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Jornalismo

Pais que seguem de perto a rotina

As famílias querem, sim, participar da vida escolar das crianças. Veja como garantir o envolvimento desses parceiros indispensáveis para uma boa Educação

PorRoberta Bencini

01/10/2007

Pais na escola. Foto: Tatiana Cardeal
O VALOR DO DESENHO INFANTIL
Vera aprendeu na escola a entender
as produções da filha Beatriz

A relação começa no dia em que a mãe, o pai ou um responsável entregam a criança pela primeira vez no portão da escola. Ciúme, desconfiança e culpa são os sentimentos que mais estão em jogo nesse momento.Afinal, historicamente a mãe é a responsável pelos cuidados e pela Educação dos filhos. Mas os tempos mudaram e hoje cabe à escola mostrar que por trás de portas e paredes coloridas existem profissionais competentes e um projeto bem planejado de aprendizagem para ser compartilhado entre todos.

O problema surge quando os professores e a direção não estão preparados para essa tarefa (não quando a família passa a questionar o projeto pedagógico ou simplesmente torna- se ausente)."Cabe à escola começar esse movimento de aproximação e parceria. Ela tem de estar à disposição diariamente e não apenas em reuniões e horários determinados", explica a diretora da creche da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eliana Bhering, que estuda há mais de dez anos o envolvimento das famílias na Educação Infantil.

Uma de suas conclusões é que, sobretudo em comunidades mais carentes, é comum uma postura passiva de gratidão, o que faz com que a escola tenha de tomar decisões sozinha. "Isso é muito grave. Muitas famílias ainda vêem o ambiente escolar apenas como um espaço de assistencialismo e, nesse contexto, a Educação é encarada como um donativo, um favor", afirma a pedagoga. Conceitos equivocados como esse emperram as relações se não forem rompidos pelos educadores. O importante é mostrar que o ensino público é um direito garantido desde a infância.Quanto mais os pais se envolvem e cobram isso, maior a possibilidade de garantirem um estudo de qualidade para suas crianças.

Sem hora marcada: Márcia conversa com o professor Eric sempre que precisa. Foto: Daniel Aratangy
SEM HORA MARCADA
Márcia conversa com o professor
Eric sempre que precisa

Explicar o projeto

Estudos realizados por diversos pesquisadores brasileiros, como Ana Luiza Smolka, da Universidade de Campinas, e Andrea Vieira Zanella, da Universidade Federal de Santa Catarina, mostram que os pais gostariam de saber mais sobre a rotina nas creches e pré-escolas e de receber ajuda para compreenderem melhor o desenvolvimento infantil.Efigênia Mendes Junqueira Koga,diretora da EMEI Rogélio Cabeza Castro, em Barueri, na Grande São Paulo, percebeu isso quando passou a ser freqüentemente colocada diante de uma questão recorrente:"Meu filho passa o tempo todo na escola apenas desenhando?"O projeto pedagógico da escola tem como eixo central a Arte - e estava claro que as famílias não estavam entendendo nada. "As professoras pediam para que eu incentivasse os trabalhos da minha filha, Beatriz, mas como fazer isso se eu só via rabiscos no papel?", lembra Vera Hengles. 

Mais do que expor slides com diversos esquemas sobre o processo de aprendizagem,o caminho encontrado pela diretora foi colocar os adultos em contato direto com a cultura
artística. Há dois anos, uma oficina de arte é oferecida aos pais uma vez por semestre. "É um curso voltado para gente grande porque não há nada mais ridículo do que infantilizar
alguém e pedir para ele se colocar no lugar da criança", destaca a professora Neuma Dias Cruz. Os trabalhos dos adultos são expostos no meio da escola junto com os dos pequenos, e a comunidade pode apreciar a exposição livremente. Hoje os pais, como Vera, enxergam muito além dos rabiscos.

Cuidados compartilhados

Por muito tempo, o papel das creches se restringiu aos cuidados com os bebês e as
crianças pequenas. Hoje, além de cuidar, os professores têm de educar. Muitos pais ainda não compreendem bem isso e limitam sua parceria com a escola ao momento em que a chupeta e as fraldas precisam ser abandonadas ou quando os meninos apresentam algum problema de saúde.

Em contrapartida, muitos educadores acreditam que os cuidados caibam só às famílias e interpretam a falta de interesse dos pais pela aprendizagem como uma omissão. "A creche e a préescola precisam ser vistas também como fontes de formação de pais", explica Eliana Bhering, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Cláudia Araújo, diretora da UMEI Marli Sarney, sabe que o mais importante é o bem-estar das crianças e não se faz de rogada quando tem de orientar um pai sobre a melhor maneira de alimentar seu filho ou sobre a data da próxima vacinação. Ela também não pensou duas vezes antes de organizar uma palestra com um pediatra quando houve uma infestação de piolhos na escola. "Sei que essa também é minha função", diz.

Ajudando a ensinar: Rúbia (ao lado da filha Maria Clara) revela a história de sua família para a turma. Foto: Tatiana Cardeal
AJUDANDO A ENSINAR
Rúbia ( ao lado da filha Maria Clara)
revela a história de sua família para a turma

Não à burocracia

Marcelo Cunha Bueno, diretor da Escola Estilo de Aprender, em São Paulo, é adepto da simplificação no relacionamento com as famílias. "Dispenso a linguagem do pedagogês,
que só afasta os pais. Procuro as relações de troca", afirma ele. Outra preocupação constante é não estabelecer uma relação de prestação de contas ou de vigilância com eles. 

Na entrada e na saída, as portas estão sempre abertas aos responsáveis pelas crianças. Eles podem ir até a sala buscar os filhos e ver, ao vivo, as atividades realizadas durante a aula, além de bater um papo rápido com o professor. 

A proposta pedagógica é apresentada no contato diário com a estrutura escolar e a equipe pedagógica. Assim, é possível flagrar discussões, broncas, atividades e brincadeiras entre as crianças.Nada do que acontece dentro da instituição é velado. Em contrapartida, o envolvimento da família é obrado."No início do ano, eu aviso: 'Mãe, não venha aqui só para perguntar a cor do cocô de seu filho'. É importante saber tudo o que ele está aprendendo", reforça Marcelo (leia mais sobre a importância dos cuidados na creche e na préescola no quadro abaixo).

 

Manual para creche e pré-escola

Como formar famílias envolvidas em dez passos

1
 - Fale sobre o projeto pedagógico Facilite a linguagem e mostre, desde a matrícula, como a escola concebe a Educação e planeja o trabalho pedagógico. 
2 - Mostre o valor da rotina Trate da organização dos espaços e do tempo: atividades diárias e projetos, currículo e segurança. 
3 - Destaque as linguagens Fale da importância do brincar, da expressão artística, da fala e da escrita (conte como em que momento elas são desenvolvidas). 
4 - Mostre como é a avaliação Explique como e quando ela é feita; por que fazer um portfólio e por que não comparar crianças. 
5 - Explore os recursos e materiais pedagógicos Dê atenção ao papel dos brinquedos e dos livros no desenvolvimento motor e cognitivo. 
6 - Estabeleça acordos de trabalho Mostre a função de cada funcionário e os planos de capacitação. Peça colaboração durante a lição de casa, na adaptação, no desmame e na hora de abandonar chupeta e fraldas. Cobre a presença em reuniões, cumprimento de horários, leitura diária da agenda e organização diária da mochilas. 
7 - Planeje os encontros Promova reuniões bimestrais coletivas e individuais, além de palestras e oficinas sobre questões pedagógicas e de cuidados, e festas e passeios para criar laços de amizade.
8 - Mantenha canais de comunicação Utilize a agenda, produza um jornal e um mural e envie e-mails. 
9 - Esteja disponível Receba bem críticas e sugestões. Atenda sempre os telefonemas e fique presente na entrada e na saída. 
10 - Utilize os saberes dos pais Planeje as inserções deles na aprendizagem com a equipe de professores. Mas não se esqueça de combinar tudo com antecedência. 

Consultoria: Eliana Bhering, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

 



Márcia Hindrikson Golz afirma que não troca esse tipo de organização por nada.Na saída do filho Gabriel Henrique, de 4 anos, ela sempre encontra tempo para trocar algumas palavras com o professor Eric Justino. Outro dia, descobriu que o garoto já escreve quase todas as letras do próprio nome."Sinto que faço parte dessa etapa tão importante da Educação dele. Dou sugestões e não me sinto uma intrusa", diz.

Participação ativa

Uma maneira comum de atrair os pais para a escola é por meio dos projetos pedagógicos. Convidar um adulto para contar a história da família e do bairro e recordar as brincadeiras preferidas da infância valoriza a participação familiar e coloca os responsáveis em contato direto com o trabalho pedagógico.

O projeto desenvolvido pela professora Eliete Correa Dias da Silva na Unidade Municipal de Educação Infantil Marli Sarney, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, poderia ter sido realizado sem ajuda.Mas contar com mães e pais para explicar as diferentes organizações familiares e o processo de escolha dos nomes dos pequenos foi proveitoso para todos."Aprendo coisas novas cada vez que participo de uma atividade.Vejo como é importante falar de perto com as crianças, abaixar-se e ouvir", diz Rúbia Carla Carvalho Cardoso, mãe de Maria Clara, de 5 anos.Funcionária pública, ela trabalha o dia inteiro,mas não perde uma oportunidade de se envolver. A professora também aprende muito.Hoje, ela conhece melhor o universo em que vive sua turma e elabora projetos de acordo com os interesses da comunidade.

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