Professor do futuro: quem é você?
Os novos tempos exigem que o educador enxergue o aluno de forma integral, crie signifi cados na aprendizagem e preserve a diversidade
PorBruna Tiussu
30/05/2019
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Jornalismo
PorBruna Tiussu
30/05/2019
Educador, mentor, mediador, curador. As recentes denominações atribuídas ao professor são um indicativo de que a profissão está em fase de transição. Sai o docente que apenas transmite conceitos e definições — afinal, o Google está aí para isso —, entra em cena aquele que se dedica a orientar, criar significados e a contextualizar conhecimentos. Num mundo como o nosso, repleto de transformações econômicas, tecnológicas e sociais, é natural que a dinâmica da sala de aula também passe por mudanças. E cabe ao professor acompanhá-las. Mas será que o docente chega à escola ciente de todas essas transformações na carreira dele? De acordo com Miguel Thompson, diretor do Instituto Singularidades, é das faculdades o papel de preparar o futuro professor para assumir suas novas funções. “É preciso deixar claro que ele deixou de ser um expositor. Diante desse manancial de informações que temos à disposição, o educador agora é quem organiza as trilhas para a aprendizagem, cria conexões reais para o conhecimento.”
Para dar conta, o educador precisa desenvolver as competências que posteriormente terá de passar para os alunos, como criatividade, comunicação, pensamento crítico e habilidades de investigação e de análise. A partir delas, fica muito mais fácil enxergar o aluno (e seu processo de aprendizagem) de maneira integral. “A criança é racional, mas também é emoção e valores. Quando o docente trabalha de maneira afetiva, colaborativa, com empatia e reflexão, ele estimula nela o desejo de criar significados”, explica Miguel.
O diretor da Faculdade de Educação da USP, Marcos Neira, aponta que é preciso entender a função docente em seu contexto mais amplo. “Ele deve ter uma postura a favor das diferenças, sejam elas sociais, étnicas, de gênero ou de orientação sexual. E compreender que a escola é um lugar democrático, para todas as crianças, e que no momento da aprendizagem cada uma olhará para o novo a partir de suas experiências anteriores.”
Propostas que vão ao encontro dessas ideias norteiam os pilares dos cursos de graduação referências no mundo. A escola de educação de Harvard, nos Estados Unidos, pegou emprestada a metodologia dos cursos de negócios para implementar uma pedagogia baseada em estudos de casos, na qual qualquer tema merece o debate, para se refletir sobre as melhores experiências de aprendizagem. No mesmo país, a faculdade de Educação da Universidade de Michigan possui uma proposta pedagógica voltada a capacitar o futuro professor para saber lidar justamente com a diversidade e entender o aluno de forma integral. Já a Universidade de Helsinque, na Finlândia, país que coleciona invejáveis indicadores de educação, foi uma das pioneiras a substituir o ensino segmentado em disciplinas pelo organizado a partir de competências, além de encorajar o uso de ferramentas digitais em sala de aula. No Brasil, essas ideias inovadoras começam a ganhar mais espaço. A versão preliminar da Base Nacional de Formação Docente, por exemplo, propõe a revisão das diretrizes de formação dos cursos de Pedagogia e Licenciatura do Brasil, a fim de melhor preparar o professor para a nova realidade da sala de aula. O documento sugere a reformulação curricular, a formação do docente pela prática e o desenvolvimento pleno de suas competências.
Teoria x prática
Isso não significa, porém, deixar a teoria de lado. “O professor precisa conhecer profundamente a disciplina ou o conteúdo que ministra. Precisa, ainda, estar interessado nas atualizações que a disciplina apresenta e dominar os métodos didáticos para ensiná-la”, diz Marcos. O entendimento das universidades públicas brasileiras e também da Base Nacional de Formação Docente é que se faz necessário ter um equilíbrio e uma profunda correlação entre teoria e prática ao longo da formação do educador. “Esse novo profissional precisa, sim, ter o conhecimento teórico bem fundamentado. Mas ele tem de fazer estágio na escola para conhecer de perto os contextos reais”, afirma Cleuza Repulho, especialista em educação e gestão pública. Ela ressalta que um dos grandes problemas é que este modelo não está sendo amplamente discutido nas faculdades privadas, onde se graduam quase 90% dos professores da rede de ensino do país. “É preciso falar mais sobre isso com essas instituições. Não dá para formar o docente só a distância. Depois, como ele vai lidar com o conhecimento no dia a dia da escola?”
Na USP, onde os cursos de Licenciatura e Pedagogia são famosos pela sua densidade teórica, todos os alunos realizam atividades de estágio em instituições do ensino básico, parceiras da universidade. Nas chamadas escolas-campo, eles experimentam a sala de aula, participam da elaboração de projetos pedagógicos e vivenciam na pele os gargalos no ensino público. Desde 2009, a Faculdade de Pedagogia da Unifesp mantém um programa similar. A partir do quinto semestre, os estudantes iniciam uma residência pedagógica em escolas da rede municipal, também por meio de parceria com a universidade. Cada eixo do programa – educação infantil, gestão escolar e educação de jovens e adultos, entre outros – é desenvolvido semestralmente, com um mês de imersão na instituição de ensino com a mentoria de um professor local e de um docente da faculdade. “Essa vivência é um choque de realidade, de sala de aula e de escola pública. Ali eu participei das horas de estudo, de discussões sobre ações e planos pedagógicos e de reuniões quinzenais com a equipe. E pude ver, por exemplo, como é fácil planejar uma aula com nossa bagagem teórica e então perceber que ela nunca funcionaria na prática”, conta Juliana Andrade, que se graduou na Unifesp e leciona em Guarulhos desde 2017. Como uma via de mão dupla, os mentores também se beneficiam com o programa, uma vez que ele estimula a troca de ideias e a constante atualização dos processos pedagógicos. “O residente traz um olhar novo. No ano passado, um residente notou que eu estava gastando muito tempo para acalmar os alunos no início da aula e me sugeriu uma atividade ligada à música. Algo que eu nunca havia pensado e que deu super certo”, relata Lidiane Chaves Zeferino, professora com 15 anos de profissão e hoje vice-diretora de uma escola municipal de Guarulhos.
Professor também estuda
De acordo com a pesquisa Profissão Docente, realizada em 2018 pelo Todos pela Educação, 71% dos docentes avaliam como insuficiente sua formação inicial. Eles apontam que não foram bem preparados com conhecimentos sobre gestão de sala de aula (22%) e fundamentos e métodos de alfabetização (29%). Ou seja, sentem falta justamente da parte prática. Isso faz com que a formação continuada também ganhe bastante relevância na discussão atual. “Sinto que o professor tem vontade de aprender mais. O difícil é conseguir encaixar isso em sua jornada. Faltam políticas públicas que ofereçam instrumentos legais a dar acesso a uma constante atualização”, diz Cleuza Repulho. Há alguns casos em que o município testa alternativas dentro de suas instituições de ensino. De 2015 a 2017, a rede municipal de Osasco (SP) firmou uma parceria com o programa Líder em Mim, da Somos Educação, cuja proposta é ajudar a estruturar o currículo escolar com um olhar socioemocional. E o primeiro passo é a formação dos docentes. “A partir de uma imersão, tentamos quebrar aquele paradigma de que há aluno bom e ruim, porque se ele não acredita que cada um tem um potencial, o aluno percebe.
Depois, seguimos desenvolvendo autonomia, comunicação, resolução de conflitos, flexibilidade e afetividade. As mesmas aptidões e competências que eles terão de usar em seus projetos pedagógicos para preparar o aluno para o futuro”, explica Morgana Batistella, gerente do programa, que neste ano está sendo aplicado em Santo Antônio do Pinhal (SP). Quando falta incentivo da rede pública, muitos educadores buscam por conta própria caminhos para renovar os conhecimentos. E as universidades públicas apresentam-se como boas opções para isso. Formado há nove anos e professor de Educação Física em São Paulo, Luiz Alberto dos Santos encontrou na USP uma oportunidade de se atualizar. Por meio do Programa de Extensão à Rede Pública da Faculdade de Educação, Luiz cursou uma disciplina da Pedagogia sobre metodologias de ensino. “Tive a chance de discutir assuntos novos e de estudar a teoria pensando em sua aplicabilidade”, explica ele, que se esforçou bastante para ir a todas as aulas. “Não dá para dizer que é fácil, principalmente se você tem uma dupla jornada. Mas os ganhos são enormes.” A cada semestre, o programa disponibiliza vagas em diferentes disciplinas para que qualquer professor da rede pública se inscreva. “Isso é muito rico, porque o professor nunca fica pronto. A sociedade sempre apresenta novos desafios que nos obrigam a nos reinventar”, ressalta Marcos Neira.
LEITURA EM DIA
Conheça obras que abordam a prática da docência e apresentam os desafios da sala de aula
Formando Mais Que um Professor
Elizabeth Green
A obra discute o que é preciso para ser um bom professor, traz técnicas pedagógicas inovadoras e pensamentos contemporâneos sobre ensinar.
Educação Física Cultural — Inspiração e Prática Pedagógica
Marcos Neira
O autor relata experiências no ensino da disciplina em escolas públicas e privadas, analisando-as sob uma perspectiva que coloca as práticas corporais como elementos da cultura.
Ilustração: Elisa Carareto
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