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Jornalismo

O adeus à minha professora da 3ª série

Esther Martins, autora dos planos de aula de Matemática e ex-professora da coordenadora de formações da NOVA ESCOLA, faleceu nesta terça-feira, 13 de agosto

PorKarina Padial

14/08/2019

A professora de Matemática Esther Martins e Karina Padial, da Nova Escola, durante a Virada de Autores  Crédito: Mariana Pekin

Era o primeiro processo seletivo do Time de Autores que iria começar a produzir os seis mil planos de aula da NOVA ESCOLA alinhados à Base Nacional Comum Curricular. Exatos 150 professores, 30 mentores e 5 especialistas de Matemática do Fundamental 1 e 2 escolhidos. Nossa equipe super ansiosa para fazer as ligações e dar a boa notícia para eles. Antes de começar, fui dar uma espiada na lista dos selecionados. Um nome específico me chamou a atenção: Esther Maria Freixedelo Martins, de São Paulo, capital. Lembrei que na 3ª série do Ensino Fundamental tive uma professora chamada Esther, a Tia Esther. Mas eu não lembrava o sobrenome dela. E, convenhamos, qual a chance de ser a mesma pessoa? Foram 13 mil candidatos. Mas seria uma incrível coincidência e fui atrás do endereço de inscrição. Esther morava no bairro vizinho à escola onde eu tinha estudado. Será? Uma série de lembranças daquela época começaram a me vir à mente. Não achava possível, mas por via das dúvidas, coloquei o nome dela no Facebook. Eu a reconheceria? Encontrei seu perfil e não precisei de mais do que alguns segundos. Tia Esther seria minha colega de trabalho pelos próximos meses.

Avisei todo mundo que eu é quem iria ligar para ela. E assim foi. “Esther, sou a Karina, da NOVA ESCOLA. Provavelmente, você não se lembra de mim, mas fui sua aluna na 3ª série do Colégio Santa Catarina de Sena. Fiz questão de te ligar para dizer que você foi aprovada no Time de Autores. E para dizer que estou muito feliz de ter uma professora minha nessa lista”. Ela se emocionou. E, claro, não lembrou imediatamente de mim. Ela perguntou mais e, ao final da ligação, além de saber que eu tinha me formado em jornalismo e, assim, chegado à revista NOVA ESCOLA, ela jurava que tinha começado a se recordar de mim.

Nós nos encontramos na Virada de Autores, a formação presencial que os selecionados receberam para iniciar o trabalho de produção dos planos. Foi lindo. Ela, orgulhosa da ex-aluna que ajudou a formar e que tinha enveredado pelo mesmo caminho da Educação que ela, contava para todo mundo que acabara de conhecer nossa história. Eu, encantada pela coincidência e pela alegria de ver uma professora se reinventando na profissão que desanima tantos no caminho, também espalhava a notícia aos quatro ventos.

Nos poucos momentos em que conseguimos conversar, ela me contou que ao longo dos anos como professora, foi percebendo a dificuldade que tinha de ensinar Matemática porque ela mesmo não tinha aprendido bem. E disse que, por conta disso, foi buscar formação. Entrou em um grupo de estudos de Matemática na Universidade de São Paulo (USP) e levou seus alunos, da escola pública na qual trabalhava, para participar de diversas competições. Também me contou sobre seus filhos e me mostrou, toda cheia de si, fotos da sua pequenina neta.

Na última vez que nos falamos, pouco depois da Virada, quando tive a oportunidade de compartilhar com ela a foto que tiramos juntas, seus alunos tinham sido premiados no último evento de que tinham participado. Ela era orgulho puro. Aproveitou para se desculpar por não ter sido uma professora de Matemática tão boa.

Eu passei alguns dias refletindo sobre isso. De fato, das suas aulas só me lembro de séries repetidas de contas armadas que ora fazíamos no caderno, ora na lousa. Todas aquelas novas estratégias de resolução de problemas, que agora ela ensinava aos seus alunos, não fizeram parte do meu processo de aprendizagem. Mas não havia demérito nenhum nisso. Pelo contrário. Que incrível seria se todos os professores tivessem a possibilidade de reconhecer suas fraquezas e a oportunidade de buscarem boas formações. E tirei o chapéu para a trajetória que ela escolheu para si e, consequentemente, para seus alunos.

Esther faleceu nesta terça-feira, dia 13 de agosto de 2019. Não sei o que a vitimou tão cedo. Mas ao receber essa notícia, que me enche os olhos de lágrimas, meu sentimento se confunde. A alegria do encontro tão inesperado e a tristeza por não ter estreitado ainda mais essa relação. A satisfação de, a partir do meu trabalho, ter conseguido valorizar e reconhecer uma professora que verdadeiramente se importou com a qualidade da Educação Pública. A falta que, certamente, fará entre seus alunos, na escola na qual lecionava e, de uma maneira mais subjetiva, ao cenário educacional brasileiro.

Sou só gratidão. Pelo que me ensinou, pela oportunidade de dividir o mesmo sonho com você e pela energia que essa história me dá para, todos os dias, seguir trabalhando com formação de professores.

Que seus aprendizados e ensinamentos, registrados também em formato de planos de aula (todos que ela produziu, você pode encontrar aqui), sejam sementes para que novos aprendizados e ensinamentos aconteçam em tantas outras salas de aula desse país.

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