar o sentimento     Crédito: Getty Images

Todos nós já sentimos raiva. Quando somos crianças a expressamos livremente: gritamos, esperneamos, fazemos caretas, jogamos as coisas para o alto. Ao nos tornamos adultos pode-se dizer que não faltam situações que também nos deixam com raiva: a opinião polêmica de alguém que vai contra tudo aquilo que acreditamos, ver alguém furando a fila, o desrespeito de alguns alunos em sala de aula, o clima de fofoca na sala dos professores, quando não nos deixam falar em uma reunião, quando nos sentimos injustiçados no trabalho...

A raiva é comumente vista como algo negativo e a ser evitado principalmente por causar comportamentos e gerar respostas que não são adequadas, como agredir, gritar ou dizer coisas que não gostaria. Entretanto, a raiva não deve ser categorizada simplesmente como algo "positivo" ou "negativo", já que é uma emoção básica humana assim como o medo, a alegria ou a tristeza. O que a torna "boa" ou "ruim" é o que fazemos com ela. Mas afinal, para que serve a raiva e como podemos nos relacionar com ela de maneira mais saudável quando somos adultos? 

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Entenda o que causa a raiva

A raiva é uma das emoções mais básicas e primitivas que experimentamos enquanto seres humanos e que começa em uma região do cérebro chamada amígdala. Ela pode se manifestar na forma de uma leve frustração ou até mesmo como um estado de fúria sem controle. Pode ser rápida, como uma visita passageira, ou ser duradoura, passando a ser uma emoção acumulada que vai se transformando em um estado permanente que parece até se tornar parte da pessoa. Sentir raiva faz com que o corpo seja inundado por hormônios do estresse e as respostas a essa emoção dependem de uma área do cérebro chamada córtex pré-frontal, responsável pelo processo de tomada de decisão e pelo raciocínio. Tal área do cérebro pode nos ajudar a direcionar a raiva de forma que a resposta seja socialmente aceita, mantendo o instinto sob controle. 

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Por que se preocupar com a raiva?

Sentir raiva com muita frequência e facilidade pode ser sinal de estresse excessivo e ainda trazer consequências para a saúde. Quando sentimos raiva, o corpo produz também cortisol, hormônio liberado em situações de estresse, que prejudica a imunidade e ainda pode intensificar quadros que temos predisposição a ter, tais como pressão alta e problemas gástricos como gastrite e úlcera. Pode potencializar também quadros de ansiedade, depressão e insônia e, socialmente, afetar os nossos vínculos, criando relações interpessoais tumultuadas – trazendo prejuízos ao trabalho pela dificuldade em gerenciar as próprias emoções. 

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O lado positivo da raiva

A raiva é um sinal de alerta que algo está nos incomodando profundamente ou nos fazendo sentir ameaçados. Se nos atentarmos às situações ou pessoas que mais nos provocam essa emoção, podemos aprender algo importante sobre aquilo que queremos mudar. Dessa forma, aumentamos o autoconhecimento porque nos tornamos capazes de identificar os principais desencadeadores de raiva – o que nos permite buscar soluções antes que a emoção se manifeste. 

John Bird, fundador da revista britânica Grandes Questões (Big Issue, em inglês), em entrevista ao The Guardian disse que a raiva pode ser uma grande motivadora de ações importantes para mudar o mundo. O britânico, hoje com 73 anos de idade, defende que se não estamos bravos ou com raiva de algo que está acontecendo no mundo, é porque provavelmente não queremos mudá-lo. Ele ressalta que aqueles que sentem raiva e que não conseguem permanecer no caminho de promover a mudança, é porque não conseguiram refinar a emoção e transformá-la em outra substância. Bird pontua que desde jovem se sentia indignado e com raiva de alguns aspectos políticos e econômicos que afetavam parte da população em seu país, a Inglaterra. Ele fundou, então, uma revista premiada que oferece oportunidades de emprego para pessoas em situação de pobreza e uma organização que promove investimento social, buscando ampliar as oportunidades e acabar com a desigualdade.  Hoje ele reconhece que teve uma vida bastante significativa porque soube transformar a raiva em algo útil para si e para a sociedade. 

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A raiva funciona como um mecanismo de auto-defesa, fazendo com que o cérebro nos alerte que possivelmente estamos em uma situação de perigo. Reagir de forma negativa é uma forma de expressar a raiva, entretanto não precisa ser um sinônimo. Conheça a seguir algumas estratégias para canalizar a raiva e trabalhá-la de forma mais positiva. 

Como lidar com a raiva

O problema começa pela dificuldade em falar sobre sentimentos. Cada vez mais as escolas têm incluído no currículo práticas que trabalham as habilidades socioemocionais dos alunos. É preciso criar a mesma cultura para os adultos, trabalhando essas habilidades com os professores em reuniões pedagógicas, formações e criando espaços para falar inclusive dos sentimentos que não são tão confortáveis. Quando temos a oportunidade de elaborar o que estamos sentindo e refletir sobre as nossas emoções, diminuimos as chances de transformá-las em reações danosas para nós mesmos e para quem está ao nosso redor. 

Refletir sobre o que nos deixa com raiva é um passo fundamental para aprender a lidar de forma mais saudável com essa emoção. O primeiro passo para gerenciar a raiva é reconhecê-la. Perceba os sinais corporais em si mesmo que indicam que você está com raiva. Seu coração bate mais rápido? Seu rosto fica vermelho e quente? Seus músculos ficam tensos?  Procure colocar em palavras o que está te deixando descontente, ao invés de responder de maneira instintiva e saiba quais são os seus gatilhos, ou seja, os seus desencadeadores de raiva mais comuns. 

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Igualmente importante é o questionamento: pergunte-se se o que você está sentindo é proporcional à situação vivida. Mesmo que por alguns segundos, respire profundamente e se faça essa pergunta. Interromper uma ação impulsiva por meio do hábito de fazer-se uma pergunta lógica pode se tornar natural e auxiliar no cuidado da emoção de forma mais positiva. Procure encontrar modos construtivos de gerenciar as suas emoções, inclusive a raiva: saiba a quem recorrer, converse sobre sentimentos e movimente o seu corpo sempre que possível, diminuindo a sensação de estresse e esgotamento mental. Por fim, quando se sentir em controle da raiva, procure resolver a situação que fez com que você ficasse dessa forma. 

De fato, não temos como controlar as nossas emoções, inclusive a raiva. Entretanto, podemos reconhecê-la e aprender a lidar com ela. A raiva, quando bem compreendida e direcionada positivamente, pode virar coragem para argumentar, explicar o que te incomoda, e promover mudanças em nós mesmos e no mundo. E quando são os nossos alunos que sentem raiva e não sabem manejar essa emoção na escola? Essa conversa fica para semana que vem.

 

Ana Carolina C D'Agostini é psicóloga e pedagoga com formação pela PUC-SP, especialização em psicologia pela Universidade Federal de São Paulo e mestre em Psicologia da Educação pela Columbia University. Trabalha com projetos em competências socioemocionais e é consultora do projeto de Saúde Emocional da Nova Escola.

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