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Jornalismo

 

Julio Groppa Aquino é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Foto: Gisele Rocha
Julio Groppa Aquino é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Das poucas certezas que restam atualmente sobre o trabalho de educar, um princípio é incontestável: a capacitação do educador nunca é adquirida por completo, uma vez que ela jamais se esgota.

Quase todo o desenvolvimento profissional deverá ocorrer, portanto, durante o próprio exercício do ofício, naquilo que se convencionou chamar de formação contínua ou em serviço.

Dada sua efemeridade e fragmentação, os congressos e os encontros profissionais são a menos significativa das várias modalidades da formação contínua. Mesmo assim, eles vêm ocorrendo de Norte a Sul do país com uma freqüência admirável. O fato deveria ser comemorado, não fosse pelo que neles se oferta ou pelas estratégias de alguns conferencistas tidos como "celebridades".

Basta um contato superficial com os programas de tais congressos para uma evidência saltar aos olhos: os temas enfocados não refletem de forma alguma a realidade das escolas. Abordar temas do tipo hiperatividade, agressividade, criatividade ou auto-estima pode até suscitar algum interesse informativo genérico. Mas, definitivamente, não é esse o papel da formação continuada.

Outro dado curioso é a procedência profissional de tais "celebridades". Psicanalistas, médicos, jornalistas, administradores e até empresários são convidados a dissertar sobre questões que, em tese, teriam alguma relação analógica com o universo pedagógico. Terão mesmo? Duvido.

Reflexões sóbrias ou corajosas são artigos em extinção nesse rentável mercado de congressos e assemelhados

Nesses encontros, as temáticas espinhosas da profissão são escamoteadas e alguns hábitos suspeitos dos educadores quase nunca são interpelados, sob pena de não agradar ao público pagante. E caso algum palestrante mais idôneo se aventure a fazê-lo, é bem possível que boa parte da platéia se retire em busca de "novidades" menos incômodas.

Com o intuito de atender a esse apelo consumista, alguns desses mascates sem juízo especializaram-se em estratégias oportunistas de interlocução com o professorado. Uma delas se dá pelo louvor exagerado; outra, pelo riso frouxo; outra ainda, pela comoção descabida; e a mais grave de todas, pela catarse irresponsável. Reflexões sóbrias ou corajosas são artigos em extinção nesse rentável mercado de congressos e assemelhados.

A verdadeira formação contínua se dá quando, juntos, os profissionais da educação se dispõem a construir consensos éticos sobre o que é educar num contexto democrático. Senão, trata-se de desperdício de tempo e de esforços.

O trabalho de edificação dessa nova consciência só se tornará possível à medida que os educadores optarem, coletivamente, por arregaçar as mangas do pensamento. Ninguém pode fazê-lo por nós ou a despeito de nós.

E se é verdade que temos de arcar com uma certa angústia face às incertezas da profissão no presente, é bem verdade também que merecemos interlocutores que pensem o ofício com sofisticação. Bons educadores talvez, e tão-somente.

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