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Jornalismo

“Não há professores eficientes e qualificados, se não houver professores bem remunerados”

Seis ex-ministros da Educação assinaram um documento em defesa do financiamento da Educação e da liberdade da cátedra

PorPaula Salas

04/06/2019

Da esquerda à direita, Cristovam Buarque, Murílio Hingel, Renato Janine, José Goldemberg, Fernando Haddad e Aloizio Mercadante. Crédito: Leonor Calasans/IEA-USP

“Apesar das nossas diferenças, divergências dos governos que servimos, compartilhamos uma agenda civilizatória que se expressa no meio ambiente, na Educação, na justiça, na saúde, nas relações exteriores”, afirmou o ex-ministro Renato Janine Ribeiro na abertura da coletiva de imprensa sobre o manifesto em favor da Educação no Brasil. Seis ex-ministros da Educação assinam um documento em defesa da liberdade de cátedra e contra os cortes na Educação. A carta foi apresentada nesta terça-feira durante no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, em São Paulo.

O manifesto foi assinado por José Goldemberg (Ministro da Educação de 1991 a 1992 durante o governo Collor), Murílio Hingel (Ministro da Educação de 1992 a 1994 durante o governo de Itamar Franco), Cristovam Buarque (Ministro da Educação durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva de 2003 a 2004), Fernando Haddad (Ministro da Educação de 2005 a 2012 durante os governos Lula e Dilma Rousseff), Aloizio Mercadante (Ministro da Educação de 2012 a 2014 e 2015 a 2016 durante o governo da Dilma), Renato Janine Ribeiro (Ministro da Educação em 2015 durante a gestão Dilma). Eles informaram que outros ministros foram convidados a participar, porém não deram um retorno ou não puderam participar.  

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Cada ex-ministro teve uma fala inicial, na qual expressou sua preocupação com as políticas educacionais do atual governo. O primeiro a falar foi José Goldemberg, que chama a atenção para a necessidade de prestigiar a Educação Básica e as condições de trabalho para que os professores exerçam suas funções. “A Educação precisa de certas garantias fundamentais e autonomia dos professores e liberdade de cátedra são questões absolutamente inegociáveis”. Ainda nessa linha, Murílio Hingel afirmou: “Não há Educação de boa qualidade se não houver recurso disponível. Não há professores eficientes, qualificados, se não houver professores bem remunerados”.

Os ex-ministros reforçaram o seu compromisso com o avanço da Educação e defendem o documento como um consenso da prioridade da Educação. “Estamos aqui porque sentimos uma ameaça”, afirmou Cristovam Buarque. “Estamos aqui para tentar dar nossa contribuição para que a marcha lenta das últimas décadas que nós contribuímos não seja interrompida”. Renato Janine aproveitou para externalizar a preocupação que os levou a discutir a elaboração conjunta do documento: "Nos causa muita preocupação ter hoje uma política de governo que vê a Educação não como promessa, mas como ameaça".

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Da esquerda à direita, Cristovam Buarque, Murílio Hingel, Renato Janine, José Goldemberg, Fernando Haddad e Aloizio Mercadante. Crédito: Leonor Calasans/IEA-USP

Durante os discursos, os pontos mais citados foram a continuidade de políticas públicas, o financiamento, a valorização do professor e, sim, as críticas aos cortes. “A Educação precisa ser preservada na crise e na disputa política e partidária”, afirmou Aloizio Mercadante. “A defesa da Educação é a primeira tarefa de um Ministro da Educação. Defender a Educação em qualquer condição, inclusive do ponto de vista do financiamento da Educação. Quando você perde essa condição, você perde a representação desta instituição”.  

O documento reforça os pontos trazidos durante a conversa e alerta para os perigos da violação da liberdade de cátedra. “Convidar os alunos a filmar os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a Educação, submetendo-a a uma censura inaceitável”, afirma o documento. “Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito. Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas”.

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Os ex-ministros da Educação também anunciaram a criação do Observatório da Educação Brasileira, que buscará abrir um diálogo entre os diferentes agentes para tratar dos grandes temas que podem dar continuidade aos avanços da Educação e apontou o Fundeb e a autonomia acadêmica e científica como as primeiras pautas prioritárias dessa futura organização.

Leia a seguir a íntegra do documento:

“Nós, ex-ministros da Educação que servimos o Brasil em diferentes governos, externamos nossa grande preocupação com as políticas para a educação adotadas na atual administração. Nas últimas décadas, construiu-se um consenso razoável sobre a educação, que se resume numa ideia: ela é a grande prioridade nacional.

Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas como educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter efeitos irreversíveis e até fatais. Uma criança que não tenha a escolaridade necessária pode nunca mais se recuperar do que perdeu. A morte de uma pessoa por falta de atendimento médico é irreparável. Por isso, educação e saúde devem ser preservadas e priorizadas, em qualquer governo.

Uma educação pública básica de qualidade forma bem a pessoa, o profissional e o cidadão para desenvolverem, com independência e sem imposições, suas potencialidades singulares.

A educação é, ainda, crucial para o desenvolvimento social e estratégico da economia do Brasil. A economia não avança sem a educação, que é a chave para nosso país atender às exigências da sociedade do conhecimento.

O consenso pela educação como política de Estado foi constituído por diferentes partidos, por governos nas três instâncias de poder, fundações e institutos de pesquisa, universidades e movimentos sociais ou sindicais. Em que pesem as saudáveis divergências que restaram, foi uma conquista única, que permitiu avançar no fortalecimento da educação infantil, na universalização do ensino fundamental, na retomada da educação técnica e profissional, no esforço pela alfabetização e educação de adultos, na avaliação da educação em todos os seus níveis, na ampliação dos anos de escolaridade obrigatória com aumento expressivo das matrículas em todos os níveis de ensino, na expansão da pós-graduação, mestrado e doutorado e, consequentemente, na qualidade da pesquisa e produção científica realizada no Brasil.

É impressionante que, diante de um assunto como a educação que conta com especialistas e estudiosos bem formados, o governo atue de forma sectária, sem se preocupar com a melhoria da qualidade e da equidade do sistema, para assegurar a igualdade de oportunidade.

Em nenhuma área se conseguiu um acordo nacional tão forte quanto na da educação. A sociedade brasileira tomou consciência da importância dela no mundo contemporâneo.

Numa palavra, a educação se tornou a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como ameaça.

Concordamos todos que a educação básica pública deve ser a grande prioridade nacional, contribuindo para superar os flagelos da desigualdade social gritante, da falta de oportunidades para os mais pobres e do atraso econômico e social. Ela implica o aprimoramento da formação dos professores, do material didático, a constante atenção à Base Nacional Curricular Comum, a valorização das profissões da educação, inclusive no plano salarial, a reforma do ensino médio, o aperfeiçoamento da gestão educacional, a construção de diretrizes nacionais de carreira de professores e diretores do ensino público. Requer a constante inovação nos métodos, deslocando-se a ênfase no ensino para a aprendizagem, que deve ser o centro de todos os nossos esforços.

Exige também o empenho na educação infantil e na alfabetização na idade certa, a melhora das escolas e dos laboratórios e bibliotecas e, mais que tudo, o respeito à profissão docente, que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica. A liberdade de cátedra e o livre exercício do magistério são valores fundamentais e inegociáveis do processo de aprendizagem e da relação entre alunos e professores. Convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável. Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito. Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas.

Não menos importante é o fortalecimento da cooperação e da colaboração entre União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e o respeito à autonomia das redes, como determinam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a própria Constituição Cidadã de 1988. Não podemos ignorar o Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional, os Planos Estaduais e os Planos Municipais de Educação, já pactuados entre a sociedade, os governos e a própria comunidade escolar. Ele decorre de iniciativas que já vinham de longe, como o Plano Decenal de Educação para Todos (1993/2003), elaborado pelo MEC com apoio dos estados, dos municípios, do Distrito Federal, de entidades representativas da área educacional e que atendia a compromisso internacional assumido pelo Brasil na Conferência realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), de que o Brasil participou, promovida pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial.

Enfim, e para somar esforços em vez de dividi-los, é indispensável que se constitua e se organize um efetivo Sistema Nacional de Educação.

Ademais, a prioridade à educação básica demanda que cresçam os repasses do governo federal para os estados e municípios, responsáveis pelo ensino infantil, fundamental e médio, sendo prioridade a renovação e, se possível, ampliação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que expira em 2020. Sem ele, a situação do ensino nos municípios e estados mais pobres, que já é inadequada, se tornará desesperadora.

No tocante à expansão do ensino superior, é fundamental se assegurar o ingresso e permanência dos estudantes, especialmente dos egressos das escolas públicas e das famílias de baixa renda. O ensino superior necessita ter qualidade, o que requer tanto constantes avaliações quanto recursos, garantindo seu papel insubstituível na formação de profissionais qualificados para um mercado de trabalho cada vez mais exigente, impactado pelos desafios das inovações e das novas tecnologias. A autonomia universitária é uma conquista que deve ser mantida para garantir a liberdade e qualidade na pesquisa, formação e extensão.

O Brasil dispõe, hoje, de uma lista de políticas devidamente estudadas e estruturadas, de medidas e instrumentos que permitem progredir significativamente na educação. Nada disso é ou será fácil, mas o consenso obtido e o aprimoramento das medidas clamam pela junção de esforços em prol de uma educação que se equipare, em qualidade, à dos países mais desenvolvidos.

Muito tem de ser feito, tudo pode ser aprimorado, mas a educação depende da continuidade ao que já foi conseguido ou planejado. Educação é política de Estado: nada se fará se a ênfase for na destruição das conquistas, no desmonte das políticas públicas implementadas e no abandono dos planos construídos pela cooperação entre os entes eleitos e a sociedade.

Vimos a público defender esta causa estratégica para as futuras gerações e propomos a formação de uma ampla frente em defesa da educação. Nós, neste momento, estamos constituindo o Observatório da Educação Brasileira dos ex-ministros da Educação, que se coloca à disposição para dialogar com a comunidade acadêmica e científica, sociedade e entidades representativas da educação, com parlamentares e gestores, sempre na perspectiva de aprimorar a qualidade da política educacional”.

Assista à coletiva na íntegra: 

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